• Nenhum resultado encontrado

Formação e Fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto

CAPÍTULO I DA DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DA PIEDADE À

1.2. Formação e Fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto

Riolando Azzi identifica no momento que se seguiu à chegada dos portugueses ao Brasil, a existência de dois projetos: o da conversão dos índios e o da conquista do território95

. Considerando as fontes disponíveis e aqui consultadas, pode-se afirmar que a primeira investida da Igreja Católica em terras lagartenses, sobretudo no que diz respeito ao primeiro projeto, passou longe pelo primeiro século da História de Lagarto e, que, portanto, não se justifica a presença de jesuítas a formar seus primeiros núcleos de povoamento, conforme foi afirmado até a presente data. Os fatos a seguir dão sustentação ao que estamos postulando.

Em 1575, coube ao padre Gaspar Lourenço96, responsável pela fundação das Missões de São Tomé, Santo Inácio e São Paulo, a primeira tentativa de penetração dos portugueses em território sergipano, com vistas à conversão e catequização dos silvícolas97

. Vale lembrar que o pano de fundo do que seria uma conquista militar mais adiante foi uma questão religiosa.

95 AZZI, Riolando. A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira. Aparecida, SP: Editora

Santuário, 2008. p. 13.

96

Sobre esse importante e singular personagem dos primórdios da história da Igreja Católica de Sergipe, vale destacar o que diz o Padre Aurélio Vasconcelos de Almeida: “Menino órfão, matriculado como estudante, candidato ao sacerdócio consagrado às missões do Brasil”. Cf. ALMEIDA, Padre Aurélio Vasconcelos de. Vida do Primeiro Apóstolo de Sergipe: Padre Gaspar Lourenço. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n. 21, 1951-1954, p. 124. O missionário português foi recebido pelo Padre Leonardo Nunes. Teria nascido na Vila Real de Traz os Montes, rezando missa pela primeira vez em outubro de 1560, com aproximadamente 17 anos. Afora os problemas históricos em torno de sua trajetória de vida, é provável que tenha nascido em 1535. Chegou ao Brasil com os jesuítas na condição de menino abandonado, criado por padres. Gaspar Lourenço se notabilizou na Companhia de Jesus pelo domínio da língua nativa e também pela oratória junto aos índios (p. 157). O mesmo teria morrido aos 45 anos de idade, no ano de 1581, “minado pela tuberculose” (p.205).

97 Cf. NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial I. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe/Rio de

Segundo consta dos documentos e da historiografia disponível, a comitiva de Gaspar Lourenço partiu de um lugarejo por nome de Santo Antônio, nas proximidades do Rio Real (Bahia), em fevereiro de 1575, composta por seu companheiro, o Irmão João Salônio e o Capitão Garcia D´Ávila. Como já fora salientado, contribuiu decisivamente para a escolha de seu nome a sua acuidade com a língua indígena. Como se tratava de uma missão religiosa de aproximação a um grupo hostil, falar a sua língua seria fundamental.

Dom Marcos Antônio de Souza98

, em 1808, ao se referir aos primórdios de Sergipe invoca toda uma documentação oficial produzida pela Igreja Católica entre a segunda metade do século XV e a segunda metade do século seguinte, tais como a Bula

Inter Coetera e a Bula Super Speculla, para buscar justificar as ações de conquista do

território brasileiro pela fé e pela evangelização a fim de atingir o propósito de: “(...) em todas as terras descobertas e que o futuro se descobrissem e também o direito de dar todos os benefícios de cura d´almas seculares e regulares e ainda os que para o futuro se erigissem99

”. Trata-se de uma legitimação da conquista pela fé para Jesus Cristo (leia-se, Santa Sé).

Há uma tendência, na historiografia oficial sergipana, a ver na missão pioneira dos religiosos uma espécie de preparação de terreno para a conquista militar em 1590,

98

Sobre D. Marcos Antônio de Souza, destacamos a seguir um resumo biográfico escrito por Epifânio da Fonseca Dórea, para a primeira edição impressa do ano de 1943, de suas Memórias sobre a Capitania de Sergipe: “D. Marcos Antonio de Souza, 14⁰ bispo do Maranhão, nasceu na cidade da Baía a 10 de fevereiro de 1771 e faleceu no Maranhão a 29 de novembro de 1842. Foi de deputado à Assembléia Constituinte portuguesa, de 1821, e à Assembléia Legislativa brasileira na Legislatura de 1826-1829. Foi o primeiro bispo de nomeação de D. Pedro I, fundador da monarquia brasileira. Eleito bispo do Maranhão a 12 de outubro de 1826, confirmado a 25 de junho de 1827, sagrado no Rio a 28 de outubro de 1827. (...) Foi vigário da freguesia do Pé do Banco de Sergipe, e depois da freguesia de N. S. da Vitória, da capital baiana”.

