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FORTALEZA NO PERÍODO DA SEGUNDA GRANDE GUERRA: O PLANEJAMENTO DO ESPAÇO URBANO E A

TRANSFORMAÇÃO DA SUA PAISAGEM NA DÉCADA DE

2.4 FORTALEZA NO PERÍODO DA SEGUNDA GRANDE GUERRA: O PLANEJAMENTO DO ESPAÇO URBANO E A

PAISAGEM

Os letreiros de propaganda e as vitrines contribuíram para a modificação na paisagem pela qual Fortaleza passou na década de 1940. Foi o período em que se começou a desenvolver uma cultura do consumo na capital, fortemente influenciada pela grande penetração de produtos americanos em território brasileiro (SILVA FILHO, 2002).

Essa influência, que teve seu início por meio do cinema anos antes18, foi

exacerbada no período da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil se uniu às forças aliadas e declarou guerra aos países do Eixo em 1942 (BORGES, 2006).

A instalação de bases militares americanas na cidade em 1943, no Cocorote e no Pici, também contribuiu para disseminar o American way of life na cidade. A ocupação americana dos espaços de Fortaleza não se deu apenas nas bases militares, mas também em espaços de lazer como a Praia de Iracema com a instalação da sede da USO19 (United States Organization) em

uma antiga residência à beira-mar anteriormente chamada de “Vila Morena”, atual Estoril (BORGES, 2006).

É interessante observar como a influência norte-americana fez parte de uma nova lógica modernizadora. Sobre isso, Borges (2006, p. 75) explica que se na década anterior,

[...] esse aprofundamento na modernidade técnica deu- se especialmente na esfera pública, através de melhorias em infra-estrutura, reforma de logradouros e novas construções, em uma segunda instância, tal vivência penetrou o espaço privado, reforçando mais ainda essa aproximação entre tecnologia e consumo.

De fato, o consumo supõe “uma construção coletiva de significados e distinções sociais” (SILVA FILHO, 2002, p. 109) que acabou se estendendo ao uso dos espaços livres públicos. Tal dinâmica podia ser percebida

18 Os cinemas já estavam presentes no cotidiano dos Fortalezenses desde a

década de 1910, com a construção do Cine Majestic em 1917, seguindo pelo Cine Moderno, em 1921, ambos situados no entorno da Praça do Ferreira.

19 A USO era uma organização privada criada em 1941 a pedido do então

presidente Frnaklin Roosevelt com a finalidade de oferecer serviços recreativos às tropas norte-americanas.

principalmente no que diz respeito ao lazer, especialmente após o surgimento de grandes clubes, como o Ideal (1945) e o Náutico (1950) que passaram a agregar a camada mais abastada da população, tanto em atividades corriqueiras, como em eventos pontuais como o carnaval, que deixou de ocorrer nas ruas e praças da cidade como era tradicional desde o começo do século XX.

O ano de 1945 veio a marcar não apenas o final da Segunda Guerra Mundial como também a queda de Getúlio Vargas, sucedido na presidência por Eurico Gaspar Dutra em 1946.

Fortaleza vivenciou, no período de 1945-1947, um período de instabilidade política com a falta de continuidade na administração pública, tendo nesse curto espaço de tempo, a alternância de seis prefeitos (BORGES, 2006).

A falta de estabilidade só teve fim com a eleição, no final do ano de 1947, de Acrísio Moreira da Rocha. Esse ano também foi marcado pela conclusão de um Plano Diretor para a cidade, elaborado pelo urbanista cearense José Otacílio de Saboya Ribeiro20 (1899-1967), que havia sido contactado pelo

interventor do estado José Machado Lopes em 1945.

O plano, baseado em princípios urbanísticos de cunho modernista, era referenciado nas ideias de mestres do urbanismo europeus e americanos como Urwin e Lavedan, citados pelo próprio Saboya Ribeiro no Memorial Justificativo que compunha a proposta juntamente com 41 pranchas.

Borges (2006, p. 79) afirma que:

Sua intervenção teve como premissa maior promover uma nova estrutura à cidade, respeitando sempre que possível, a malha ortogonal e as vias radiais resultantes de sua evolução urbana, com um plano do tipo radial- perimetral.

