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3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

3.5. Formação de professores na EJA: um quadro de descaso, improviso e omissão

A Educação enquanto Ciência e mais precisamente a Educação de Jovens e Adultos têm se tornado fruto de muitas pesquisas recentemente. Em todas elas, o descaso das políticas públicas no passado é notório em todo o âmbito desde sua constituição original e pudemos, na medida do possível, observar através de vários recortes na historiografia educacional de nosso país.

Dermeval Saviani (2008) nos auxilia na categorização dos períodos de desenvolvimento da educação, a saber:

O primeiro período (1549-1759) é dominado pelos colégios jesuítas; o segundo (1759-1827) está representado pelas “Aulas Régias” instituídas pela reforma pombalina, como uma primeira tentativa de se instaurar uma escola pública estatal inspirada nas ideias iluministas segundo a estratégia do despotismo esclarecido; o terceiro período (1827-1890) consiste nas primeiras tentativas, descontínuas e intermitentes, de se organizar a educação como responsabilidade do poder público representado pelo governo imperial e pelos governos das províncias; o quarto período (1890-1931) é marcado pela criação das escolas primárias nos estados na forma de grupos escolares, impulsionada pelo ideário do iluminismo republicano; o quinto período (1931-1961) se define pela regulamentação, em âmbito nacional, das escolas superiores, secundárias e primárias, incorporando crescentemente o ideário pedagógico renovador; finalmente, no sexto período, que se estende de 1961 aos dias atuais, dá-se a unificação da regulamentação da educação nacional abrangendo a rede pública (municipal, estadual e federal) e a rede privada as quais, direta ou indiretamente, foram sendo moldadas segundo uma concepção produtivista de escola (SAVIANI, 2005, p. 12) (grifo nosso).

Em todos esses períodos, o descaso com a EJA acompanha tais mudanças. Conforme afirma Krasilchik (2000), o ensino, de forma geral, reflete o momento político, econômico e cultural da sociedade. Observamos isso quando discutimos a desvalorização da EJA e formação dos professores em alguns momentos destes períodos elencados por Savianni.

Mesmo o ensino iniciado em 1549, devido à presença de indígenas e afrodescendentes em território brasileiro e devido à escravidão dos mesmos até 188837, dívida essa não paga, a presença de pessoas não alfabetizadas se deve a despreocupação do Estado com a instrução

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A escravidão só foi oficialmente abolida no Brasil com a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. No entanto, o trabalho compulsório e o tráfico de pessoas permanecem existindo no Brasil atual, constituindo a chamada escravidão moderna, que difere substancialmente da anterior.

pública tendo em vista os investimentos necessários ao atendimento dessa demanda (SOEK et al, 2009).

O princípio da obrigação escolar é demasiadamente oneroso para o Estado”... “Em matéria de instrução pública nenhuma despesa é sacrifício.”... “Instruir o povo e aumentar a sua produção e diminuir a sua força bruta e torná-lo cordato, pacífico e conhecedor dos seus deveres são ideias correlativas. Uma não existe sem indicar a existência da outra, da mesma forma que a bússola não descansa um ponteiro no norte sem logo mostrar o sul com o outro (OLIVEIRA, 2003, p. 76-77).

Mesmo com mais de 400 anos de iniciação da educação no Brasil, a Educação de Jovens e Adultos só passou a ser observada de forma mais peculiar com a Constituição de 1988, que serviu de subsídio para a elaboração de outras legislações voltadas para a EJA, dentre elas a Lei. 9.394/9638. (SANTOS, 2012).

No que pese desde sua concepção até os dias atuais, essa modalidade não tem ganhado relevância que deveria, tornando-se sempre um modo de ascensão social e pensado sempre de forma improvisada, marginalizada. O que se percebe, também no campo acadêmico, que as pesquisas em cima dessa realidade tem aumentado como também tem aumentado o número de usuários dessa modalidade.

Santos et al (2012, p. 2) nos mostra que mesmo as pesquisas tendo se iniciado em cima das discussões afloradas em cima dessa modalidade, “os referenciais teóricos que discutem a EJA mostram em seus escritos a sistematização de uma educação voltada para a população de jovens e adultos, porém, não fica evidenciada a formulação de programas para a formação para professores”.

Assim, não adianta as leis sem programas de incentivos que as cumpram. É preciso investir nas formações de professores, nas licenciaturas plenas, para que o discurso entre teoria e prática possa ganhar efetivação.

Tardif (2000) chama de saberes experienciais, aqueles saberes que o professor adquire no ato de sua profissão docente e que considera como sendo um dos saberes em que o professor aprende a “ser” e a “fazer”. Quando interrogados, qualquer docente toma esse saber como sendo um dos principais saberes que o constitui “um profissional da educação”.

Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2009) reafirmam a conjuntura dos saberes, afirmando que os saberes e práticas não se reduzem a um competente domínio dos procedimentos, conceitos, modelos e teorias científicos.