99 SOUZA, Dom Marcos Antonio de. Memórias sobre a Capitania de Sergipe. 2 ed. Aracaju: Estado de

Sergipe/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Departamento Estadual de Estatística, 1944. p.14. A obra foi escrita originalmente em 1808 e teve sua primeira publicação impressa em 1877/78. À época do manuscrito, seu autor era Presbítero Secular de São Pedro e Vigário de Nossa Senhora da Vitória da Bahia. Trata-se de um importante registro da História de Sergipe, que abre um leque significativo de estudos e que ajuda a compreender sua formação e fundação, alem de servir como fonte para conhecer Sergipe Imperial.

por Cristóvão de Barros, da qual não somos adeptos, sobretudo pelas circunstâncias em que ela se processou: à revelia dos jesuítas designados para vir a Sergipe.

Essa empreitada foi iniciada em 1589 e sua incumbência foi a de requerer para Portugal as terras de Sergipe das mãos dos índios e dos franceses. A historiografia a respeito é quase unânime em afirmar que esse processo foi intenso e demorado. Houve resistência dos índios, predominantemente Tupinambá100, representados por figuras emblemáticas como o cacique Serigy, cuja alcunha será utilizada pela Coroa Portuguesa para nomear a nova capitania: Sergipe D´El Rei101

.

Laudelino Freire entendia que a conquista de Sergipe também teve uma motivação de ordem pessoal102

por parte de Cristóvão de Barros, o que, em tese, explicaria a belicosidade de seus comandados frente à reação dos índios que habitavam o lugar antes da chegada dos portugueses103

, notadamente tribos Tupinambá e Tapuia.

Escreve Laudelino a respeito:

Levado por sentimentos de vingança contra o procedimento dos indios cahetes que traiçoeiramente assassinaram seu pae nas margens do rio S. Francisco, emprehendeu a conquista dos dominios daquellas tribus,

100 Para a antropóloga Beatriz Góis Dantas, é apressado e equivocado dizer que só existiram Tupinambá

sem Sergipe. A mania egocêntrica e dicotômica (Tupi e Tapuia) de classificar os povos indígenas no Brasil, a “tupimania”, também afetou parte considerável da historiografia sergipana. Cf. DANTAS, Beatriz Góis. A Tupimania na Historiografia Sergipana. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, Aracaju, n. 29, 1983-1987. pp. 65-87.

101 Naturalmente, àquela época, por força do catolicismo, que os nomes dos lugares conquistados fossem

de nomes de santos cristãos. Nesse primeiro momento, em Sergipe, isto só se deu em relação a sua primeira cidade: São Cristóvão; uma espécie de referência indireta ao seu conquistador. Assim, é importante lembrar não se deu aqui uma de homenagear o índio. Particularmente, essa atitude nos parece mais uma espécie de escárnio e de ostentação de quem conquista, como a exibir um espólio de guerra, por que foi assim que se deu a conquista de Sergipe: pela espada. A expressão por si só “D´El Rei” dá a tônica do pertencimento, da vitória sobre o “ímpio”. Curiosamente, mais tarde a figura do índio Serigy será utilizada no período pós-independência de Sergipe (1820) como elemento romântico de definição de uma identidade sergipana, atribuindo ao cacique a áurea de herói.