A proposta de Saboya Ribeiro apresentava uma compreensão sobre a importância da convivência entre espaços construídos e recursos naturais, bem como a importância dos espaços livres públicos para a promoção da boa qualidade da cidade. A esse respeito, alguns pontos são marcantes no Memorial Justificativo (1955, p.232):

2) – O traçado de vias necessárias ao saneamento urbano, ao longo dos córregos que atravessam a cidade;

20 José Otacílio de Saboya Ribeiro era engenheiro formado pela Escola Politécnica do

Rio de Janeiro em 1930 e natural de Fortaleza, CE. Foi prefeito de São Luís do Maranhão entre setembro de 1936 e julho de 1937.

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3) – a localização de novos espaços livres – praças, jardins, parques, reservas arborizadas, etc. – nos diversos bairros, antes que as construções nos mesmos se adensem;

4) – o aproveitamento do vale do Pajeú, nas adjacências do centro comercial, de modo a recuperar as áreas de valor muito reduzido, transformando-as em áreas úteis e necessárias ao embelezamento e extensão do centro urbano, destinando essas áreas à formação de um centro cívico;

Na explanação dessas diretrizes, o urbanista expôs uma preocupação com a qualidade ambiental da cidade, calcada em uma postura tecnicista fundamentada na intervenção de obras de engenharia, principalmente no que diz respeito à relação da cidade com os córregos e rios, numa visão típica da época. Há menções à criação de “parques ciliares, hortos, jardim botânico ou campos agrícolas experimentais” bem como à construção de “parques- avenidas” (RIBEIRO, 1955, p. 233) às margens dos córregos localizados na parte sul da cidade.

A questão da valorização das belezas naturais da cidade também se mostra bastante relevante, aspecto atribuído às áreas verdes livres e à arborização urbana até hoje. Tal fato fica explícito nas palavras de Saboya Ribeiro (1955, p. 234):

Acreditamos que a remodelação de toda a zona que vai desde a Praça da Sé até o Parque da Liberdade, descobrindo ambas as margens do Pajeú – este cortado por várias vias que ligarão a zona éste à zona oeste da cidade –, emprestará uma nova fisionomia à mesma, descobrindo belezas ainda não reveladas e que se encontram escondidas a dois passos da Praça do Ferreira. (grifos nossos)

No Memorial, Saboya Ribeiro (1955, p. 234) também estabelece como norma uma proporção “não inferior a 10% de sua área total” de espaços livres públicos para os novos bairros e continua estabelecendo que deve “cada habitação dispor de praça ou jardim público numa distância não superior a 300 metros”.

Infelizmente, o Plano de Saboya Ribeiro não foi executado, revelando a incapacidade do Poder Público de fazer frente às forças econômicas que regiam a cidade, representadas pelos proprietários dos imóveis do centro, que se recusavam a “aceitar a subtração de áreas construídas” (FERNANDES, 2004, p.46). O mesmo processo ocorreu com o Plano de Nestor de Figueiredo, em 1933, porém a dificuldade se deu com os “grandes proprietários de terras no perímetro urbano da cidade, temerosos de que a

implantação de um novo traçado obrigasse desapropriações e afetassem a posse da propriedade privada” (FERNANDES, 2004, p. 43).

Dessa forma, a cidade continuou a crescer descontroladamente e ao sabor da especulação imobiliária, recaindo sobre a população mais pobre o maior ônus, uma vez que permaneceu excluída (Figura 2.22).

Figura 2.22 - Vista aérea de Fortaleza na década de 1940. Nota-se uma mudança na paisagem da cidade com a existência de alguns edifícios de maior altura nas

ruas próximas à Praça do Ferreira.

Fonte: Museu da Imagem e do Som de Fortaleza

O desenvolvimento de uma cultura paisagística moderna não chegou a acontecer em Fortaleza nesse período, uma vez que a cidade não protagonizava um papel importante na economia ou política do país, não atraindo a mesma quantidade de investimentos que os grandes centros urbanos do país. Nem mesmo a relativa proximidade geográfica com Recife possibilitou que houvesse a influência do trabalho desenvolvido por Roberto Burle Marx na cidade, ficando os espaços livres públicos destinados a um tratamento bastante pragmático.

A qualidade e a quantidade desses espaços, bem como a relação da cidade com seus recursos naturais também ficaram prejudicadas pela falta de planejamento urbano naquele momento e mesmo as ações de embelezamento das praças foram interrompidas, com exceção da Praça do Ferreira, como será explanado a seguir.

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