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3. UMA PAUSA PARA O ESTUDO DO SUJEITO

4.1. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO CONTEÚDO

Autor das metáforas, molecular e molar, Silva (2009a, p. 1) explica que o estabelecimento da comparação se deve ao fato de a molécula representar um “mínimo e individual, isto é, cada uma parece corresponder a algo que existe por si

só e que, por isso, em termos de retenção e memorização, deve ser guardada uma a uma.” Em oposição à atitude molecular de ver/agir, coloca uma outra - a molar -

enquanto prática de construção de conhecimento. Primeiramente, vejamos os contornos da atitude molecular.

Segundo Silva, essa atitude se caracteriza por apresentar os conteúdos sob forma de sequência, em que os elementos internos não apresentam aparentemente nenhuma ligação. Quem organiza de forma molecular o conteúdo, geralmente, acredita que pode contemplar exaustiva e completamente todos os pontos de uma questão até esgotá-la; em outras palavras, persegue a completude. Quem percorre o circuito dessa organização, para fins de estudo, assume uma atitude que investe na própria limitação, porque percebe que não conseguirá alcançar o domínio do tão sonhado saber. O assunto parece exaustivo aos olhos do usuário, pairando sobre este, quase sempre, um sentimento frustrante; a construção do conhecimento passa à condição de tarefa quase impossível de alcançar.

Estabelecida a metáfora, Silva passa a usá-la com finalidade conceitual. Assim ele caracteriza a atitude molecular como explosiva, pois “dinamita” o assunto em muitas subdivisões em que as relações possíveis são diluídas. A atitude molecular é também gasosa, difícil de ser retida: facilmente os itens do assunto nos escapam da memória.

A atitude molecular é frouxa. Na crença de que o assunto pode ser esgotado, seus limites não são bem definidos. Há, nos textos moleculares, itens que, se bem definidos nos seus aspectos teóricos, poderiam ser incluídos numa mesma situação. Mas a atitude molecular persegue a completude, por isso o olhar seduzido para “detalhes, regras, exceções, subexceções do assunto”. Nesse tipo de atitude, está

pressuposta que memória e inteligência se equivalem. Como salienta Silva (2009a, p. 4):

A nossa compleição humana não está equipada de memória e capacidade de retenção infinitas. Ademais todo tema é perspectivo. Se olhado de outro ponto de vista, revelará outros aspectos do qual não poderemos dar conta. A falta é constitutiva da construção do conhecimento. É ela que faz o saber progredir.

Muitos podem não perceber, mas esse tipo de atitude - a molecular - envolve uma prática de poder, uma vez que “O conhecimento da exceção causa ao leigo no

assunto a impressão de que o estudioso atingiu um nível de detalhamento do tema, fato que o diferencia dos outros.” (SILVA, 2009a, p. 4)

A outra atitude, que se contrapõe à molécula, é a molar. Metaforicamente, pode-se dizer que se trata de uma atitude elástica: possui a propriedade de esticar e contrair, recuperando “a sua forma original, responsável por sustentar e impulsionar

os ‘objetos’ a que estiverem ligadas” (SILVA, 2009a, p. 1). Essa capacidade de

sustentação e impulso pode ser entendida como uma habilidade que procura agrupar em categorias aquilo que, a princípio, parece não ter relação entre si, o que evita gerar um sem-fim de descrições e regras.

Do que se disse, pode-se concluir que, apesar de ter como método a análise e desdobramento de itens por semelhança e diferenças, o seu objetivo é sistematizar para reter. Por isso, essa atitude é identificada por sua elasticidade, por sua capacidade de esticar, mas também de voltar ao ponto de origem, não diluindo o cerne da questão.

A atitude molar tem também, por conseguinte, como uma de suas características, a metáfora da implosão, porque tenta “direcionar os itens para

centros de relação convergente em que semelhanças e diferenças possam ser realçadas” (SILVA, 2009a, p. 2), unindo o aparentemente estanque. Cria-se assim

uma cadeia de associação em que o estabelecimento de um item leva ao estabelecimento de outro. O que permite ressaltar a faceta líquida da atitude molar. Com densidade suficiente, decorrente da organização em categorias, pode ser retida pela memória ou, na metáfora de Silva (2009a, p. 3), em “reservatórios

mnemônicos”.

A atitude molar é consequente de uma percepção mais madura quanto ao fato de reconhecermos aquilo que somos: “seres em falta”. Nossa memória é limitada e, por isso, seletiva. Independente de traçarmos estratégias retentivas, não conseguimos deter todos os aspectos de uma mesma questão. A atitude molar tem

por finalidade traçar procedimentos que, por processo de associação, procura instigar as instâncias do raciocínio para ajudar a memória a reter o máximo daquilo de que é capaz.

Em síntese, Silva (2009a) ao discutir os dois tipos de atitude – a molecular e a molar -, coloca, respectivamente, como consequência de cada uma dessas duas, o desmembramento e o agrupamento de itens de um assunto. O texto, organizado única e exclusivamente na perspectiva do desdobramento, gera um efeito de atomização. Ao marcar a configuração, como processo expositivo de apresentação de regras e sub-regras, casos e subcasos particulares, esse tipo de procedimento pode gerar um efeito psicológico como uma de suas consequências: o desânimo e até o abandono daquilo a que se propôs o estudante, qual seja, compreender e reter os casos de concordância verbal. A leitura linearizada, outra consequência da atitude molecular, tende a conduzir o leitor para o enfrentamento com a informação, como se não houvesse relação entre os tópicos do assunto.

Ao contrário, o texto de arquitetura molar impele aquele que o lê - por seu sistema de relações internas em que um aspecto leva ao outro, num processo de estabelecimento de inclusões e exclusões - a buscar relações existentes entre os itens do conteúdo, de modo a não só entender, mas retê-lo na memória.

Para finalizar essa seção, é importante que se registre aqui o lugar da arquitetura molecular como forma de organização de conteúdos. Por fornecer longas listas de exemplos, tal organização é, segundo Silva (2009a), prática para efeito de consulta, porque é mais fácil rastrear os itens arrolados no texto e encontrar o tópico do assunto que se precisar momentaneamente resolver. Contudo, como o texto de compleição molecular não apela para o estabelecimento de relações que leve ao exercício do raciocínio, posteriormente, a mesma indagação pode aparecer novamente.

Se, de um lado, a arquitetura molar torna a consulta de itens difícil, uma vez que o critério de exposição não é a sequencialidade, mas as “relações existentes

entre os itens do sistema” (SILVA, 2009a, p. 8), por outro lado, o encaminhamento

do assunto fornece melhores condições de retê-lo, fato que levaria a pessoa menos vezes à situação de consulta.

4.2. MOLARIDADE: UM PARADIGMA PARA PENSAR O ENSINO DA