102 Seu pai, o Provedor-Mor Antonio Cardoso de Barros, foi assassinado por índios. 103

A esse respeito, vale ressaltar o que atesta Dom Marcos Antônio em 1808, até para se ter uma dimensão da dizimação indígena provocada pela conquista de Sergipe e sua ressonância pelos séculos que a sucederam: “(...) Vivem ali poucos índios aldeados e dispersos”. Cf. SOUZA, Dom Marcos Antonio de. Memórias sobre a Capitania de Sergipe. 2 ed. Aracaju: Estado de Sergipe/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Departamento Estadual de Estatística, 1944.

tomando elle mesmo a frente da expediçao. Munido da licença de El´Rei, nomeou capitão da vanguarda do exercito a Antonio Fernandes, da rectaguarda' a Sebastiao de Faria e assumindo a direcçao resolveu seguir ao longo do mar. Em chegando as margens do rio Irapiranga ou Vasa-Barris, nas proximidades da actual cidade de S. Christovam, trata de perseguir e por-sse ao encalço de Baepeba, rei de todo gentio de Sergipe. Este chefe tinha junto a sua cerca mais duas outras, elevando-se a 20,000 o numero de indios que nellas se abrigavam. Christovam levanta suas trincheiras, trata de privar os inimigos da agua que bebiam e de derribar a primeira cerca, o que consegue depois de lutas em que de parte a parte cahiram mortos e feridos. Seguiu-se a destruiçao da segunda cerca104.

Abaixo, um relato geral da cruenta expedição militar de Cristóvão de Barros, ordenada pelo Governador Geral, Luiz de Brito e Almeida, demonstra o desapontamento dos religiosos jesuítas na primeira investida do homem português em terras sergipanas:

Arruinaram-se totalmente os trabalhos do Rio Real. O Governador Luís de Brito veio com tropas para bater os índios de Apiripê, e ao aproximar-se da aldeia de Santo Inácio fogem seus habitantes. Ele considera a fuga quebra de paz, persegue-os. Surubi morre, e os mais entregam-se. Cativa a todos e os encurrala na igreja de São Tomé como em um cárcere. Os soldados assolam tudo quanto encontram, e o governador arrebanha quantos achou e os arrasta para a Bahia; de modo que o resultado de tantas esperanças foi o cativeiro de mil e duzentos transportados para a Bahia que com a morte se serviu libertar dentro do ano do cativeiro105.

Em 1590, Sergipe se insere, em definitivo, no processo de colonização e povoamento do Brasil. Vencida a resistência, funda-se a Capitania de Sergipe D´El Rei com sede na cidade de São Cristóvão. A nova capitania nasce com seu cordão umbilical

104

FREIRE, Laudelino. Quadro Corográfico de Sergipe. 2 ed. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier Livreiro-Editor, 1902. p. 50.

105 SACCHINO, Francisco (R.P.). Historiae Societatis Jesu. In: LEAL, Antonio Henrique.

Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil. Tomo II. Apud.: Catequese. Aracaju: Secretaria da Educação e Cultura, 1975. p. 17.

ligado à Capitania da Bahia de Todos os Santos, prevalecendo essa condição até o dia 08 de julho de 1820 e confirmado em 1824, com sua emancipação política concluída.

Coube à Igreja Católica, dentro desse projeto de conquista das terras brasileiras, a constituição dos seus “matizes religiosos”, não somente pela criação de instituições eclesiásticas, como também na tarefa de “cingir de devoção e espiritualidade as manifestações inoculadoras da fé, como cerimônias litúrgicas e os festejos religiosos106”.

Riolando Azzi107

avalia esse processo de conquista do território, inclusive pela fé católica, de forma muito precisa. Ainda que se leve em consideração o esforço abnegado e desprendido de alguns missionários, em geral, a empresa religiosa também deixou um legado de violência cultural, e mesmo física, significativo, sobretudo porque a conversão católica implicava num contundente desenraizamento cultural dos povos indígenas e mesmo numa dizimação pela força militar dos conquistadores e até mesmo dos religiosos. Em relação à metodologia dos aldeamentos, por exemplo, Hoornaert afirma ter havido antes doutrinação a pedagogia da fé108.

A teologia tridentina em voga naquele momento propugnava a necessidade de “introduzir os indígenas nos domínios da civilização109”. Isto teve como consequência um considerável choque de culturas e de visões de mundo, entre a chamada cosmovisão indígena e ação imperativa civilizadora dos europeus.

Embora o historiador Adalberto Fonseca dê conta, em seu livro História de Lagarto, da existência de índios Kiriri e do aldeamento110 Tapera de São Tomé, não

106 SOUSA. Avanete Pereira. A Câmara e a Igreja em Salvador. In: Poder Político Local e Vida

Cotidiana: a Câmara Municipal da Cidade de Salvador no Século XVIII. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2013. p. 114.

107

AZZI, Riolando. A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2008. p. 18.

108 HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil Colonial (1550-1800). 3 ed. São Paulo: Brasiliense,

1994. p. 20.

