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1. REFLEXÕES GERAIS SOBRE O CAPÍTULO DE CONCORDÂNCIA

1.1. O PLACAR QUANTITATIVO

1.1.3. O placar em Celso Cunha e Lindley Cintra

A Nova Gramática do Português Contemporâneo não destina um capítulo em

separado para a concordância verbal. Ela vai ser estudada dentro do capítulo de verbos, portanto, numa perspectiva assumidamente morfossintática. Os autores, de início, definem a concordância verbal como: “A solidariedade entre o verbo e o

sujeito, que ele faz viver no tempo, exterioriza-se na concordância, isto é, na variabilidade do verbo para conformar-se ao número e pessoa do sujeito” (CUNHA e

CINTRA, 2001, p. 496).

Apresentam duas regras gerais de concordância: • com um só sujeito;

• com mais de um sujeito em que chamam a atenção para a primazia, respectivamente, da primeira sobre a segunda e desta sobre a terceira.

A partir de então, passam a tratar dos casos particulares. O contexto de distribuição do assunto é o mesmo empregado para definir os casos de regra geral: • com um só sujeito - 8 (oito) casos;

• com mais de um sujeito – 8 (oito) casos.

No total, o placar apresentado é de 18 (dezoito) casos: 2 (duas) regras gerais e 16 (dezesseis) casos particulares.

Apresentado o placar, gostaríamos também aqui de destacar alguns princípios teóricos assumidos na obra. Isto porque eles podem nos permitir entender a perspectiva dos autores diante dos fatos gramaticais – no caso desta tese, a concordância verbal.

Cunha e Cintra (2001, p. XXIV) desejam descrever a Língua Portuguesa a partir de algumas premissas, conforme se pode verificar nas suas próprias palavras:

Parecia-nos faltar uma descrição do Português contemporâneo que levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico (principalmente as admitidas como padrão em Portugal e no Brasil) e servisse, assim, fosse fonte de informação, tanto quanto possível completa e atualizada, sobre elas, fosse de guia orientador de uma expressão oral e, sobretudo, escrita que, para o presente momento da evolução da língua, se pudesse considerar “correta”, de acordo com o conceito de “correção” que adotamos no capítulo I.

Destacamos assim as finalidades da obra:

• proceder a uma descrição em torno da língua padrão contemporânea – principalmente aquela concernente a Portugal e ao Brasil - que abrace o vasto

domínio territorial da língua portuguesa;

• servir de fonte de informação o mais completa e atualizada possível; • ser guia orientador de expressão oral e, principalmente, escrita.

O projeto parece bastante ambicioso; analisado atentamente, percebemos os seguintes senões:

• secundarização dos registros que não se insiram nos padrões luso-brasileiros; • busca da completude, num domínio territorial e social absolutamente impossível de alcançar;

• desconsideração das condições de contextualização da oralidade, o que prevê um tratamento prescritivo a partir da escrita.

Além dos aspectos acima que consideramos conflitantes, há outro que também vai se conflitar com o objetivo da completude: é o conceito de correção:

“Uma gramática que pretenda registrar e analisar os fatos da língua culta deve fundar-se num claro conceito de norma e de correção idiomática.” (CUNHA e

CINTRA, 2001, p. 5)

Por esse motivo, eles afirmam, no capítulo I, que é preciso definir o perfil da norma. Tomando as palavras de Eugenio Coseriu, os autores afirmam: “a norma não

corresponde, como pensam certos gramáticos, ao que se pode ou se deve dizer, mas ‘ao que já se disse e tradicionalmente se diz na comunidade considerada”

(Apud CUNHA e CINTRA, 2001, p 8). Ou ainda, nas palavras dos gramáticos, sobre ela “paira o [critério] da aceitabilidade social (...), o único válido em qualquer

circunstância.” (2001, p.8)

Ao “fazer uma ligeira digressão a respeito desse controvertido tema” (CUNHA e CINTRA, 2001, p.5), a fim de definir o conceito de correção que orienta a “Nova

gramática do português contemporâneo”, muito pouco esclarecimento nos trazem os

gramáticos efetivamente.

