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HAUCK. João Fagundes et alii. História da Igreja no Brasil. Segunda Época. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 182.

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MATTOSO, Kátia M. de Queirós. A Igreja. In: Bahia, Século XIX. Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992. p. 297

As questões entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro que se seguiram ao ano de 1822 demonstraram, em boa medida, que aquela representação de passividade do catolicismo teve seu limite e levou o clero a adotar medidas cada vez mais libertadoras no sentido, inclusive, de reforçar a atuação de Roma nos destinos nacionais referentes à fé católica, sua organização, estrutura, gerência e atuação social e cultural.

Em geral, a administração de Dom Pedro I não foi das melhores para os planos da Igreja, assumindo posturas que só reforçavam o sistema de Padroado. Nesse sentido, merecem destaque: o desvirtuamento e o desrespeito às bulas papais282, interferência na vida das ordens religiosas, suprimindo algumas delas como as dos Carmelitas e as dos Capuchinhos, entre outros, que de alguma forma contribuíram para perturbar o seio da Igreja e animar a indisciplina de clérigos e religiosos283. Há quem afirme que a sua clara posição pró-maçonaria explica em boa medida seu comportamento absoluto e até mesmo anticlerical.

Em carta da Dona Maria Leopoldina, datada de 06 de novembro de 1824 e dirigida a Sra. Maria Graham, a Imperatriz do Brasil teceu alguns comentários sobre a Igreja Católica da época, que nos parecem muito pertinentes. Ela queixa-se da moralidade do Clero, afirmando que havia muito a Igreja Romana no país vinha se corrompendo. Para tanto, destaca a ação do Bispo do Rio de Janeiro no sentido de tentar regularizá-lo. Em seguida, manifestou seu desejo de os capelães284 serem mais bem valorizados. Segundo ela, eles prestavam serviços valiosos nos engenhos e nas fazendas285.

282 O texto constitucional de 1824, em seu parágrafo 14, artigo 102, impõe que quaisquer documentos

elaborados, redigidos e publicados sob a forma de determinações e orientações da Santa Sé ao clero e seus leigos no Brasil deveriam passar pelo crivo e autorização ou negação do Imperador. Ver Constituição Política do Império do Brazil (De 25 de Março de 1824). In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm. Acessado em 07 de janeiro de 2013.

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ROMAG, Frei Dagoberto. Compêndio de História da Igreja. Vol 2. 2 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1950. Pp. 262-276.

284 Os capelães a que se referem a Imperatriz referem-se a sacerdotes designados a exercerem suas

atividades junto a uma família.

285 Correspondência entre Maria Graham e a Imperatriz Dona Leopoldina e Cartas Anexas. In: Anais da

Sobre a atenção religiosa dispensada aos negros escravos, assim se expressou a Imperatriz:

A lei portuguesa sobre escravos exigia que todo negro fosse batizado, tanto os importados quanto os nascidos no paiz. Acontece que a maior parte dos engenhos de açúcar e fazendas de café ficavam a uma distância muito grande de qualquer cidade para que fosse possível transportar os negrinhos logo que nasciam a uma igreja, para serem batizados, e quase tão difícil obter um padre da cidade tantas vezes quantas fosse necessário. Entretanto, por mais que um senhor de escravos brasileiro desprezasse os cuidados materiais com seus negros, seria difícil encontrar um só que se não preocupasse com suas almas e não ligasse a maior importância à simples cerimônia do batismo, tal como os romanistas ensinam286.

Nunca é demais lembrar, que a relação entre a Igreja e a Escravidão conheceu dois momentos: um que antecede a 1831 (quando o tráfico de africanos foi considerado ilegal) e outro posterior a esse marco, que culminou com a abolição em 1888. Nesse sentido, a escravidão sempre foi justificada pelo catolicismo por meio dos recursos ideológicos mais eficientes e mesmo por princípios jurídicos, onde os escravos eram tratados como propriedades e como o prolongamento da família. Com a Lei do Ventre Livre, mesmo excitante a Igreja foi aos poucos deixando de ser o braço ideológico do Estado e assumindo posições contrárias à escravidão287.

A Imperatriz, considerando a situação dos capelães e a carência de agentes religiosos por conta da expulsão dos jesuítas do Brasil, chamou a atenção para a Igreja no sentido de mover maiores esforços a fim de proporcionar “bons benefícios e postos no interior288”. Com isso, nos parece muito diferente a visão e as posturas da Imperatriz, como vimos, em relação às do Imperador. Se por um lado, ela agia no sentido de alertar

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Idem.

287 Cf. MATTOSO, Kátia M. de Queirós. A Igreja. In: Bahia, Século XIX. Uma Província no Império.

Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992. Pp. 327-332

288 Correspondência entre Maria Graham e a Imperatriz Dona Leopoldina e Cartas Anexas. In: Anais da

a Igreja para os graves problemas de formação então enfrentados, ele, com suas ações administrativas agiu, ao que se deixa entrever, no sentido de desencorajar, desmoralizar e desorganizar.

Não menos favorável foi o Período Regencial, quando membros da própria Igreja fazendo as vezes do Estado chegaram a ameaçar qualquer ascendência de Roma, como foi o caso do Padre Diogo Antônio Feijó289. Este chegou a se envolver numa querela que pôs a Santa Sé e o Governo Nacional em pé de guerra. Eleito para o Bispado de Mariana, Feijó não teve o reconhecimento do Papa e isto fez com que a Regência, em 1836, negasse aos brasileiros o direito de recorrer a Roma. A pendenga foi resolvida quando Feijó e Antônio de Moura, que havia sido eleito para o Bispado do Rio de Janeiro, renunciaram.

Como veremos mais adiante, Padre Diogo Antônio Feijó ficou conhecido como o principal representante do chamado regalismo radical, que, entre outras ideias, defendia a abolição do celibato sacerdotal e a defesa da subordinação do poder espiritual ao poder temporal, o que explica sobremaneira as tensões em que se envolveu durante o Império Brasileiro, contribuindo de forma contundente para aumentar o fosso entre as duas instâncias nos momentos que se seguiram ao Período Regencial.

Como se vê, anos de subordinação ao Estado, num regime onde havia um desequilíbrio em relação à proteção prometida às estruturas eclesiásticas e à vida religiosa, geraram uma desagradável “ingerência opressiva do secular no sagrado”, forçando a um aumento considerável de contendas e reações por parte do clero290.

Na contramão desse processo, curiosamente, no ano de 1837, o Presidente da Província de Sergipe, em sessão ordinária da Assembleia Legislativa, apresentou a religião (frise-se, católica) como a base do Estado, garantidora que deveria ser da

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Contrariando as determinações das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, a Carta Constitucional de 1824 passou a admitir a presença de clérigos em funções públicas, inclusive de magistratura. Todos os religiosos que faziam parte da adimistração pública durante o Império, não tiveram o aval formal de suas dioceses, que reprovavam tal estado de coisas. Cf. MATTOSO, Kátia M. de Queirós. A Igreja. In: Bahia, Século XIX. Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992. pp. 302-303.