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2. CONCORDÂNCIA VERBAL: UMA CONVERSA SOBRE VERBOS OU

2.3. A SISTEMATIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS

Personalidade de destaque do período sistemático da Grécia Clássica, Aristóteles foi considerado o principal sistematizador dos conhecimentos anteriormente produzidos pelos gregos. Tal período se caracterizou pelo esforço de a Filosofia buscar reunir tudo o que foi pensado sobre o mundo e o homem. Nesse momento, interessa evidenciar que qualquer fato pode ser objeto de investigação filosófica, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam solidamente determinadas, condição para estabelecer a verdade.

A Aristóteles se deve o mérito de criar a lógica3 como instrumento de sistematização do conhecimento em qualquer campo do saber. Para ele, o conhecimento de um objeto exige o conhecimento das leis gerais que governam o pensamento

Ao descrever os corpos vivos, ele identifica o homem como animal distinto de todos os outros por suas funções intelectivas. Dentre elas, o exercício da linguagem, função identificada como um dote da natureza e requisito necessariamente político de o homem Ser.

Em um texto célebre do tratado Política (I, 1253ª), Aristóteles caracteriza a linguagem como definidora da natureza humana, na medida em que o homem é um ser social e é precisamente o uso da linguagem na comunicação e na negociação política que torna possível a vida social. (MARCONDES, 2010, p. 27)

Os sons emitidos pelo ser humano tem fins distintos dos sons produzidos por todos os outros animais, na medida em que estabelece intercâmbio comunicativo entre iguais e manifesta juízo de valores. Pelas trocas de linguagem, realizam-se a gestação e a posse de valores relativos à noção de bem, de mal, de justo, de injusto, de família e de Estado, enfim, a base da sociedade política.

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A palavra empregada por ele para se referir à investigação das regras que o pensamento deve seguir, de modo a exprimir a verdade, é analítica; o termo lógica aparece posteriormente, com os estóicos

Quanto ao problema posto inicialmente pelos filósofos cosmológicos, Aristóteles confere um tratamento diferente do de Platão. O devir não é mera aparência ilusória, por isso não separa realidade e aparência: elas pertencem a um só mundo. Há seres cuja essência é mudar, há seres cuja essência é imutável.

A mudança é potencialidade, a maneira de as coisas realizarem a sua essência. Portanto, não há contradição, mas uma identidade que o pensamento pode conhecer, por meio da linguagem.

A dialética, tal como Platão a concebeu, é outro ponto de discordância de Aristóteles, que considera um caminho inadequado para se chegar ao conhecimento. Tal prática possui ação restrita, só cabendo ao exercício da oratória, por sua função persuasiva. Assim, pode-se afirmar: a dialética platônica é um modo

de conhecer que opera com os conteúdos do pensamento e do discurso; a

lógica aristotélica é um instrumento para o conhecer que antecede o

pensamento e a linguagem, é o meio para realizar o pensamento e o discurso.

2.3.1. Concepção ontológica e formalização lógica

A relação estreita entre linguagem e pensamento terá correspondência na relação entre categorias de pensamento e de linguagem. Isso significa dizer que os nomes, na sua pluralidade, na medida em que servem para designar o Ser ou as coisas relacionadas a eles, podem ser identificados por categorias. Por isso, Aristóteles traça um paralelo entre o universo dos nomes e o da phýsis.

Em decorrência das relações estabelecidas entre as categorias do pensamento e da linguagem, Aristóteles ainda identifica, nessa última, o caráter convencional. Uma palavra é símbolo de um conteúdo mental: depende de um espírito que lhe confira essa atribuição. A teoria aristotélica da significação prevê o signo, o referente e o conceito. Este último é uma representação abstrata e abrangente do Ser. A palavra assim constituída se refere a tudo o que existe.

