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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 2 – Ciganos, Suas Designações e Identidade

2.2. Contraste entre um povo sedentário e nómada

2.2.1. Uma identidade nómada

É difícil tentar definir as características de uma identidade cigana, e, também é complexo tentar identificar as diferentes “etnias” que compõem o mosaico ciga- no.

Se existe uma maneira comum cigana, de ver o mundo, o seu universo é mar- cado pela diversidade que reflecte as múltiplas variações sobre os seus nomes. A própria questão dos nomes colectivos escolhidos para evocar uma população polimorfa, não cessa de conduzir a diversas polémicas.

Relativamente à sua identidade torna-se extremamente difícil distinguir uma identificação categorizada, quer relativamente à origem comum, quer aos tra- ços particulares e definição de nomes. Além disso, a palavracigano é conotada negativamente em quase todas as línguas europeias (referência à escravatura passada). Até o termo Rom, recomendado pelas instituições internacionais de Roms, não é verdadeiramente aceite por muitos dos nómadas, em alguns paí- ses, como por exemplo em França.

Se o parentesco, entre a língua romani e a indu, não carece de dúvidas, os ciganos não guardaram uma lembrança de uma pátria indiana de origem. A referência à Índia é uma construção intelectual recente. Em contrapartida, para se distinguirem entre si, os ciganos, fazem frequentemente referência à região

onde a sua família residiu mais tempo – o que corresponde à distribuição das alternativas dialectais da língua romani (Liégeois, 1976, pp.19-21).

A identidade deste povo, é de facto uma questão pertinente, sobretudo quando queremos falar sobre a identidade cultural, sendo a viagem o que caracteriza a cultura nómada. A cultura de viagem, que os nomeia subsiste, mesmo nas famílias sedentarizadas, estando o nomadismo provavelmente ligado às mais diversas formas de vida praticadas por algumas tribos.

Os ciganos deixaram a Índia há mais de 600 anos, no entanto permanecem ligados a um passado arcaico, de cariz idêntico ao nomadismo praticado pelos povos da pré-história e da antiguidade. Esta característica prende-se com alguma dificuldade que sentem ao terem de se aproximar das diversas popula- ções, dado que o nomadismo suscita questões difíceis de aceitar pelas socie- dades sedentárias.

É a construção de uma identidade oposta à dos sedentários. É a afirmação do ser diferente dos gadjé, e o inverso também é, sem dúvida, verdadeiro. Esta identidade cristaliza uma cultura das gentes de viagem num desenvolvimento separado, uma espécie de apartheid social, onde a rejeição e a desconfiança recíprocas são os catalizadores das relações das duas sociedades, a nómada e a sedentária. Para tal contribuiu substancialmente, a ignorância dos seus costumes reais, o receio ou o desprezo que eles inspiram e o mistério que os rodeia.

Apesar das perseguições e da angústia de uma instabilidade material, estes nómadas, incluídos no seu grupo étnico, têm uma maravilhosa habilidade para manter o seu estilo de vida, libertando-se dos constrangimentos sociais. Eles passeiam distraem-se e beneficiam por seus próprios meios de uma liberdade não convencional no meio de civilizações laboriosas mais rígidas.

A sociedade sedentária tem sido sempre a principal fonte da economia dos nómadas. Para subsistir, cada grupo nómada estabelecia ligações de ordem económica com a população autóctone, nomeadamente com os trabalhos de metalurgia, produção de caldeiras, indústria de objectos de vime, comércio de cavalos e circo, trabalhos estes, que na maioria dos casos, contribuíam para

que a sociedade pré industrial os tolerasse. Esta complementaridade baseada na troca comercial é uma situação que ainda hoje, se verifica.

Não devemos esquecer que falar de integração, aos itinerantes, suscita-lhes duvidas uma vez que a história lhes ensinou que esta acarreta formas de rejei- ção e até de perseguição, sendo, na maior parte dos casos, a assimilação um processo difícil e forçado. Ao falarmos da integração dos itinerantes remete-nos obrigatoriamente, para a questão do lugar que estes ocupam nas sociedades sedentárias e para o comportamento que praticam, face a estas populações.

Se o nomadismo representava uma garantia de independência para o povo cigano, permitindo-lhes deslocarem-se rapidamente e fugir às perseguições que sobre eles caíam, sendo ainda uma condição de sobrevivência, tanto física como cultural, evolução da sociedade comprometeu a realização de alguns trabalhos tradicionais do colectivo cigano, dedicando-se hoje, a maioria, à ven- da ambulante, à venda de sucata e a trabalhos agrícolas. Estes trabalhos, na maior parte dos casos, impedem de alcançar um nível de vida adequado.

A sedentarização (territorialidade), praticada pela generalidade da população mundial, permite distingui-la não só dos costumes nómadas como também possibilita formas de convivência entre povos, que de outra forma não aconte- ceriam. Em primeiro lugar, constitui a base de uma relação assídua que só o espaço comum pode assegurar, em segundo lugar proporciona uma base sóli- da para as relações de confiança mútua. Podemos referir um exemplo obser- vado numa das nossas saídas para observação das relações estabelecidas entre os ciganos e os compradores:” se se sentir enganado com a sua compra

pode encontrar-me para a próxima semana no mesmo sítio”. Em terceiro lugar

a relação estável, no território, implica uma maior confiança face ao itinerante, cujas actividades se convertem quase sempre em difíceis situações para o sedentário.

A sua identidade nómada origina um dos casos mais controversos, dos nossos dias, o acesso à escola, por parte dos ciganos. Não podemos ignorar que esta sendo um serviço público, está estritamente ligada à ideia de territorialidade, de sedentarização. Não só é territorial a oferta, como o funcionamento da institui-

ção, partindo da premissa de que se dirige a uma população estritamente sedentária.

Desta forma, o processo escolar deveria ter por objectivo contemplar a organi- zação de calendários e horários que melhor se adaptassem às necessidades e possibilidades de uma população, cujo modo de vida, nomeadamente, trabalho longe do local de residência, as deslocações do grupo familiar por motivos económicos, sociais, ou ainda trabalhos por conta própria requerem na maior parte dos casos, um esforço familiar conjunto, incluindo o dos menores.

É absurdo que na era das redes informáticas, dos aviões, do modem, da carta europeia de segurança social e da Europa sem fronteiras, isto é, numa época em que se superam em todos os aspectos, os limites da territorialidade, a esco- la ainda não seja capaz de dar uma resposta na parte que lhe corresponde.