109

AZZI, Riolando. Op. Cit. p. 20.

110 É curioso notar como em Sergipe, os aldeamentos tivessem partido como sendo resultado de súplicas

dos índios para sua iniciação no Evangelho. Para a professora Maria da Glória, com relação a isto houve uma espécie de mitificação de suas missões ou distorção histórica deliberada. Prova disso, é que eles não teriam dispensando a força militar para garantir suas presenças em meio aos índios. Ver. ALMEIDA,

existem maiores evidências que comprovem uma ação missionária de conversão indígena em Lagarto. Ele assinala o ano de 1575 como sendo o da chegada de uma missão jesuíta, sob a condução dos religiosos Gaspar Lourenço e João Solônio.

Os religiosos ainda teriam fundado, segundo Adalberto, mais duas outras igrejas: uma no povoado Santo Antônio e outra, de local desconhecido, chamada de São Pedro e São Paulo. Por conta desses avanços catequéticos, receberam o reconhecimento do Frei Inácio Tolosa de seus esforços desprendidos entre os Kiriri como um dos mais notáveis trabalhos de catequese em Sergipe.

O pesquisador atesta, ainda, que a presença de tais Kiriris se fazia notar nas barrancas da confluência entre os rios Piauí e Jacaré, sob o comando do cacique Suruby. Nesse local, teria sido erguida, pelos religiosos acima citados, uma “igrejinha provisória”, com missa celebrada no dia 3 de março de 1575111

.

O cacique tinha problemas políticos com o Governador Geral Luiz de Brito e procurava se cercar da proteção dos padres jesuítas contra possíveis investidas militares dele. Isto nos parece pouco provável, como veremos mais adiante, pois o clima de belicosidade em Sergipe entre índios e portugueses só ocorre na segunda metade do século XVI.

Adalberto se antecipa em afirmar e narrar uma peleja entre os comandados do Cacique Suruby, que provocou sua morte, e as tropas do Governo Geral. O referido historiador ainda dá conta de outra expedição militar ocorrida mais tarde, em 1586, desta feita contra os comandados do cacique Boipeba112

.

Tais fatos narrados por Fonseca estão às voltas com três problemas: não estão fundamentados em fontes que lhe deem ao menos verossimilhança (sequer as cita) e quando o faz, força uma conexão de sentidos entre fontes que não se complementam ou

Maria da Glória. A Igreja em Sergipe e os “Desfavorecidos”: Possibilidades de Pesquisa. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: Aracaju, Aracaju, n. 32, 1993-1999. pp. 61-83.

111 FONSECA, Adalberto. História de Lagarto. Governo de Sergipe, 2002. p. 27. 112

que dizem efetivamente respeito a Lagarto113; não manifesta com precisão os lugares envolvidos, dando vazão a poderem ter ocorrido em qualquer outra parte de Sergipe; e vai de encontro ao que é posto pelos demais escritos sobre a História de Sergipe, que delimitam a última década do século XVII como de efetivação das campanhas militares da Bahia sobre Sergipe.

As informações sobre a presença indígena na Vila de Nossa Senhora da Piedade são ínfimas até a presente data. No que se refere a respeito, geralmente aparecem em percentuais de índices e mapas populacionais da Capitania de Sergipe e mesmo depois durante a Província.

Baptista Siqueira, em importante estudo sobre a presença dos Cariri (kariri, kaririz ou quiriris) no Nordeste, afirma que a sua localização circunscreveu às ilhas e às margens do Rio São Francisco e também ao Sertão Nordestino, não sabendo ao certo sua origem. No que diz respeito ao idioma dos mesmos, é possível perceber nuanças do português e de até mesmo de traços africanos. Citando Elias Herckam, descreve-os como de compleição robusta, de grande estatura, cor natural, amorenado, cabelos negros, caindo sobre os ombros, mulheres baixas, porém de “aspecto gentil”. Coube aos Capuchinhos franceses a sua conversão ao catolicismo114.

Outra significativa pesquisa sobre os índios, em Sergipe, levada adiante pela professora Beatriz Góis Dantas desde o ano de 1968, pode ajudar a esclarecer alguns equívocos referentes à presença de Kiriri em Lagarto e sua relação com os supostos missionários religiosos jesuítas da Igreja Católica.

