• Nenhum resultado encontrado

Uma Carta de Sesmaria, datada de 1596124

, concede as terras que seriam mais tarde a Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto ao Sr. Antonio Gonçalves de São Tomé125

. Existe uma transcrição da mesma no livro História de Sergipe, de Felisbelo Freire, mas a julgar pelo que vimos, embrionariamente, será preciso um novo olhar mais aguçado e cuidadoso, o que permitirá maiores revelações sobre esse período inicial da história de Lagarto. Seguindo o exemplo dos companheiros de Cristóvão de Barros, Garpar de Menezes e Gaspar de Almeida, o sesmeiro Antônio Gonçalves de Satomé iniciou o processo de povoamento de Lagarto, fundando, mais tarde, o que viria a ser seu primeiro núcleo populacional, no dia 13 de junho de 1604. Na ocasião, duas imagens foram entronizadas na humilde capelinha, a de Santo Antônio e a de Nossa Senhora Santana126.

124 Carta de Sesmaria de Antonio Gonçalves de São Tomé D[26/05/1596; R[28/05/96] f. 29v-30v.

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

125

Durante muito tempo seu sobrenome foi erroneamente transcrito do documento original: onde se lê hoje “de São Tomé”, lia-se “Santana”.

126 A capela original foi demolida nos anos 80 do século XX. Era Pároco de Lagarto à época, Monsenhor

Mário Rino Sivieri, atual Bispo da Cidade de Propriá-SE. No local, foi erguida uma Igreja, também dedicada a Santo Antônio e Nossa Senhora Santana.

Lagarto surge num contexto, cujas terras se inserem no processo de necessidade urgente de conquista de Sergipe, localizadas nos domínios da Capitania da Bahia de Todos. E nasce com um nome cercado de mistério. Aliás, essa é uma discussão muito interessante, no mínimo espinhosa, e onde subsiste o mito da origem em torno de uma pedra em forma de um réptil.

Em nosso entendimento, não há como tal pedra ter existido, sobretudo pelo fato de nunca ter sido citada por fonte oficial alguma. Adalberto Fonseca afirma que durante anos o nome de Lagarto foi Vila de Nossa Senhora da Piedade da Pedra do Lagarto. Dos documentos consultados para a construção do texto desta tese, incluindo os mais antigos, nenhum faz esse tipo de referência, salvo aqueles sobre os quais reside uma série de imprecisões e contradições.

Em algum momento da história de Lagarto essa representação foi forçada, provavelmente pelo Padre Saraiva Salomão127, que logo fora reproduzido pelos que lhe sucederam sem a devida explicação e fundamentação histórica. Segundo Adalberto Fonseca, baseado no Livro de Tombo N⁰ 01, cujo paradeiro é desconhecido, haveria uma inscrição em manuscrito do próprio religioso em que ele assim se expressava: “Não encontrando quem me desse posse, assumi o paroquiato de Nossa Senhora da Piedade da Pedra do Lagarto...”128. O documento estaria datado de 1823, ao que parece ser uma incongruência, dado que o Padre Saraiva havia assumido nove anos antes, em 1814.

Alguns anos mais tarde, em 1896, Severiano Cardoso, que tanto dissertou sobre a Vila de Lagarto do final do século XIX, classifica como esquisita a nomenclatura do lugar relacionado a um réptil, embora o próprio caia em diversas contradições quando tenta explicar a sua lógica forçada. Assim, sobre a origem do nome lagarto, diz ele, talvez devesse a um “regato” (uma espécie de córrego ou riacho) denominado com aquela alcunha e de onde se fabricava a famosa “cal do lagarto”. Daí, lagarto = igual à pedra calcária.

Diz ele, ainda, mais adiante:

Na margem esquerda do regato que deu seu nome ao município existiu e parece que existe [grifos nossos] que da mesma origina-se a figura de um lagarto. Vê-se bem ser essa escultura natural, e não resta duvida [grifos nosso] que da mesma origina-se a denominação baptismal do município e sua sede129.

127

Padre José Saraiva Salomão, português de origem, foi Pároco da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto por duas ocasiões: entre os anos 1814-1842; e entre 1845 e 1864. Sua administração foi marcada por forte conteúdo político, colecionando alguns desafetos como o colega de batina, o Padre Pitangueira. A ele é atribuída a criação de um dos grupos folclóricos lagartenses, os Parafusos, onde homens vestidos de anáguas e com caras pintadas de branco roda e rodopiam em torno de si, ao som dos versos “quem quiser ver o bonito, saia fora e venha ver, venha ver o parafuso a torcer e a distorcer”. Isto de ele ter sido o idealizador do grupo nos parece muito pouco provável, pois o mesmo teria visto escravos vestidos de anágua à semelhança dos parafusos em celebração ao fim da escravidão no Brasil, em 1888. Detalhe: Saraiva Salomão morreu antes da abolição. Em 1862, ajuda a fundar uma banda de música na cidade, a Euterpe Lagartense, embrião do que seria mais tarde a Lira Popular de Lagarto.

