• Nenhum resultado encontrado

Fontes para a Pesquisa e Organização dos Capítulos

Para Geertz76, o importante é não tornar complexo o que se quer explicar, mas inteligível e ordenado, ainda que para isso adote-se a simplicidade. Na maioria dos casos, as teorias mais complicam do que explicam. Humberto Eco afirma que o ato de fazer uma tese deve ser divertido e esta precisa ser como um porco, do qual nada é desperdiçado77.

Não é uma tarefa fácil lidar com a documentação de irmandades de pretos ou de pardos, particularmente em Sergipe. Em geral, limita-se a compromisso e livros de contas. Para a pesquisadora Maria da Glória, isso se deve em grande medida pelo fato de que a maior parte dos indícios deixados pela Igreja Católica ter sido gerada pelo que ela chama de “centro”. Para tanto, entende que o silêncio ou silenciamento dos chamados “desfavorecidos” da memória pode ser “denunciador78”.

Procuramos ordenar e estabelecer o uso das principais fontes aqui utilizadas. Entre elas, destacamos: o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Vila de Nossa Senhora do Lagarto, aprovada em 1771, compondo o acervo documental do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa, Portugal); o Livro de contas, receitas e despesas, da mesma irmandade, aberto em 1856 e encerrado em 1877, do Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe79 e a recompilação do Termo de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de 1874, cuja edição se encontra no Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Sergipe.

No acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Sergipe, além de diversos outros documentos, como aqueles localizados em seus fundos, como os do Barão de Geremoabo, obras sergipanas diversas, destaque para os jornais que

76 Cf. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Guanabara: Rio de Janeiro, 1989. 77

ECO, Humberto. Como se faz uma tese. 23ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 173.

78 ALMEIDA, Maria da Glória. A Igreja em Sergipe e os “Desfavorecidos”: Possibilidades de Pesquisa.

In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, Aracaju, n. 32, 1993-1999. p. 80.

79 AGJSE: Livro de Contas, Receitas e despesas Da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Lagarto,

circularam em Sergipe entre os séculos XIX e o XX, tais como: o Diário Oficial de Sergipe e A Cruzada. Foi no acervo do IHGSE, que nos debruçamos sobre a Carta de Sesmaria de Antonio Gonçalves de São Tomé, sesmeiro fundador do que seria mais tarde a Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto. Deu muito trabalho, praticamente caçarmos informações nesses jornais, mas os resultados foram surpreendentes, pois não só foi possível localizar artigos ou menções aos padres, como registros sobre a festa ou correlacionado, capazes de nos subsidiar na análise. É importante destacar que, parte considerável desse acervo se encontra em meio digital.

Para entender o ambiente e as ações vividas pelos nossos personagens e perscrutar suas ideias, destacadamente Daltro, foi de fundamental importância o fundo Ag4-Clero do Arquivo Público de Sergipe (APES). Trata-se de um conjunto de correspondências dirigidas às autoridades provinciais de Sergipe no século XIX. Também no APES, foi possível coletar outros documentos que cobrem o segundo instante da tese, que envolve Vicente e Germiniano, posterior à criação da Diocese de Aracaju, nos primeiros decênios do século XX, entre eles: Carta Pastoral sobre o Sagrado Coração de Jesus e a Circular ao Reverendo Clero do Bispado de Aracaju, ambos de autoria de D. José Thomaz Gomes da Silva.

No Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador (ACMS), hoje aos cuidados do Laboratório Reitor Eugênio Veiga (Universidade Católica de Salvador-UCSAL), fundado em 25 de fevereiro de 2002, entre os Processos de Habilitação para o Presbiterato, foi possível localizar documentação relativa a Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro e ao Cônego José Geminiano de Freitas. Curiosamente, ainda que saibamos de sua formação no Seminário Santa Tereza, não encontramos nenhuma informação relativa ao Padre Vicente Francisco de Jesus.

Ainda em Salvador, foi valiosa a pesquisa no Arquivo dos Capuchinhos do Convento de Nossa Senhora da Piedade, onde pudemos encontrar fontes que nos auxiliaram a compreender melhor a formação religiosa da Vila de Lagarto, contribuindo para o esclarecimento de algumas questões sobre a devoção em torno de Nossa Senhora

da Piedade e sobre a realização de Santas Missões nas administrações dos principais clérigos, personagens da presente tese.

No Arquivo da Cúria de Lins, cidade interiorana de São Paulo, tivemos acesso ao acervo pessoal do Cônego Vicente Francisco de Jesus. O mesmo ocorrendo no Arquivo da Paróquia de Santo Antônio, onde foi possível colher dados da trajetória sacerdotal do Vigário e da vida religiosa de Lagarto, inferidas de suas memórias, sejam escritas, sejam fotográficas, que levou consigo para aquele lugar.