Na base da classificação dos modos de predicação e de ser está a ideia de que o mundo físico é composto de coisas (substância) que têm certas propriedades (acidentes), que desencadeiam ou sofrem certos processos, que mantêm entre si certas relações ou que têm certas extensões ou localização no espaço ou no tempo. Assim, diz Aristóteles, que as categorias, isto é, as coisas que se dizem sem entrar em uma combinação, são: a substância; ou o quanto; ou o qual; ou em relação a que; ou onde; ou quando; ou está em posição; ou está em

estado; ou fazer; ou sofrer (categoria 4, 1b 25) (...). As categorias são as declarações mais gerais sobre o ser ou sobre os modos diferentes em que o ser é declarado. (NEVES, 1987, p. 69-70)

Sobre o que acabou de ser transcrito, comenta Neves (1987, p. 72) que, ao discutir os sistemas de noções, Aristóteles acaba por fazer uma análise da linguagem, ou seja, da “função do lógos em vista de uma concepção ontológica e de

uma formalização lógica”.

2.3.2. A proposição: instância de privilégio para a revelação do SER

A instância de privilégio da lógica aristotélica não é o nome, mas a

proposição – atribuição de um predicado a um sujeito. É instância privilegiada já

que, por meio dela, o pensamento se coloca na linguagem, permitindo a formulação e a expressão de juízos.

Nesse sentido, para melhor elucidar a questão, é importante registrar, da mesma fonte, informações de pé de página:

J. M. Le Blonde (Logic et méthode ... , p. 316-319) mostra como esse paralelismo se evidencia na apresentação das três categorias principais da substância (...) – ser primeiro (essência), sujeito e indivíduo – só são plenamente explicadas quando ligadas ao julgamento e à proposição.

A primeira é a nota fundamental da substância, a que vem significada através do termo ousía (...). Só a substância é simplesmente. Então, todo o resto – quantidade, qualidade, relação – é afirmado em relação a esse absoluto.(...) O tipo natural e fundamental de proposição é aquele em que a afirmação se faz em referência a uma substância, todos os outros são derivados desse e tiram dele o seu valor.

A segunda característica tem relação mais evidente com a linguagem: substância é o que não é senão sujeito da proposição. O termo HypoKeimenon significa “substrato”; é o que é “sucetível de receber predicação”. Essa significação vem sugerida na própria definição aristotélica de substância: “o que não é atribuído a nenhum sujeito e não é inerente a nenhum sujeito”.

A terceira característica decorre do estudo da substância como sujeito: aquilo que nunca é predicado. Só o indivíduo é sujeito último; as coisas individuais não podem ser predicado. (NEVES, 1987, p. 72)

Apesar de as palavras possuírem uma significação convencional, o valor daquilo que se diz (verdade ou falsidade) está na proposição. Para Aristóteles essa é, como acima afirmamos, a instância de privilégio porque ele acredita poder chegar, por meio dela, à revelação do SER.

Compreendida a relação entre o SER e a linguagem, ele passa a examinar o modo como as coisas são ditas.

O exame da proposição é o exame do modo de dizer os seres segundo uma ligação (Categorias, 1ª 16-17), e nelas se põem, como vimos, seres gramaticais.

Entretanto os seres se declaram também ontologicamente. Há uma pluralidade de seres e cada um deles é também dito fora da proposição. As coisas que se dizem “sem nenhuma ligação” (Categorias, 1b 25) são as categorias (...). Enquanto o nome é apenas o sinal sonoro da coisa, a categoria é a voz, não apenas como sinal, mas como expressão da natureza da coisa, como definição e como conceito. (NEVES, 1987, p. 69)

Como ressalta Neves (1987, p. 63),

Essa associação entre linguagem como característica biologicamente natural do homem e a linguagem como característica do animal político organiza-se coerentemente e converge para uma teoria da significação.

Associando concepção biológica e aquela orientada para um determinado fim, Aristóteles vai investigar o lógos que, por natureza, tem uma um caráter político. É importante registrar aqui que, assim como Platão, também nele a linguagem, vista como associação das duas funções, sofre um recorte de investigação, determinado e legitimado pelo sujeito social e pelo contexto histórico vigente: em outras palavras, a linguagem em questão é aquela própria da cidade – da retórica e da ciência.