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3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

3.6. Formação de professores de EJA: especificidades para a área

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) desempenha papel fundamental na formação do cidadão brasileiro. Seu histórico é pautado nas transformações políticas do país e pode ser visto na forma de legislação a partir da Lei de Diretrizes e Bases. Conforme Krasilchik (2000), o ensino, de forma geral, reflete o momento político, econômico e cultural da sociedade.

A cada novo governo, ocorre um surto reformista que atinge principalmente, a educação básica. Tal fato é nitidamente percebido quando se faz uma análise histórica da

educação de jovens a nível nacional. (SOEK et al, 2009 ; LOPES, 2005; UNESCO, 2008 ; ZUNTI, 2000 apud BRASIL, 2005)

Embora tanto tempo tenha se passado, sua ampliação se deu de forma lenta e com dificuldades encontradas ainda hoje como: falta de interesse do poder público, formação de professores insuficiente, desmotivação por parte de educadores e educandos, entre outros. Esses fatores são apenas alguns dos mais evidentes no quadro político, econômico e social do país e que vem aumentando frente às mudanças tecnológicas e culturais da sociedade (SOEK et al, 2009).

Tais preocupações são mais discutidas recentemente respaldadas por vários documentos oficiais, alguns como: A Constituição Federal, Conferência Nacional de Educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 9.394/96, Pareceres da CNE/CEB.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por exemplo, é um documento criado exclusivamente para a educação. Seu texto é específico e rege o modelo educacional atual, com várias emendas realizadas ao longo do tempo. Em relação a EJA, apresenta uma seção inteira sobre a modalidade fruto das observações de outros documentos oficiais e reflexões sobre a educação do país40.

Após a lei foi que passamos a entender essa EJA enquanto modalidade, pois antes disso qualquer tentativa de remeter ao público de jovens e adultos, logo se referiam ou ao supletivo ou MOBRAL (MACHADO, 2008). Algumas reflexões de reuniões e conferências sobre a temática da educação foram incorporadas na LDB, das quais se destacam:

1. A educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural;

2. A educação deve ser estruturada em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser;

Assim, a teoria e prática necessitam ter um arcabouço interdisciplinar, transversal e as relações educando/educando e educando/educador devem cumprir as expectativas de ambos no resgate da autoestima e obtenção de conhecimento pleno e efetivo.

O educador deve desenvolver atitudes e que requeiram um compromisso político, intelectual e transformador em sala de aula, que compreenda as mudanças que ocorrem no mundo e apresentar isso como elemento central da formação e constituição do aluno enquanto cidadão.

Porém, que configuração de formação esse educador deve receber para se voltar para a educação de jovens e adultos se há ainda uma “ausência de formação específica para atuar com jovens e adultos, que ainda é a marca dos cursos de licenciatura no País?” (MACHADO, 2008, p. 165). O Parecer da CNE/CEB no 11/2000 destaca essa necessidade de formação de professores para a EJA:

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer (BRASIL, 2000, p. 56).

Assim sendo, é importante levar em conta que o aluno se encontra inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais, trazendo consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas, necessitando a escola valorizá- las, se possível dentro do conteúdo das disciplinas, de forma transversal, como também sugerem os PCN (SANTOS et al, 2005).

Segundo estudos de Santos et al, (2005), Friedrich (2010), Lambach e Marques (2009), Peixoto (2007) essas experiências dos sujeitos eram análogas como: evasão motivado pela estrutura socioeconômica do aluno, gravidez precoce, desestímulo, dificuldades da aprendizagem, material didático infantilizado, salas multiseriadas, conflitos geracionais, falta de engajamento na escola em tempo adequado, tempo curto de aula, alto índice de reprovação, entre outros.

Além destes autores, poderíamos citar vários documentos oficiais como referência a essa modalidade como a LDB 9.394/96, os Pareceres da CNE/CEB, no 11/2000 e no 1/2000 entres tantos outros, PCN’s, reflexões dos Encontros de Educação no país, do Grupo de Trabalho de Educação de Jovens e Adultos (GT 18) que faz parte da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). O GT 18 da Anped, por exemplo, consolidado desde 1999, com 118 pesquisas, das quais 18 são específicas sobre formação de professores (MACHADO, 2008).

