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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 5 Educação Multicultural

5.3. Formação para uma sociedade intercultural

A Escola estandardizada, o currículo monocultural, o aluno padrão e o profes- sor ideal, produtos das estruturas burocrático-administrativas e das culturas hegemónicas predominantes, nos actuais sistemas educativos, não se compa- decem com a diversidade individual e colectiva dos contextos multiculturais. A escola ainda não reinventou respostas para as necessidades e interesses de alunos diferentes, insistindo em privilegiar os alunos sócio-culturalmente mais desfavorecidos continuando a ser selectiva e meritocrática.

Actualmente, os professores têm procurado responder como sentem, como sabem e como podem, aos desafios postos pela crescente diversidade étnica nas suas escolas. Estes desafios apresentam-se cada vez mais de formas exi-

gentes e complexas no sistema educativo português. É urgente que, em Portu- gal, a vários níveis de decisão política, de organização da escola, de formação de professores e da comunidade em geral, a escolarização de minorias étnicas tenha um tratamento especializado.

Como forma de resistência à mudança, neste domínio, não é válido argumentar que a diversidade humana é uma característica das sociedades e dos sistemas educativos, incluindo Portugal, e que os professores estão já habituados a lidar com essa diversidade. Importa, contudo, saber como é tratada tal diversidade, nos contextos escolares.

Os docentes tendem a basear as suas concepções e práticas em contextos multiculturais, no conceito liberal de igualdade, geralmente expresso em afir- mações como “trato-os todos da mesma maneira” ou “ para mim são todos iguais”. Na verdade, esta perspectiva pode levá-los a ignorarem especificida- des étnicas fundamentais e diferenças culturais e linguísticas, de estilos de aprendizagem e de cor de pele, na construção das suas práticas educativas mantendo ou agravando desvantagens sociais e escolares inerentes aos alu- nos pertencentes a minorias (Gimeno Sacristán, 1993, pp.185-198).

A grande maioria das análises da escola, como mecanismo de reprodução ideológica, cultural e económica, tem tido como referências dominantes as posições desiguais dos diferentes extractos económicos, sociais e culturais, face à escola, em contextos nacionais monoculturais, não considerando outras variáveis geradoras de desigualdades como a condição de minoria cultural, linguística e a cor da pele.

Alguns estudos já desenvolvidos, no nosso país, revelam que os professores, mesmo de escolas multi-étnicas, definem o conceito de “aluno desfavorecido”, através das suas vantagens materiais, como por exemplo a habitação em bair- ros degradados, desemprego ou emprego precário dos pais, extensão de agre- gado familiar, e apenas raramente, através das desvantagens ligadas à raça, cor ou imaginação. Deste modo, as crianças pertencentes a minorias são con- sideradas socialmente desfavorecidas com base nos mesmos critérios e pro- blemas apresentados pelas crianças brancas do mesmo extracto, dificultando

as mudanças de práticas adequadas a contextos escolares multiculturais. (Cardoso, 1998, pp. 25-87).

É certo que, em grande parte, os problemas são os mesmos, mas ignorar aquelas diferenças específicas, é manter e reforçar a situação inferior das cul- turas e línguas das minorias, as diferentes formas de racismo que a sociedade projecta para a escola e, consequentemente, as baixas expectativas dos pro- fessores, a baixa auto-estima e autoconfiança dos alunos pertencentes a mino- rias e, daí a desmotivação, a agressividade, o insucesso, o abandono escolar e a marginalidade.

Segundo Gimeno Sacristán (1993, p.219), “A ideia de fazer uma escola “à

medida do aluno” continua sem resolução porque a instituição escolar, pela sua estrutura organizativa e seu funcionamento, é mais coerente com práticas não diferenciadoras que uniformizam os tratamentos, homogeneizando a cultura que se desenvolve, estabelecendo níveis médios de rendimento e de ritmos de trabalho que dificultam a integração dos “atrasados” e dos alunos “diferentes” em geral, de forma que no sistema escolar qualquer aluno se converte em “dis- tinto” por alguma inadequação a este modelo estandardizado de funcionamen- to”.

Uma escola que se pretende aberta e integradora da diversidade, necessaria- mente terá que repensar a sua estrutura interna com normas, gestão participa- tiva, recursos, planos de estudo, espaços e tempos e ligar-se à comunidade envolvente, criando programas de parceria com outras instituições educativas e sociais e desenvolver projectos curriculares propiciadores de uma verdadeira educação intercultural.

É importante que os professores aprendam novas competências, face à hete- rogeneidade social, cultural e linguística dos seus alunos – “estar sensibilizados para as culturas minoritárias” (Glenn, 1992) e desenvolver estratégias que fomentem atitudes positivas em relação à integração/inclusão destes. No entanto, uma educação para a mudança de atitudes não depende só dos pro- fessores, pois as políticas educativas, emanadas dos organismos internacio- nais, regionais e locais, bem como o desenho e implementação de programas

e acções educativas interculturais, são instrumentos – charneira, neste proces- so.