Outro conjunto de fontes expressivas e elucidativas faz parte do Acervo do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, cuja cópia digitalizada encontra-se no Acervo do Programa de Documentação e Pesquisa Histórica (PDPH), do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. São mais de 80 volumes, contendo documentos importantes como cartas de vigários e registros das vilas sergipanas.

De suma importância, levantamos fontes no acervo da Diocese de Aracaju, do Seminário Sagrado Coração de Jesus e da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, ambos, também, na capital sergipana. Tais acervos são compostos de cartas, livros de tombo, relatórios e fotos, elementos pertinentes na busca por entender o processo de recatolização do Brasil em Sergipe e na necessidade de compor as trajetórias sacerdotais de Vicente Francisco de Jesus e José Geminiano de Freitas, este último, com uma considerável atuação no Cabido da Diocese de Aracaju.

O Arquivo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto também esteve compondo nosso cabedal de fontes, com destaque, sobretudo, para: cópias microfilmadas de documentos da Ordem de Cristo, séculos XVI e XVII, referentes aos primeiros tempos da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, revelados, em 2012, pela Fundação Joaquim Nabuco (Recife-PE), com nossa iniciativa e contando com a supervisão do Prof. Dr. Severino Vicente da Silva; os livros de Tombo entre os séculos XIX e XX, bem como relatórios e atas de associações e confrarias criadas a partir da atuação sacerdotal de Vicente Francisco de Jesus e, principalmente, de Geminiano de Freitas.

Dessa maneira, nossa tese está dividida em cinco capítulos. No primeiro, intitulado Da Devoção a Nossa Senhora da Piedade à Instalação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (1669-1771), após uma breve, porém necessária, discussão em torno da história local, optamos por escrever uma História de Lagarto a partir de uma análise cultural e religiosa, procurando preencher algumas lacunas a respeito e dar vazão a novas interpretações. A ideia é mostrarmos como se constituiu a religiosidade do povo lagartense a partir do processo de ocupação colonial portuguesa e do catolicismo. Nesse sentido, procuramos atentar-nos para discussão em torno da implantação da devoção a Nossa Senhora da Piedade e a posterior instalação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, dando conta de percebê-la a partir de seu Compromisso aprovado em 1771, analisado no capítulo seguinte.

No segundo capítulo, Das Fronteiras e dos Limites de um Universo Multifacetado de Devoção de Empreendedorismo Religioso (1771-1874) o, seguindo num movimento para o passado o mais distante possível (retrocedente), perscrutamos as fontes para detectar a vida cultural e religiosa oitocentistas na Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, como pano de fundo para entender as demandas explicativas do empreendedorismo religioso levado adiante pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, frente à forte mobilização social em torno dela.

No terceiro capítulo, intitulado Margeando a Santa Sé em Festa de Preto e de Branco – Uma Romanização em Processo? (1874-1896), em questão, o avanço do processo de romanização no Brasil, as principais mudanças verificadas no seio da Igreja Católica e a atuação do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, a partir de sua chegada à Vila de Nossa Senhora da Piedade. Paradoxalmente, foi o momento de auge da Festa de São Benedito e, para explicá-la e compreendê-la, em destaque uma série de registros daquele tempo onde o Santo Preto era o dono e senhor das manifestações religiosas do lugar.

No quarto capítulo, Recatolização de Sergipe: Uma Festa Esvaziada em Agonia, Silenciamento e Invisibilidade (1896-1913), destacamos uma simbologia que ajuda a compreender o fenômeno da romanização em Sergipe, no que ele teve de

pontual e específico, mas à luz de um contexto mais geral de propagação da necessidade de formar melhor seus padres e debelar as tradições religiosas populares. Nesse sentido, a saída de cena de Daltro e a chegada de Vicente coincidem com o esmaecimento da Festa de São Benedito.

Por fim, no quinto capítulo, A Festa e o Tempo de Geminiano de Freitas: Entre Resistência e Permanências, um Véu de Esquecimento (1913-1928), a ideia é focar no cerne do problema: a proibição da festa pelo Padre Germiniano de Freitas, em 1919, feita de forma contundente, forte e precisa. Nesse sentido, a ênfase da análise recai sobre força contextual das palavras do Vigário, procurando entender o momento em que foram produzidas à luz da trajetória de vida de quem a produziu para assim medir o peso de seus reflexos na festa e sua atuação através da criação de associações e festas concorrentes à de São Benedito.