• Nenhum resultado encontrado

Folheto 24: Relato da macabra campanha política de 1986 em Juazeiro do Norte

O texto em análise trata-se de um cordel informativo que relata um acontecimento ocorrido em Juazeiro do Norte, em torno das eleições para governador do Ceará de 1986, fato que marcou a história política do estado de forma negativa, pois vários estratagemas foram arquitetados por parte de um dos candidatos para prejudicar seu oponente. Como se trata de um cordel informativo, o enunciador se manifesta quando informa, claramente, que a história de uma das calúnias levantadas sobre o candidato Jereissati, foi-lhe informada através de relatos de moradores dos sítios, após o processo eleitoral. Dessa forma, as zonas antrópicas de identidade e distanciamento são manifestadas, além de ser instaurada uma debreagem enunciativa. E o poder figura o status de ídolo, posto que era o objeto de desejo dos candidatos, em especial, do candidato Dr. Geraldo Barbosa, que fez manobras para prejudicar seu opositor que estava atrapalhando sua conquista do poder.

“Essa história foi passada

Na cidade de Juazeiro Na terra do Padre Cícero, Que é nosso conselheiro, Mesmo assim não se evitou

A ação de caloteiro”

“Essa conversa eu ouvi

Só depois da eleição Visitando os nossos sítios

E me deu muita emoção Pois eu vi que a mentira

Não vence nunca a razão”

No que diz respeito à situação espaço-temporal, as expressões que demarcam tempo são as que seguem: o ano do acontecimento, 1986; três anos corresponde ao tempo em que uma única pessoa, médica e eleita pelo povo, despendeu para desenvolver a cidade do Juazeiro, enquanto que vinte anos ali estiveram os coronéis e nada fizeram. A espacialização é representada pelo mundo, este aparece para simbolizar que o mau caráter dos políticos é geral, atinge todos os espaços do planeta, não se restringindo a uma localidade em particular; Juazeiro do Norte, no Ceará, corresponde à cidade palco dos acontecimentos narrados no texto; a capital, em uma referência a Fortaleza, aparece para informar que as benfeitorias realizadas pelo médico, prefeito da cidade, tornaram-se do conhecimento do governador da capital do Ceará; a delegacia corresponde ao local para onde foram direcionados os participantes das falsas calúnias contra Tasso Jereissati. Eis os excertos que exemplificam:

“Juazeiro era uma cidade

Como no resto do Ceará Dominado por coronéis, De muitos anos pra cá

Vivia numa política

De ‘meu sinhô e sinhá’”

“O trabalho do prefeito

O povo entusiasmou Mas o coronel no governo

Da capital, não gostou Por isso contra o prefeito

Muitas ciladas armou”

“Na delegacia, o delegado

Fez a sua inquirição Despachou para a justiça

A sua interpretação Botando Dr. Geraldo

Num inquérito e o sacristão”

O processo de actorialização do discurso possui seus representantes tanto em atores genéricos quanto em específicos, os nomeados. Estes são figurativizados por: Dr. Mauro Sampaio, influente na política de Juazeiro do Norte e aliado de Tasso Jereissati; coronel Adauto, candidato da situação ao governo do estado do Ceará, representando a esperança de que o coronelismo continuasse detendo o poder político da região; Tasso Jereissati constitui o candidato da oposição e o que tinha a preferência entre os eleitores de Juazeiro do Norte; dr. Geraldo Barbosa era um jornalista que fez uma crônica falando calúnias a respeito de Jereissati para amedrontar a população a seu respeito; Estevão Rodrigues e o vereador ChicoVieira foram os responsáveis em descobrir a artimanha de Manoel dos Padres e o sacristão, Antônio Agulheiro, que recebeu dinheiro para desenterrar três dedos de uma criança para causar perplexidade na população de Juazeiro:

“Quando o coronel Adauto

A candidatura confirmou Para ser de novo o governo

O Ceará se abalou E quem já tinha sofrido

Pros outros participou”

“O candidato de Juazeiro

Para ser governador Era Tasso Jereissati Com esperança e vigor Na terra do Padre Cícero

Só ele tinha valor”

“Dr. Geraldo Barbosa

Na sua rádio Progresso Fez uma crônica maldosa

Dizendo num arremesso Ser Tasso um comunista

Da pior marca e perverso”

Os atores genéricos aparecem figurativizados por povo humilde, sempre subjugado, que estava a mercê dos mandos e desmandos dos coronéis e, após anos de submissão, conseguiu, na cidade de Juazeiro, findar com o coronelismo, elegendo um médico como prefeito da cidade; jornalistas comprados retratam aqueles que sempre se corrompem por dinheiro e divulgam inverdades, sejam para prejudicar os oponentes ou para enaltecer seus aliados, tudo visando manipular os eleitores em favor de seus mandantes; os xeleléus são figuras características na política, são aqueles que adulam os políticos em troca de favores, no caso do

texto em questão, foram os responsáveis em espalhar mentiras sobre o candidato da oposição aos coronéis; a polícia e o delegado foram os responsáveis em punir os malfeitores que cometeram um grave delito para incriminar o candidato Jereissati.