Serão pois necessárias metodologias e didácticas diferenciadas para trabalhar com crianças ciganas.

Sem nenhum estudo, investigação ou planeamento sobre a influência da cultu- ra cigana no desenvolvimento cognitivo, parece desnecessário implementar-se ou dotar de metodologias ou didácticas diferenciadas das habituais, o trabalho escolar das crianças ciganas.

Nada sabemos acerca da forma como a oralidade e o agrafismo, o conceito multilineal do tempo, o precoce desenvolvimento de género, a percepção de identidade de grupo sobre a individual, vão influenciando o desenvolvimento cognitivo. Nada pois podemos saber de métodos, mais ou menos adequados, para a aprendizagem, mas deveríamos começar a pensar e investigar sobre a influência da cultura cigana no desenvolvimento cognitivo das suas crianças e jovens.

É importante referir que o conceito favorável sobre a criação de escolas especí- ficas para ciganos, que atendam às razões culturais ciganas, poderá ser com- plicado.

As escolas específicas já demonstraram que a sua segregação e a sua impos- sível socialização inter-étnica, só leva ao desenvolvimento geracional e à estigmatização e à quase impossível incorporação no sistema educativo, em causas mais avançadas.

Por grandes recursos e professores preparados que o sistema escolar dispo- nha, por um magnífico nível académico que exista, será muito difícil encontrar caminhos que permitam coadjuvar a necessária relação intercultural e os múlti- plos conflitos culturais que possam ocorrer. Será pois uma tarefa difícil e moro- sa preparar recursos humanos com elevados potenciais científicos que visem preparar a convivência intercultural.

Como deverá então ser a prática educativa dentro de um modelo intercultural? É importante defender que, construir a interculturalidade, nos leva a defender a

necessidade de haver a possibilidade de afirmar a própria cultura, na sua rela- ção com as demais. Esta afirmação deve realizar-se mediante um processo, onde todos possam colaborar, e onde todas estas colaborações sejam passí- veis de intercâmbio e de valorização crítica.

Para chegar a esta concretização é necessário:

• o reconhecimento, valorização e construção da nossa própria cul- tura. Se não conhecermos e valorizarmos a nossa cultura, dificilmen- te podemos compará-la e valorizá-la, devemos saber avaliar o que é comum e o que é diferente;

• reconhecer a multiculturalidade, desde uma posição positiva, à diversidade cultural, como riqueza;

• romper o etnocentrismo e mudar de atitude, de visão e tentar colocar-se no lugar do “outro”;

• informar-se e formar-se.

Na prática estas mudanças de atitude vão supor:

• que o Projecto Educativo da Escola se reveja na necessidade de contemplar as diversidades culturais. As visões de identidade deste projecto têm que acontecer a partir das culturas do aluno, pais e docentes e das culturas que existem na comunidade escolar;

• que o Projecto Curricular se reveja. É necessário fazer o estudo dos livros de texto e materiais que se utilizam;

• o carácter transversal da educação intercultural desprende-se da concepção curricular que temos vindo a desenvolver: toda a aprendi- zagem se apoia na base cultural, desde que esta se interpreta, e toda a aprendizagem tem sentido e significado no contexto cultural onde se utiliza.

Assim, um currículo intercultural deverá tratar a compreensão e conceptualiza- ção da realidade social, desde os mais variados filtros culturais, atravessando o

currículo na sua totalidade. Desta forma, problematizar e contextualizar os con- teúdos, relativizar e analisar desde as diversas “visões culturais” aos conceitos sociais, ajudará a definir uma perspectiva transversal que empregue todo o cur- rículo. Resumindo, para desenvolver uma competência nos alunos que possibi- lite entender o mundo a partir das diversas leituras culturais, reflectir critica- mente sobre a sua própria cultura e a dos outros e construir uma atitude e con- vivência positivas enriquecedoras das relações entre culturas, é aquilo a que se tem chamado “competência multicultural” (Bernstein, 1990, p. 102-103).

Para fazer transversalidade em educação intercultural é necessário:

• sublinhar, como conteúdo fundamental, o próprio processo de elaboração de conceitos, um processo onde todos podem par- ticipar e que seja interactivo, comunicativo, de livre expressão, de legitimação, de reconhecimento de toda a expressão cultural e de análise valorizada e crítica;

• problematizar os conteúdos;

• explicar os conteúdos a partir de diversas visões culturais; • questionar as visões estandardizadas;

• contrastar estas visões com a realidade do meio; • diversificar os materiais que as explicam.

Nunca poderemos esquecer que o currículo intercultural é aquele que pode servir de mediador entre a cultura escolar e a cultura experiencial dos alunos, e por outro lado, esta proposta não só implica mas, também possibilita, interpre- tar os adjectivos que habitualmente atribuímos ao substantivo “currículo”, como aberto, flexível e contextualizado.