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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 1 Origem e História Dos Ciganos

1.3. Origem e migrações na Ásia e na Europa Ocidental

Sabemos hoje, que existe consenso relativamente à sua origem Indiana, no entanto existe ainda algumas dúvidas para esclarecer relativamente ao seu

grupo étnico, classe social e época das primeiras migrações (Foletier, 1983, p. 13).

A origem indiana é frequentemente admitida depois dos trabalhos do inglês J. Buyant (1976), e dos alemães JC Rudiger (1782) e MG Hgiellman (1783), os quais, no século XVIII, demonstraram as ligações dos seus diferentes dialec- tos com o sânscrito. Historiadores e linguistas aprofundaram ainda estes estudos, tentando analisar o itinerário das suas deslocações.

Numerosas obras foram escritas e as hipóteses avançadas, ao longo dos séculos, para explicar a sua origem, pondo em evidência a confusão que rei- nava à volta desta etnia e testemunhando a mitificação de que os ciganos eram objecto (Foletier, 1983, p.11).

Epítetos como, “misterioso” ou “estranho”, catalogava-os em títulos de um número considerável tanto de livros como de artigos, consoante as épocas e os lugares. A diversidade da adjectivação que os classificava, ou que eles atribuíam a si próprios, não contribuiu para simplificar este problema.

Chegaram a ser insinuadas hipóteses, como a de serem crianças de Adão e de uma mulher anterior a Eva;” (…)“acredita-se que se podia tratar da “tribo perdida” de Israel. Certos autores contemporâneos, mais imaginativos que sérios, consideram-nos como os descendentes dos Atlantas...“ (Colinon, 1968, p.11). Existem muitos indícios que sugerem que os ciganos fazem parte de um grupo inicial não homogéneo, um género de « (...) associação de ele- mentos muito diversa, dos quais alguns seriam oriundos do sudeste da Índia e pertenceriam ao grupo dravidiano. ” (Liégeois, 1994, p.13). Não é raro encon- trarmos historiadores que sublinham, no entanto, a existência de uma grande similitude com os grupos do Rajasthan (Leblon, 1990, p.13), mais ao Sul e próximo do centro da Índia, não longe de Deli.

Um investigador cigano, evocado por Vaux de Foletier (1970, p. 31), reivindica sua origem numa casta aristocrática e militar do Rajasthan, versão retomada, de bom grado, por outros intelectuais ciganos (cf. Albaicin, 1996).

Alain Reyniers, Antropólogo e director da revista “Études Tsiganes”, referiu na conferência organizada pelo CASNAV-CAREP de Nancy-Metz, no dia 12 de Fevereiro de 2003 que, “ a tradição oral cigana, passada de geração em gera- ção, relata que o povo cigano foi encaminhado por um rei e que se instalou numa cidade da Índia chamadaSind, onde foram felizes”.

Não se sabe ao certo quais os motivos que originaram a sua migração, haven- do fortes possibilidades de esta estar ligada às invasões muçulmanas que per- turbaram na região todo o sistema ariano das castas (Reyniers, 2003, p.6). Segundo o mesmo autor (2003, p.7), os ciganos ocupavam provavelmente uma posição excêntrica neste sistema, derivando alguns, da casta do Rajput, a cas- ta dos aristocratas, que foi maltratada na luta directa contra os invasores.

Vaux de Foletier, no seu livro, Le monde des Tsiganes, faz referência ao cro- nista e poeta Persa Firdousi (930 – 1020), autor do “Livre des Rois” (terminado em 1011), segundo o qual um rei persa terá mandado vir da Índia dez mil

Luros, nome atribuído aos ciganos, para entreter o seu povo com música, ten-

do-lhes sido concedidos bois, burros e sementes de trigo para que trabalhas- sem a terra e entretivessem os pobres, gratuitamente, com as suas músicas. Segundo a lenda, os ciganos não cumpriram o estabelecido, uma vez que eram nómadas, pelo que abandonaram as terras e comeram alguns animais e as sementes que lhes foram fornecidas. Mais tarde quando regressaram junto do rei, com aspecto amarelecido, este deu ordem para que abandonassem o local. Os ciganos cumpriram esta ordem e continuaram a viajar, apropriando-se de tudo o que podiam para sobreviver (Foletier, 1983, pp.15-16).