“Os jornalistas comprados

Mentiras noticiavam Nas emissoras dos coronéis Sobre os coronéis publicavam

As conversas desencontradas

Que a todos admiravam”

“Nesse caso os xeleléus

Depressa se indignaram Amaldiçoando Jereissati E em todo canto espalharam

Ser ele a besta-fera

Que os santos profetizaram”

“Na delegacia, o delegado

Fez a sua inquirição Despachou para a justiça

A sua interpretação Botando Dr. Geraldo Num inquérito e o sacristão” Diante disso, os sememas que caracterizam os atores são representados pelos agonistas mentiroso, ladrão e caluniador, na figura dos políticos e de seus aliados; correto e injustiçado, representado pelo candidato Jereissati; também considerado sofrido, ao povo; justo, na imagem do delegado.

Com isso, os temas que permeiam a narrativa são: coronelismo, dominação e influência que os coronéis exerciam na política do país, principalmente na época da instauração da república. Como tinham muitos capangas, usavam de autoridade e ameaças, obrigando, assim, seus subordinados a votarem no candidato que queriam que ganhasse. Mesmo com o enfraquecimento da figura dos coronéis, sua dominação na política persistiu por alguns anos, de preferência, nos interiores do Nordeste, sendo, como exemplo, o cenário político e econômico de Juazeiro do Norte, na década de 80, já no século XX. A política, fato que maneja todos os acontecimentos e discursivizada pela eleição para governador do estado do Ceará, é objeto de desejo dos coronéis, que estavam dominando o cenário político da região há muito tempo e ainda sedentos em permanecer no poder. Por isso um coronel se candidata e faz de tudo para tirar de seu caminho o seu concorrente, Tasso Jereissati, que nada tinha com os coronéis e que estava ganhando cada vez mais o prestígio dos eleitores.

O tema da mentira aparece nos planos de coronel Adauto para desprestigiar a figura

de seu concorrente ao governo, criando inverdades para que o povo não votasse em Jereissati. Aproveitando-se da religiosidade, muito presente nos habitantes de Juazeiro do Norte, inventa mentiras que atingem diretamente a crença do povo, como quando afirma ser Jereissati a besta fera do apocalipse. A justiça vem através da descoberta dos planos do coronel para manchar ainda mais a figura de seu opositor perante o povo, quando arquiteta mostrar três dedos de uma criança e afirmar que foram arrancados por Tasso Jereissati.

“Entre os mesmos coronéis

Um queria se eleger, Justamente o de Juazeiro

Para o povo padecer Porque ele perseguia

Quem não quizesse obedecer”

“A soma daquelas letras

Era a soma da besta-fera O eleitor religioso Vendo o número que lera

De imediato dizia:

Esse candidato já era”

“Achando pouco, veja bem

O que eles inventaram: A mando de Dr. Geraldo

Um coveiro peitaram Para desenterrar uma criança

E os seus dedos cortaram”

As oposições semânticas básicas sintetizam a ideologia que permeiam a narrativa. No texto em análise, aparecem entre verdade versus mentira; honestidade versus desonestidade e entre justiça versus injustiça. O primeiro conflito representa as atitudes dos maus políticos, que inventam calúnias sejam para beneficiar-se ou para prejudicar seus oponentes, trazendo para o texto, enquanto que a mentira representa os planos do coronel para prejudicar Jereissati, a verdade, em um estado de contrariedade à mentira, corresponde ao comportamento deste, que sempre se manteve alheio às manobras do coronel e convicto de seus ideais. Partindo desse conflito, surge o segundo, a honestidade que aparece como sendo uma rara qualidade nos políticos brasileiros, mas não impossível, no texto, não aparece de forma explícita, mas deixa subtendido que o candidato Jereissati era honesto, em contraposição ao coronel, que estava incluído na classe dos desonestos. A última oposição representa as atitudes do coronel para com seu concorrente, traçando um percurso de ultrajes contra Tasso, cometendo, assim, muitas injustiças, no entanto, a justiça prevaleceu, sendo concretizada quando foi estabelecido um inquérito para incriminar os executores do maléfico plano de cortar os dedos de uma criança morta para escandalizar a população e culpar Jereissati.

O cordel reconta um fato verídico e que ficou marcado na história do estado do Ceará não com a intenção de apenas transmitir os acontecimentos, mas visando destacar valores que não dignificam o homem, representados nas atitudes do coronel em relação ao candidato da oposição. A justiça, através da punição, é louvada e aparece de forma a assegurar que ela existe, de fato, e quando menos se esperar, ela cumpre o seu papel.

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

TÍTULO: Relato da macabra campanha política de 1986 em Juazeiro do Norte AUTOR: Abraão Batista

DATA: 14/03/1987 CLASSIFICAÇÃO

BIBLIOGRÁFICA: Político e Social

CATEGORIAS DESCRITIVAS DESCRIÇÃO Enunciação Debreagem: Enunciativa Enunciador: Explícito Enunciatário: Pressuposto

Zona Antrópica: Identidade; Distanciamento

Objeto Transacional: Poder (Ídolo)

Situação espaço-temporal

Tempo: Específico: 1986; 20 anos; 3 anos

Genérico:

Espaço: Específico: Mundo; Juazeiro do Norte; Ceará; Capital

Genérico: delegacia

Atorialização

Específicos: Dr. Mauro; Coronel Adauto; Tasso Jereissati; Dr. Geraldo Barbosa; Estevão Rodrigues; Chico Vieira;

Manoel dos Padres; Antônio Agulheiro

Genéricos: Povo humilde; jornalistas comprados; xeleleus; polícia; delegado

Natureza dos Agonistas: Eufórico Disfórico

Mentiroso; Ladrão; Caluniador

Valores investidos Coronelismo; Mentira; Justiça; Religiosidade; Política

3.25 Folheto 25: ABC de Chico Xavier