Mas qual o significado que essas pesquisas devem trazer para o professor que atua em sala de aula frente a tantas dificuldades e com documentos que parecem não ter valia nenhuma? Pode significar muito, pois é nesse desafio que se devem evocar as pesquisas e os cursos de formação de professores devem tecer os olhares, para que de fato possa haver uma

inclusão verdadeira, um diálogo real e transparente entre o que se diz entre teoria e prática, para que no posterior a universidade deixe de criticar aquilo que ela mesma produz e possa se debruçar no sentido real de sua existência que é a valorização do conhecimento e a emancipação do sujeito.

Na ocasião em que iniciamos nosso estudo, uma das inquietações e dificuldades que nos levaram a discutir as propostas apresentadas neste estudo gira em torno de como formar educadores e educadoras para a EJA? (ARROYO, 2006). E num caso mais específico como formar um professor de Ciências (física, química) para atuar na EJA? Vejamos as duas interrogativas separadamente.

Arroyo (2006, p. 18) afirma que “se não temos políticas fechadas de formação de educadores para EJA é porque ainda não temos também políticas muito definidas para a própria educação de jovens e adultos”. Ele ainda acrescenta pra essa mesma afirmativa:

Os educadores de jovens e adultos têm de ter consciência desse momento em que estamos. Esse tem de ser um dos traços de sua formação, ter conhecimento da atual situação da EJA, em termos de sua própria construção, como política pública, como responsabilidade e dever do Estado.

Soares (2015, p. 11) reitera essa discussão da configuração do momento atual da EJA e diz que se “o perfil desse educador se estruturará dessa configuração, precisaremos pensar sobre propostas de formação de professores”. Que propostas seriam essas?

Alguns autores do campo teórico da formação em EJA afirmam a necessidade de um educador que tenha formação específica (ARROYO, 2006; GIOVANETTI, 2006; SOARES, 2007; RIBEIRO, 1999; VÓVIO, 2010; MACHADO, 2000; KLEIMEN, 2000; PAIVA, 2004; OLIVEIRA, 2001).

No I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, ainda em 1947, já eram ressaltadas as especificidades das ações educativas em diferentes níveis e se recomendava uma preparação adequada para se trabalhar com adultos (SOARES, 2008; SOARES e SIMÕES, 2004).

Passados mais de dez anos, no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1958, as críticas à ausência de formação específica para o professorado, assim como à falta de métodos e conteúdos pensados particularmente para a educação de adultos, tornaram-se ainda mais agudas, explícitas e generalizadas (SOARES, 2008, p. 84).

Uma formação específica demanda conhecimentos e habilidades específicas. Refletindo sobre as ideias de Arroyo (2006) e Soares (2015) devemos levar em consideração de que estamos diante de um perfil de formação em construção.

O perfil do educador de jovens e adultos e sua formação encontra-se ainda em construção. Temos assim um desafio, vamos ter que inventar esse perfil e construir sua formação. Caso contrário, teremos que ir recolhendo pedras que já existem ao longo de anos de EJA e irmos construindo esse perfil da EJA e, consequentemente, teremos que construir o perfil dos educadores de jovens e adultos e de sua formação (ARROYO, 2006, p. 18).

Diante disso, vejamos alguns apontamentos sobre o que pode vir a ser fundamental na construção desse perfil, segundo a proposição de alguns autores, mas sem o objetivo de tornar essa discussão fechada, acabada e pronta.

Um primeiro ponto necessário na formação do educador na EJA seria conhecer a trajetória da EJA. Mediante o conhecimento da longa trajetória que o campo da EJA teve até “começar” a ser visualizada, como a formação de professores se fez presente nesses momentos, como os movimentos das classes de lutas sociais influenciaram e o contexto em que tudo isso se passa, é que teremos possibilidade de instrumentalizar essa formação em EJA.

Outro ponto necessário à formação específica na educação de jovens e adultos é conhecer o sujeito. Para Arroyo (2006) esse sujeito não é um sujeito qualquer, mas “são jovens e adultos com rosto, com histórias, com cor, com trajetórias sócio-étnico-raciais, do campo, da periferia. Se esse perfil de educação de jovens e adultos não for bem conhecido, dificilmente estaremos formando um educador desses jovens e adultos” (ARROYO, 2006, p. 22) (grifo nosso).

Não é a história da construção de qualquer jovem, nem qualquer adulto. São jovens e adultos que têm uma trajetória muito específica, que vivenciam situações de opressão, exclusão, marginalização, condenados à sobrevivência, que buscam horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e na educação. É essa particularidade da sua condição social, étnica, racial, cultural e especial (de jovens e adultos populares do campo, das vilas e favelas) que tem de ser o ponto de referência para a construção da EJA e para a conformação do perfil de educador(a). (ARROYO, 2006, p. 23).