Embora este relato possa parecer um pouco lendário, atesta a presença de ciganos na Pérsia, em meados do século X, vindos da Índia, bem como a sua habilidade como músicos, a sua falta de perfil face às práticas agrícolas, a ten- dência para o nomadismo e algum sentido de pilhagem (Foletier, 1983, 15-16).

Não existiu verdadeiramente uma única vaga de migração da Índia para o Irão, mas várias, tendo alguns ficado pelo caminho enquanto outros prosseguiram a sua viagem, provavelmente a seguir à invasão árabe pela Pérsia. Para o lin- guista inglês John Sampson, os nómadas dividiram-se em dois grupos migrató-

rios; um para Sudoeste e Egipto e o outro Noroeste e Europa, chegando ao mundo bizantino (Foletier, 1983, p. 16).

A presença cigana começou a ser constatada em Constantinopla em 1150 e no século XIII, foi advertido o clero para a presença de elementos provenientes da terra dos infiéis e como tal inimigos da Igreja; estes advertiam contra adivinhos, domadores de ursos e encantadores de serpentes e solicitavam a não permis- são de entrada destes Adingánous nas casas, uma vez que “ ensinam coisas

diabólicas” (Fraser, 1992, pp. 46-47).

Em 1322, dois irmãos mineiros, Simon e Hugues constataram, em Creta, a existência de uma população estranha, (Turquia actual e uma parte dos Bal- cãs), que se distinguia dos autóctones do Império Bizantino pela sua língua, que apresentava características de oralidade. Era a chegada de um povo sem um sistema de escrita, sem registos sobre a sua existência nem cultivo aparen- te de referências explícitas à Índia. No entanto, veiculavam, através da sua ora- lidade, um sistema de pensamento que se encontrava ligado àquele país, e que assentava amplamente nas noções de pureza e impureza (Foletier; 1983, pp.15-16).

A passagem da Turquia para outros países Balcânicos foi rápida, tendo alguns migrado para a Grécia e permanecendo bastante tempo, no Peloponeso. Eram indivíduos que viviam em tendas ou em cavernas, chamados Atsinganoi, que pertenciam a uma seita de músicos e adivinhadores, e que nunca paravam mais do que um mês num mesmo lugar. A sua presença foi observada por via- jantes ocidentais nos arredores do porto marítimo grego de Modon (hoje Methoni), então colónia de Veneza (Foletier, 1983, p.16).

Existem gravuras, que remontam aos séculos XIII-XIV, que mostram a presen- ça de bairros ciganos, na periferia da cidade Veneziana. Esta cidade fortaleza constituía uma etapa chave, para os peregrinos, que se dirigiam à Terra Santa pelo mar. Os ciganos que ali permaneciam estabeleciam assim contactos direc- tos com este universo de peregrinos, bem como com os gregos locais (Foletier, 1983, p.16).

1.3.1. As peregrinações e o dispersar no século XV

Depois de uma longa estadia na Grécia e nos países vizinhos, como os prin- cipados Romanos e a Sérvia, uma parte das tribos seguiu a sua marcha para o oeste e, a partir do século XV, estes “ciganos” começaram, então, a conver- gir para a Europa Ocidental, suscitando à população das regiões percorridas, sentimentos de curiosidade, mesclados de receio e desconfiança. Estes sen- timentos eram suscitados pelos hábitos de vida muito diferentes dos que eram praticados pelas populações sedentárias da época (Foletier, 1983, pp. 20-24).