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 20 de dezembro de 1996, é o documento régio da educação brasileira. Em se tratando da EJA, foram reservados a Seção V, artigos 37 e 38, para as orientações sobre educação para tal modalidade.

Refletindo sobre que saberes que os professores precisariam adquirir para a demanda da EJA, observa-se que a responsabilidade inicial se deve à formação de professores nas instituições formadoras. Soares (2006) aponta alguns questionamentos sobre essa temática.

Como vem se dando a preparação dos educadores para atuarem na EJA? Em que momentos e em quais espaços essa formação vem sendo realizada? Quais têm sido as exigências e as expectativas e os interesses colocados para esse processo de formação? Quais as instituições que vem assumindo o papel, a função formadora de educadores? (SOARES, 2006, p. 9)

Analisando então os posicionamentos apontados por Soares (2006), podemos então perceber-se frente a uma política educacional improvisada. Para tanto, vejamos o que dizem as pesquisas onde vêm sendo mantidos, com o passar dos anos, esse descaso e o improviso.

Di Pierro (2005, p.1132) aponta que se tem um “escasso envolvimento das instituições de ensino superior com um campo educativo de pouco prestígio e baixo grau de formalização”.

Machado (2008, p.165), por exemplo, afirma que a “ausência de formação específica para atuar com jovens e adultos, ainda é a marca dos cursos de licenciatura no País”.

Nos estudos de Moura (2009, p. 67), tecendo sua pesquisa sobre a formação de professores, a autora chama esse descaso das instituições formadoras de “silêncio permitido” e afirma que “não é possível continuarmos improvisando educadores e alfabetizadores de jovens e adultos”.39

Friedrich et al (2010, p. 392) aponta que “quanto aos professores surge um sujeito com perfil de um herói que resolve enfrentar sem uma formação específica uma modalidade de ensino com muitas carências.”

Anzorena e Herpich (2012, p. 33-34) apresentam que no “âmbito da universidade, temos os discursos proferidos a contrario sensu”. Ademais, o fato de que nem todas as Instituições de Ensino Superior possuem estudos em EJA em suas matrizes curriculares, mas todas formam educadores para atuar na educação básica, portanto, na modalidade EJA também’.

Santos et al (2012, p. 6), em uma análise feita nos relatórios dos Encontros Nacionais de Jovens e Adultos – ENEJAs, cita que mesmo após dez anos, “no XI ENEJA ainda é

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A análise do conteúdo de 115 artigos publicados em dez periódicos nacionais, de 284 dissertações e teses produzidas nos programas de pós-graduação em educação e de 70 Trabalhos apresentados no GT Formação de Professores da Anped, na década de 1990, permitiu identificar uma significativa preocupação com o preparo do professor para atuar nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Permitiu ainda evidenciar o silêncio quase total em relação à formação do professor para o Ensino Superior, para a educação de jovens e adultos, para o ensino técnico e rural, para atuar nos movimentos sociais e com crianças em situação de risco (ANDRE et al, 1999).

evidenciada a falta de formação inicial para o educador dessa modalidade. Apesar de outros avanços, as Universidades não tem se posicionado diante da formação de professores para a EJA”.

Montenegro e Ataíde (2014), de mesmo modo, em seu estudo reitera que o professor que atua na EJA, não tem formação adequada para atender a essa modalidade de ensino e que os professores são licenciados e em sua totalidade não tiveram a oportunidade de discutirem e vivenciarem experiências formativas em EJA durante sua formação inicial.

Nas tentativas de suprir as necessidades de uma formação para essa demanda alguns professores buscam a saída nas formações continuadas (MOURA, 2006), em cursos de extensão (BEDOYA e TEIXEIRA, 2008; CARVALHO apud OLIVEIRA, 2006; GONÇALVES, 2010) ou em suas experiências, porém essas ainda assim não ganham prestígio dentro do campo educacional, são apenas “gambiarras” para a falta de uma formação inicial em educação de jovens e adultos, numa tentativa de reparo de uma formação, de “silenciamento” conforme afirma Moura (2009) das instituições formadoras de professores.

Gostaríamos de explicar que a proposição do nome gambiarra não se aplica de forma pejorativa aos cursos de formação continuada, nem tão pouco, aos cursos de extensão, pois entendemos que os mesmos cumprem bem a função a que foram designados, porém eles não deveriam ser pensados sem uma formação inicial bem fundamentada.

Numa saída para esse impasse, tais cursos surgem para substituir tal formação, daí surge então a conjectura do nome “gambiarra”, uma maneira improvisada de suprir o descaso das políticas públicas e do silenciamento das instituições formadoras em detrimento desta questão.

É preciso repensar nas políticas de formação de professores, a fim de tornar o discurso e a prática ainda mais próximos de seus objetivos.