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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 3 – A Cultura Escolar Face às Minorias Étnicas

3.2. O conceito de cultura

3.2.1. Identidade cultural

A Identidade Cultural é construída socialmente, de forma diferenciada, segundo as culturas e nasce e cresce a partir dos outros, somos aquilo que os outros crêem que somos.

Não podemos esquecer que a identidade pessoal se constrói, numa cultura particular que representa o ambiente privilegiado para definir a especificidade de cada indivíduo. A identidade provém de um processo complexo de uma his- tória pessoal, construído no interior da trama de relações interpessoais e de interacções múltiplas com o ambiente, partindo da elaboração dos modelos dos

adultos, em primeiro lugar pais e professores, como agentes sociais das cultu- ras familiar e escolar.

Assim, uma das dimensões diferenciais básicas que entra na constituição da identidade da criança ocidental e do cigano constrói-se sobre a oposição indi- víduo/grupo. Nós crescemos com a ideia de que, no futuro, seremos homens ou mulheres, com uns estudos determinados, solteiros ou casados, com fun- ções sociais e um estatuto sócio – económico, que nos identificará distintiva- mente perante os outros.

Os ciganos são geralmente compreendidos como “quaisquer outros”, como tendo uma outra “cultura”. Assim é interessante analisar, mais de perto, as noções subjacentes de cultura e etnicidade e de as redefinir.

No discurso geral, a “cultura” tornou-se a identidade central e totalizante, à qual se unem todas as dimensões da identidade (língua, religião, cozinha, etc.). Neste sentido, as diferenças culturais tornam-se absolutas e as pessoas fixam- se na sua diversidade. Por consequência, a comunicação intercultural utilizou o modelo de conflitos.

Na realidade os homens não têm uma identidade única, mas jogam diferentes papéis (homem, investigador, irmão, vizinho) em diferentes situações. Van Binsbergen substitui o modelo de conflitos de contactos interculturais por um modelo de diálogo onde a comunicação intercultural é a regra, em lugar da excepção. Cada comunicação faz intervir uma multiplicidade de orientações culturais.

Desta forma, o autor introduz o conceito de “orientações culturais”, que têm em conta o contexto, a multiplicidade e está em constante evolução. Assim nesta pesquisa, escolhemos conferir, ao termo cultura, a significação de “orientações culturais”. W. Van Binsbergen, Internet Paper, Abril 1999 http://www.shikanda. net/general/gen3/cultbest.htm

Relativamente aos ciganos, aquilo a que chamamos “identidade pessoal” rece- be-se do grupo e é antes de tudo colectiva. Se algum significado se pode atri- buir à noção de “identidade pessoal”, entre os ciganos, este refere-se a alguns

traços individuais que são reconhecidos como compatíveis com uma ideologia que coloca o grupo (a família) como unidade indiscutível acima dos seus mem- bros. Todo o indivíduo de cultura cigana é considerado como um sujeito per- tencente a uma família.

Para o cigano, a palavra “família” tem vários sentidos. Por família entendem a sua “raça”, a grande “família cigana”. Entendem também a sua “linhagem”, quer dizer, a família ampliada que compreende de 4 a 5 graus de parentesco, por via patrilineal, com um total de 50 a 120 membros, entre avós, pais, filhos e netos. O chefe ou cabeça de família é o cigano barão e quando uma mulher se casa passa a depender totalmente do marido, a quem deve, a partir desse momento, toda a sua entrega e dedicação. É ela quem decide a sua vida: com quem se casará, quando, que lugar ocupará na família.

Dizer que “o indivíduo não tem possibilidade de escolher” é distorcer o seu mundo de representações. O indivíduo de cultura cigana ignora, o que nós denominamos “possibilidade de escolha”, ficando as decisões nas mãos da família. No universo cultural cigano, o futuro das pessoas está aglutinado à sua comunidade (Liégeois, 1976, pp. 45-49)

A identidade cigana é definida pela pertença a uma família, a um lugar particu- lar e a um modo de vida. A família situa-se habitualmente no interior de uma comunidade, onde o espaço se limita frequentemente a um bairro e onde todos se conhecem, o que torna as relações entre as pessoas simplificadas.

Todo o cigano está com todos e todos estão com ele, no bairro onde se encon- tram os membros da sua família. O respeito e a submissão familiar só podem ser gerais. O cigano mais enérgico e temperamental, frente ao não cigano, é totalmente obediente frente ao seu pai ou chefe familiar.

Perante os problemas que possam surgir, ou surgiram, os ciganos convocam os “tios”, ciganos maiores, anciãos, ou pessoas mais cultas e com mais capa- cidade de comando e liderança. Estes “tios” são encarregados de pacificar os grupos em discórdia utilizando, geralmente, compensações indirectas, equilí- brio de forças ou castigos, como expulsão do território, entre outros. Desta for-

ma, cada um evolui no imenso casulo protector da comunidade onde ninguém fica abandonado à sua sorte.

A vida dos ciganos centra-se à volta da comunidade onde o “nós” se sobrepõe ao “eu”.

A visão do mundo cigano choca violentamente com o ideal que os não ciganos têm interiorizado sobre o seu mundo (não como opção mas como “única ver-

dade possível”), onde o futuro é algo que se constrói de forma individual, que

depende do esforço pessoal e das próprias habilidades e que, para conseguir melhorá-lo, uma das condições é o alcançar um nível alto de formação. A nos- sa identidade “urbana europeia ocidental” não se submete à função que a famí- lia nos destina

Muito mais complicado será ter que compartilhar diferentes funções que, em muitos casos, pressupõem definições contraditórias de nós mesmos.

O ideal de que somos livres e independentes contrasta ferozmente com o ideal cigano, baseado na força do grupo e do Clan. Podemos referir ainda outro exemplo, o estatuto do adolescente. Na cultura europeia ocidental este período é o período de idade em que as pessoas não são crianças, mas também não são adultos. Preparam-se para sê-lo dentro de uma sociedade complexa que instaurou uma enorme especialização em saberes e trabalhos, a qual acarreta uma institucionalização exagerada desta preparação: o currículo escolar aca- démico profissional.

Na cultura cigana, esta etapa de transição-preparação, não existe como tal, pois passa-se de rapaz a homem e de rapariga a mulher. Esta etapa tem senti- do porque ocorre num curto espaço de tempo e da puberdade as mulheres passam a ser esposas e mães e nos rapazes também não se acentua esta transição.

É uma cultura onde os trabalhos artesanais, ou o comércio em pequena escala, não necessitam de uma grande e intensa dedicação à aprendizagem. Por outras palavras, “a mulher ideal” (outra noção ocidental) “chega inesperada-

mente” sem adolescência, isto é, sem ter passado pelos papéis determinantes desta fase.