Apesar de considerarem que todo comportamento social, incluindo o linguístico, é regulado por normas que devem ser obedecidas, caso se deseje ser correto, no final do capítulo, os gramáticos, que vinham procurando fixar bem os contornos da norma com que pretendem trabalhar, admitem a difícil tarefa e

declaram que os linguistas vêm tentando fixar as fronteiras da norma culta, seja na forma falada, seja na escrita.

Assim, pretendem trabalhar com um conceito de norma em que esteja envolvido um maior liberalismo gramatical, levando em consideração, pelo menos aparentemente, os critérios de variações diatópica, diastrática e diafásica. Falando de outra forma, organizam a gramática tomando como referência especial o Português europeu e o brasileiro, das camadas escolarizadas e da modalidade da língua literária.

O liberalismo a que aspiram, contudo, não tem suporte para imprimir uma metodologia consistente. Além do mais, sabemos que as escolhas, mesmo que inconscientes, nunca são neutras. É o que nos suscitam as palavras destacadas abaixo:

A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal lingüístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função coercitiva sobre as outras variedades, com que se torna uma ponderável força contrária à variação. (CUNHA e CINTRA, 2001, p.4)

A justificativa dos gramáticos, sacralizada pela sociedade em geral – tônica lacunar e, portanto ideológica – desconsidera que o movimento é exatamente o contrário: a norma é mais prestigiosa, não porque atua como modelo, mas atua como modelo por ter mais prestígio. A eleição de uma variante à condição de norma padrão, enquanto modelo ideal, é uma questão de prestígio dos valores de uma classe que se impõe sobre as outras. Dessa forma, a norma refletirá o prestígio da camada social de onde deriva e se imporá sobre as demais.

Como se pode observar do exposto, os gramáticos se propuseram a produzir uma obra que servisse de guia de orientação do idioma. Pode-se prever, no entanto, por intermédio de sua finalidade padronizadora, que tal objetivo dificilmente seria atingido. Apesar de inserirem exemplos de várias modalidades, inclusive a

africana, essas modalidades só serão agasalhadas como exemplos se

estiverem em sintonia com a sintaxe lusitana. Portanto, em essência, a gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra não é muito diferente das duas gramáticas anteriormente mencionadas, embora o placar da obra seja o menor deles: 16 X 2 (dezesseis casos particulares e dois casos gerais).

Finalmente, ao encerrar esta seção, queremos retomar todos os placares para enfatizar que a variação numérica aqui levantada se deve à forma como os

autores das três gramáticas compreendem o modo de dispor o conteúdo em termos de maior ou menor abrangência. Mesmo a “Nova gramática do português

contemporâneo”, com dezoito casos, apresenta uma proposta ainda muito

subcompatimentada, árdua tarefa, em termos mnemônicos, para quem objetiva o ensino-aprendizagem

Ao examinarmos com mais detalhes o capítulo de concordância verbal, verificamos que o tratamento distributivo “econômico” do assunto é mais aparente do que à primeira vista se pode pensar. É o que se percebe, por exemplo, com o caso sujeito pronome relativo: subdividido, apresenta outros quatro casos. Dessa subdivisão, o terceiro e o quarto casos incluem respectivamente as seguintes situações de concordância: um dos (+substantivo) que e (um) dos que (= um

daqueles que). Analisadas essas duas situações, do ponto de vista morfossintático,

podemos perceber que o substantivo e o pronome demonstrativo fazem dos dois exemplos uma só estrutura.

Até aqui, portanto, podemos concluir que o confronto dessas gramáticas nos revela o perfil casuístico das compartimentações, o que nos mostra ser necessário pensar um modo mais produtivo de organização desse conteúdo.

Resumindo os placares quantitativos, teríamos:

Figura 01 – Placar das Gramáticas

SÍNTESE DOS

PLACARES

ROCHA LIMA 40 X 2 BECHARA 30 X 2 CUNHA E CINTRA 16 X 2

2. CONCORDÂNCIA VERBAL: UMA CONVERSA SOBRE VERBOS OU SOBRE