128 FONSECA, Adalberto. História de Lagarto. Governo de Sergipe: Aracaju, 2002. p. 78.

129 CARDOSO, Severiano. Manuscrito. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Caixa nº

Como se pode averiguar, o relato de Severiano é vacilante e contraditório. Aliás, é bem provável que isto tivesse acontecido aos que o sucederam, sendo levados ao erro ou ao menos à omissão confortável de uma investigação mais acurada. Foi o caso de Laudelino Freire, por exemplo, que, se valendo do que ele preferiu chamar de tradição, afirma ter sido o nome surgido de um pequeno torrencial, cuja atribuição lhe assim era dada por conta de uma pedra em forma de um réptil semelhante a um lagarto130.

Dr. Gervásio Prata, em suas memórias enquanto Juiz de Lagarto, entendeu que jamais se viu tal pedra e nunca se veio, a saber, onde ficava de fato. Para ele, a suposta pedra, se de fato tivesse existido diante da importância que sempre lhe deram, seria digna de estar em museu131.

Definitivamente, o nome Lagarto não surgiu de uma pedra em formato de réptil. Existe ainda outra corrente, da qual o próprio Adalberto Fonseca comungava, de que a origem do termo tinha uma associação a um brasão de família de Antônio Gonçalves de Santomé, que ostentava um réptil em formato de lagarto. Um típico caso de alcunha que sagra a identificação do sujeito, em expressões como: “terra de Antônio Gonçalves do lagarto” (daquele cujo brasão havia um lagarto), que teria gerado a corruptela Lagarto e se cristalizado com o tempo. Esta versão nos parece mais verossímil.

Consultando uma documentação do século XVIII sobre a Vila de Lagarto, um dado curioso chamou nossa atenção e pode talvez explicar o que poderia ter sido um erro de transcrição. Trata-se de uma Lista das Informações e Descrições das Villas do

Arcebispado da Bahia, de 1757, e que pertence ao acervo do Arquivo do Conselho

Ultramarino da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro132. No que se refere às vilas em

130 FREIRE, Laudelino. Quadro Corográfico de Sergipe. 2 ed. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier

Livreiro-Editor, 1902. p. 120.

131 PRATA, Gervásio. Juiz do Lagarto. In: LIMA, J. Fraga. Memórias do Desembargador Gervásio

Prata. Aracaju: Governo de Sergipe/FUNDESC, 1986. p. 52.

132 Lista das Informações e descrições das Villas do Arcebispado da Bahia, 1757. Arquivo do Conselho

território sergipano, Lagarto está localizada no chamado Ramo do Sertão Baiano do

Arcebispado da Bahia, grafado da seguinte maneira: Vila de Nossa Senhora da Piedade

da Baixa do Lagarto. A expressão “baixa”, da forma como está escrita em manuscrito pode levar o pesquisador a se antecipar e transcrevê-lo como “pedra”. Mas um olhar mais acurado não deixa dúvida: trata-se do termo “baixa”; provavelmente, embora não muito usual em documentos da mesma época, relacionado a alguma condição geográfica.

Ainda sobre o nome de Lagarto ter se originado de uma pedra em formato de réptil, a opinião do historiador Sebrão Sobrinho133, além de tácita, nos parece muito esclarecedora, indo ao encontro do que vimos dissertando a respeito. Vejamos o que ele afirma a respeito:

(...) Nas incontáveis vezes que me demorei na tabagíaca134 cidade, minha maior surpresa foi não encontrar a pedra em forma de lagarto, a um quilômetro ou em outro qualquer lugar do Município. Uma blague135, uma mentira, que tive como verdade antes de raciocinar [grifos nossos]. Si pensasse eu antes, não cairia na esparrela. Como é que uma simples pedra, semelhante a um bicho, dera nome a uma localidade, quando era costume do colono português ou conservar o nome indígena do acidente geográfico, ou dar-lhe o nome de outro, que evocava a saudade, ou lhe tomava o apelido, do proprietário136.

Outra forma de nomeação, também muito comum entre os portugueses em terras brasileiras no ato da conquista, diz respeito a dias santos do Calendário Religioso

de Documentação e Pesquisa Histórica (PDPH), Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Vol. 35, caixa 09, Documentos Oriundos de Portugal.