Sobre os Kiriri, a pesquisadora esclarece que se tratou de um grupo indígena cujo habitat se estendia desde o Paragassu e Rio São Francisco até Itapicuru, afastando-

113 Nem as fontes e nem a historiografia brasileira e sergipana registram a presença da Companhia de

Jesus na Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto. O mais próximo que os jesuítas estiveram foi na Vila de Itabaiana, no século XVII. Cf. LIMA JÚNIOR, Francisco A. de Carvalho. Uma Página sobre a Companhia de Jesus em Sergipe. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n. 31, 1992. Pp. 177-194.

114

se da linha de costa115. A primeira referência aos Kiriri é datada de 1584. Somente a partir de 1654, na Bahia, sofreram a influência de religiosos, particularmente do Padre João de Barros. As aldeias se concentravam às margens do Rio São Francisco. Apesar de estarem submetidos a várias ordens religiosas, os Kiriri estiveram sob a tutela dos capuchinhos, notadamente, os que vieram de Pernambuco em 1670116.

Em Sergipe, coube aos jesuítas e aos franciscanos o aldeamento e catequese dos Kiriri, sobretudo a partir da segunda metade do século XVII, em Geru, sul de Sergipe. Desse modo, podemos inferir que se houve mesmo a presença desse tipo de grupo indígena na Vila de Lagarto, ao que parece confirmar a antropóloga Beatriz Góis Dantas em outro trabalho117, este jamais foi aldeado e catequizado por jesuítas.

Retomando a questão da presença jesuíta em Sergipe nos primórdios de sua conquista, os religiosos e o capitão Garcia D´Ávila chegaram ao Rio Real no dia 28 de fevereiro daquele ano, 1575. As fontes dão conta de que Gaspar Lourenço, João Salônio e algumas pessoas de sua antiga aldeia que o acompanharam seguiram em visita a aldeias indígenas em território sergipano a uma distância de seis léguas do Rio Real118.

A distância atual entre Lagarto e o Município de Rio Real é de 108 km. Hoje, uma légua equivale a 6.600 metros. No período colonial, uma légua podia variar entre 4 e 7 mil metros. No Nordeste, durante anos, chegou a equivaler a 6 km. Considerando essa última medida, a distância entre Rio Real e Lagarto seria, à época, de 18 léguas. Assim, a Aldeia de São Tomé não poderia, a nosso ver, estar localizada nas proximidades do Povoado Santo Antônio, na antiga Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto.

115

DANTAS, Beatriz Góis. Missão Indígena do Geru. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n. 28, 1979-1982. p. 66.

116 DANTAS, Beatriz Góis. Missão Indígena do Geru. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico

de Sergipe. Aracaju, n. 28, 1979-1982. p. 66.

117

DANTAS, Beatriz Góis. A Tupimania na Historiografia Sergipana. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n. 29, 1983-1987. p. 43.

118 ALMEIDA, Padre Aurélio Vasconcelos de. Vida do Primeiro Apóstolo de Sergipe: Padre Gaspar

Lourenço. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n. 21, 1951-1954, p. 173.

Curioso notar, ainda, como Adalberto Fonseca omite uma informação muito importante, como a criação de uma escola para crianças indígenas, segundo o Padre Aurélio Vasconcelos, a primeira que houve em Sergipe, cujo nome foi “Escola de São Sebastião, tendo como primeiro Mestre o companheiro de Gaspar Lourenço, o Irmão João Salônio119”.

É sabido também, que a rota de Gaspar Lourenço e seus amigos compreendeu, além das proximidades do Rio Real, a aldeia do Cacique Surubi, onde ergueu uma igreja em honra a Santo Inácio, na atual cidade de Itaporanga-SE; na mesma região, fundou, ainda, um orago dedicado a São Paulo, “junto ao mar”120, nas terras que seriam do Cacique Serigy, cujo nome dará inspiração para a atual alcunha de Sergipe. A julgar pelos escritos do Padre Aurélio, à luz da Carta de Tolosa121 e de Serafim Leite122, sobre os quais também nos debruçamos para fundamentar as questões aqui expostas, o missionário português percorreu uma extensão de terra que se circunscreveu entre as localidades de Rio Real, Santa Luzia, Tomar do Gerú, Indiaroba, Estância e Itaporanga, sem a mínima condição e notícia de ter estado nas terras que hoje correspondem ao Povoado Santo Antônio, no município de Lagarto.

Como se vê, a descrição não combina com as condições geográficas da antiga