Gostaríamos de enfatizar que se deve ter um cuidado nesse ponto para não incorremos num risco de tornar a práxis na EJA de forma compensatória, olhando os sujeitos sempre de forma vitimizada. Se são vítimas? Seja sim ou não a resposta, são sujeitos em potencial, que tiveram direitos negados, mas que tem capacidade de aprender e de conquistar direitos, de ser e fazer mudanças na sociedade.

Uma base teórica sólida é outro ponto a ser considerado. Esse ponto já citado por Carvalho e Gil-Perez (2011) sobre as discussões no campo do ensino de Ciências. Campo esse sólido, fundamentado, com suas inovações e intempéries que toda área perpassa na sua

constituição enquanto ciência e discutida de algum modo neste estudo. Mas e no campo da EJA? Um campo que está com sua base em construção deve ter formação sólida em que?

Além do conhecimento no próprio conteúdo da disciplina é preciso de uma base sólida sobre teorias pedagógicas (ARROYO, 2006). Sabe-se a partir de outros autores que a formação pedagógica é deixada de lado em detrimento da falta de base nas licenciaturas e da maior valorização das disciplinas específicas (MARQUES, 2015) e que a formação pedagógica que temos é orientada, também pelos documentos oficiais, para a educação básica como um todo (educação infantil, ensino fundamental e médio) gerando uma “inadequação as necessidades específicas da população adulta” (RIBEIRO, 2014, p. 22).

Segundo Arroyo (2006, p. 26), “a teoria pedagógica foi construída com foco na infância, vista como gente que não fala, que não tem problemas e que não tem interrogações e questionamentos”. Na EJA, os sujeitos têm voz, interrogações, vivências e interações socioculturais das mais variadas, logo outro molde pra pedagogia se faz necessário.

Assim sendo, a Pedagogia necessita passar a ter uma teorização da práxis formativa para um sujeito que pensa, tem voz e questionamentos. Como fazer isso? Que mudanças seriam necessárias? Ou melhor, que matrizes formativas deveriam ser acrescidas ao que já temos?

Educação popular, trabalho, movimentos sociais, cultura, gênero, entre outros temas poderiam ser sugestões para uma base teórica que o educador deveria ter em sua práxis cotidiana. Esses temas não são da infância. Vera Masagão Ribeiro (2014, p. 24) afirma que quando os materiais “são orientados especificamente para adultos e contém conteúdos contextualizados favorecem a motivação e o engajamento dos estudantes” (SOARES e SOARES, 2015; SANTOS et al, 2005) (grifo nosso).

Outro ponto a ser discutido na formação de professores para a EJA é o financiamento e este é um aspecto crucial para a inserção efetiva da EJA no país41 e constitui componente- chave nas políticas de EJA (RIBEIRO, 2014; DI PIERRO, 2014). Esse ponto traz várias consequências negativas a tentativa de implementação efetiva da EJA, pois quase em sua totalidade o recurso é mínimo42, valores são subdeclarados, em alguns casos omitidos e não há prioridade como política de Estado.

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Em um estudo feito por Volpe (2010) e Araújo (2012) coletaram dados direta e criteriosamente em uma amostra de 224 municípios. Os resultados foram de que a média de gastos por alunos da EJA é muito menor que o fator de ponderação atribuído a EJA pelo Fundeb. Ainda mais, em termos de região, temos variações no gasto médio na modalidade: Nordeste (R$ 1.075,83), Sul (R$ 2.369,89), Centro-Oeste (R$ 2.417,91) e Sudeste (R$ 2.778,52), Norte (dados indisponíveis).

42 Soares (2004) realizou uma pesquisa onde apresenta as falas dos professores de um curso de Pedagogia que

Segundo Di Pierro (2014, p. 57) “a invisibilidade dos gastos na EJA repercute negativamente sobre o controle e a avaliação das políticas públicas”. Esse aspecto tem um impacto decisivo nos outros citados ou não nesse estudo, pois de modo geral, todos perpassam de alguma maneira na questão do financiamento.

Uma proposta de que tratamos desde o início de nosso estudo, constituindo para nós e os vários autores citados, uma especificidade da EJA sem dúvida é a formação de professores. Faz-se necessário pensar em formação de professores como meio de melhoria da educação, mas não só a educação por ela mesma, mas para uma melhoria na sociedade, pensada para a formação da cidadania.