Entraram assim no Ocidente, quer através do Egipto, quer pela via dos pere- grinos, isto é, por Creta e Peloponeso, sendo esta presença atestada por documentos, que entre 1407 e 1442, referem o aparecimento como:

“Pessoas que se dizem Egípcias do pequeno Egipto (Egipto menor ou em Parvo Egipto) em regiões tão diversas como a Suécia, a Polónia, a Ásia, os Países Bai- xos, a Inglaterra, a Flandres, a França, a Itália, Espanha e Portugal. Falta de estu- dos sistemáticos não se conhecem as razões das primeiras migrações. Mas cava- leiros que se apresentaram na frente das muralhas das cidades medievais como “duques e condes do Pequeno Egipto” não eram miseráveis, mesmo se as mulhe- res, carregadas de jóias em ouro, tinham já o deplorável hábito de ler a boa aven- tura” (Asséo Henriette, p. 74).

www.univ-mlv.fr/bibliotheque/presses/travaux/travaux7/asseo.pdf

Assim, chegaram no ano de 1417 à Alemanha, em 1419 a França (durante a guerra dos 100 anos e com a grande epidemia de peste), em 1420 aos Paí- ses Baixos, em 1422 à Itália, em 1425 a Espanha, em 1505 à Escócia e à Dinamarca, em 1512 à Suécia, em 1514 à Inglaterra e em 1516 a Portugal. O aparecimento dos ciganos, na Europa Ocidental, coincidiu com a conquista dos Balcãs pelos Turcos (tomada de Bizâncio em 1453) (Foletier, 1983, pp. 19-22).

Os seus chefes intitulavam-se como duques e condes do Pequeno Egipto, o que lhes dava acesso a benefícios especiais, “devido às suas autoproclama- das linhagens”. Esses benefícios constavam, por exemplo, de cartas de pro- tecção na travessia de regiões controladas, as quais foram concedidas pelo

rei da Bohêmia, que conferiu também, a muitos deles, a qualidade de bohê-

Ao entrarem na Europa Ocidental, os ciganos afirmavam-se originários do Pequeno Egipto fazendo supor ser a sua origem egípcia. Hoje sabemos, com certeza, que esta confusão foi estabelecida entre o lugar conhecido como Pequeno Egipto, na Grécia, por se assemelhar ao Deserto do Nilo – na Costa da Moreia, onde os ciganos estiveram acantonados.

«O lugar era chamado “o Pequeno Egipto”, talvez porque estava, no meio de paí- ses secos, um espaço fértil como o delta do Nilo. Aí está porque os tsiganes da Europa chamados de Egípcios, Gitanos ou Ciganos. Do mesmo modo, os seus chefes se intitularam frequentemente duques ou condes do Pequeno-Egipto» Foletier (1983, p. 16).

Devido a esta suposta origem egípcia passaram a ser chamados egípcios ou egiptanos, ou gytsy” (inglês), gitan (francês), gitano (espanhol). Sabemos ain- da que alguns grupos se apresentaram também como gregos e atsinganos, o que levou a que ficassem também conhecidos como grecianos (espanhol), tsiganos (francês), ciganos (português) e zíngaros (italiano). Em vários docu- mentos espanhóis e portugueses há referência à origem grega dos ciganos. Na farsa das ciganas, do escritor português Gil Vicente, de 1521, as ciganas dizem que são gregas e falam com forte sotaque espanhol, o que reforça a hipótese de uma migração mediterrânea de ciganos gregos directamente para o Sul de Espanha, e que de lá teriam viajado para Portugal. Estes nomes atestam e representam grupos etnicamente distintos (Coelho, 1995, pp.150- 151).

Na Europa, os ciganos deparam-se com estados politicamente estruturados e armados, o que não lhes permitiu conquistar um território. Eles não preferiam a batalha agrupada, mas a dispersão em pequenos grupos, forçados a pros- seguirem a sua errância, o que explica a rapidez da sua difusão, no mundo ocidental.