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diluídos em crenças e devoções sugeridas ou impostas pela Igreja Católica a partir das irmandades religiosas.

Como as demais representações religiosas portuguesas, as irmandades chegam ao Brasil no século XVII e encontram seu pôr do sol a partir de meados do século XIX. Notadamente leigo, caíram no gosto popular205

e a partir delas se deram importantes manifestações de fé cristã-católica que se afiguram no chamado catolicismo popular.

De origem medieval, elas foram associações religiosas que se reuniam para praticar o catolicismo tradicional206

. Estiveram submetidas a regras mediante aprovação da Igreja, por meio, sobretudo de seus termos compromissos. Normalmente ligadas a ordens terceiras, eram compostas por irmãos que colaboravam financeiramente para a sua manutenção, bem como para despesas como sepultamentos e festas207

.

O culto a Nossa Senhora do Rosário tem bases históricas longínquas. Na Europa, está associada à Batalha de Lepanto (1571), de onde teria derivado a devoção, ainda que existam registros que alcancem o ano 1100, associada a certo ermitão por nome de Pedro. Oficialmente, a festa de Nossa Senhora do Rosário foi instituída pelo papa Gregório XIII. Em Portugal, o culto foi difundido pelos Dominicanos.

Por meio de confrarias, sobretudo as que tinham São Benedito como patrono, a Igreja Católica intencionava cristianizar os africanos, de tal modo que estes podiam, de alguma forma, reinventarem suas crenças de origem e viverem, nas representações festivas, sua história, a exemplo do ato de coroação dos reis e rainhas negras que faziam alusão aos Reis do Congo.

No Brasil, houve uma clara relação com o processo de colonização portuguesa e com as ações de conversão da Igreja Católica. As primeiras irmandades religiosas que

205 Cf. BORGES, Célia Maia. Escravos e Libertos nas Irmandades do Rosário: devoção e

solidariedade em Minas Gerais: séculos XVIII e XIX. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005.

206

Cf. RUSSELL- Wood, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Tradução: Maria Beatriz Medina- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

207 Sobre os direitos e deveres das irmandades, Cf.: BOSCHI Caio César. Os leigos e o poder:

Irmandades Negras e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. pp.12-29; MATTOSO, Kátia de Queiros. Ser escravo no Brasil. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. pp.397-400.

aportaram no país foram dedicadas ao culto a Nossa Senhora do Rosário e foram aqui instaladas pelos jesuítas. Segundo o professor Francisco Alves: “A Virgem do Rosário foi usada pelos padres na catequese dos primeiros escravos africanos vindos a Bahia208

”. O autor toma como base uma carta de José de Anchieta quando ele fala da difusão do culto a Nossa Senhora do Rosário e da reza do Rosário entre os negros de Guiné, importados como escravos para a Capitania da Bahia de Todos os Santos no século XVI.

No Brasil, as irmandades religiosas estiveram entre as organizações populares que escaparam ao controle do sistema clerical209. Em certos casos, tal liberdade levou algumas delas a serem mais influentes do que o clero, daí a necessidade, a partir da segunda metade do século XIX, e com mais veemência em Lagarto nas primeiras décadas do século XX, como veremos adiante, de diminuir sua ascendência sobre a sociedade.

As irmandades do rosário estiveram entre as mais populares e mais difundidas em todo o território nacional, particularmente durante a Colônia e o Império, ao lado das irmandades dedicadas à Misericórdia e ao Santíssimo Sacramento. A Confraria de Nossa Senhora do Rosário foi criada em Salvador-BA no ano de 1581 e é considerada a pioneira no Brasil: “É o marco do início da devoção à N. S. Senhora do Rosário no Brasil quinhentista210

”. A proliferação do culto ao Rosário foi vertiginosa e tomou conta de praticamente todas as regiões através dos séculos. Os “homens pretos” se constituíram enquanto irmandade ou confrarias por volta de 1735. A esse respeito, afirma Cândido da Costa e Silva:

208 ALVES, Francisco José. As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário em Sergipe (Século 19). In:

Anais do XXIV Encontro Cultural de Laranjeiras. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura, 1999. p. 150.

209

HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil Colonial (1550-1800). 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 22.

210 ALVES, Francisco José. As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário em Sergipe (Século 19). In:

Anais do XXIV Encontro Cultural de Laranjeiras. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura, 1999. p. 150.

(...) Notável era a teia de confrarias de negros no tecido paroquial de Salvador, quer sediadas nas matrizes, quer em templos próprios, o que, se por um lado, insinua coerção da religião dominante, por outro, também revela a receptividade à fé cristã, manifesta no empenho e esforços consumidos que o afã de reconhecimento social por si só não explica, tampouco a estratégia deliberada de dissimulação211.

Curioso notar, diante do que vimos até então que a propagação da devoção a São Benedito foi tarefa dos Franciscanos e a da devoção a Nossa Senhora do Rosário, dos jesuítas. Considerando que a Festa de São Benedito normalmente foi realizada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, é importante saber em que momento essas duas ações convergem para um mesmo fim em Sergipe, de tal modo a identificar a presença de uma e de outra na Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto.

As Irmandades dedicadas a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos espalharam- se por Sergipe. Desde o século XVIII212

que se registra a presença de sete delas em vilas e povoações, a exemplo da Vila de Lagarto. No ano de 1999, o professor Francisco José Alves afirmou que a devoção ao Rosário em Sergipe, em seus momentos iniciais, era um campo a ser explorado213

. Seu trabalho até hoje é considerado uma das principais referências sobre o assunto, embora seu foco seja o século XIX. Passados mais de dez anos dessa contestação do historiador sergipano, é possível ainda dizer que essa necessidade continua a ser latente.