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A MODERNIDADE E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO FINAL DO SÉCULO

A PRAÇA DO FERREIRA NA BELLE ÉPOQUE

1.1 A MODERNIDADE E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO FINAL DO SÉCULO

O século XIX trouxe consigo a cristalização de uma mudança que, de acordo com Berman (1986) já vinha acontecendo desde o início do século XVI3 na

Europa: a modernidade.

O autor (1986, p. 15) define a modernidade como uma “experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida” que ainda permeia a vivência da sociedade atual. O “sentido do fugidio, do efêmero, do fragmentário e do contingente” (HARVEY, 2008, p. 22) está, ainda hoje, presente nas relações socioespaciais de reprodução da vida e do ambiente construído (ou da paisagem). Segundo Berman (1986, p. 15):

A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia.

As mudanças suscitadas pela modernidade tiveram como marco a Revolução Industrial, que ensejou uma transformação de todos os aspectos da vida e, em especial, da vida urbana, que no século XIX se modificou consideravelmente com a modernização. Esta, entendida como os processos sociais que dão vida à experiência da modernidade, compreendia

[...] a industrialização da produção, que transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas formas de governo corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica [...]; rápido e catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação em massa [...]; Estados nacionais cada vez mais poderosos, burocraticamente estruturados e geridos [...]; movimentos sociais de massa e de nações [...]; e um

3 Marshall Berman divide a história da modernidade em três fases: a primeira,

do século XVI até o fim do XVIII, quando as pessoas começam a experimentar a vida moderna, porém sem senso de uma nova comunidade; a segunda, com início a partir da Revolução Francesa, em 1789 até o final do século XIX, marcada pela coexistência entre o nova política e sociedade e os antigos modos de viver material e espiritualmente; e a última, a partir do século XX à atualidade, momento em que há a expansão a fragmentação do processo de modernização em escala global.

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mercado capitalista mundial, drasticamente flutuante, em permanente expansão (BERMAN, 1986, p. 16).

Essas práticas socioespaciais transformaram demasiadamente a paisagem urbana, caracterizada pela presença de fábricas, ferrovias, novas zonas industriais, ocupação desordenada e áreas insalubres em coexistência com a cidade antiga, pré-industrial.

A problemática urbana estabelecida a partir daquele momento ensejou o desenvolvimento do urbanismo como disciplina, baseado no saber científico, como forma de controlar o crescimento urbano e todos os problemas advindos dele acima citados.

A conjugação do saber médico – necessário a partir da epidemia da Peste Negra que assolou a Europa em 18304 – à engenharia veio a pautar uma das

características mais fortes dos planos urbanísticos do século XIX: o sanitarismo.

Pela primeira vez, “a cidade se encontra problematizada enquanto questão técnica” (BRESCIANI, 1993, p. 12) e, nesse contexto, sob a influência da Teoria dos Miasmas, que defendia que as doenças se disseminavam por meio da água parada e da falta de circulação do ar limpo, foram promovidas medidas que modificaram efetivamente a paisagem urbana das metrópoles europeias.

Abertura de grandes vias, separação de áreas industriais, bem como o aterramento de lagoas, canalização de rios e construção de redes de saneamento foram efetuadas numa tentativa de resolver questões como o escoamento da produção e problemas de saúde pública, delegando aos parques e praças um papel estético aliado à salubridade, bem como à arborização urbana o papel de renovadora e purificadora do ar. Assim, as transformações urbanas no século XIX foram condição e produto do processo de acumulação capitalista que se sofisticava.

A reforma de Paris promovida a partir de 1853 por Georges-Eugéne Haussmann (1809-1891), o Barão de Haussmann, então prefeito da cidade, foi o modelo adotado por grandes cidades europeias e, posteriormente, latino-americanas.

Além das ações sanitaristas e infraestruturais acima citadas, dois importantes componentes entraram em cena: o embelezamento e aplicação

4 Leonardo Benévolo aponta como uma das causas as condições urbanas insalubres

da racionalidade iluminista à organização urbana, usados como criadores de uma imagem moderna de cidade. Ações como a criação de largos passeios com ajardinamento, construção de squares inspiradas nas squares inglesas5; promoção da arborização; disposição de mobiliário em ferro

fundido e postes de iluminação e definição de gabarito para as novas edificações construídas sobre os quarteirões demolidos foram promovidas durante a reforma (Figura 1.1).

Figura 1.1 - Avenida de Villiers, cerca de 1900

Fonte: http://www.musee-henner.fr/en/museum-studio/plaine-monceau-quarter

A espessura histórica da cidade foi rompida com a demolição de boa parte de seu espaço para a abertura de novas vias, mais largas e axiais, que interligavam novas edificações construídas para ser marcos da modernidade ou monumentos históricos cuidadosamente escolhidos.

Aliás, a nova forma de convivência entre o antigo e o novo nas cidades que se instaurou a partir daí, nem sempre pacífica – tanto no século XIX, como hoje – faz parte da contradição da modernidade, especialmente para a sociedade oitocentista que se lembrava “do que é viver, material e espiritualmente, em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro” (BERMAN, 1986, p. 16).

5 As squares francesas não possuíam gradis e poderiam estar ou não cercadas

por habitações como as inglesas, porém não eram utilizadas apenas pelos residentes do entorno, uma vez que eram espaços livres públicos, sendo, portanto, de livre acesso.

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Essa “conjugação entre o efêmero e o fugidio e o eterno e imutável” (HARVEY, 2008, p. 21) era percebida no campo arquitetônico pela procura de uma linguagem que representasse uma expressividade própria daquele tempo. Movimentos como o Neoclassicismo, Romantismo e revivals como o Neo- renascimento ou o Neo-gótico surgiram nessa época e foram desenvolvidos concomitantemente.

Outra linguagem arquitetônica que expressava sobremaneira essa contradição era o Ecletismo. Caracterizado principalmente pela seleção do que se entendia como o melhor nos estilos históricos e sua aplicação às novas construções, era a “cultura arquitetônica própria de uma classe burguesa que dava primazia ao conforto, amava o progresso [...], amava as novidades, mas rebaixava a produção artística e arquitetônica ao nível da moda e do gosto” (PATETTA, 1987, p. 13).

Essa linguagem e movimento internacional, muito difundida nos principais núcleos urbanos na Europa, América do Norte e América Latina de forma geral, foi largamente utilizada ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, como sinal de sofisticação e modernidade.

No Brasil, essas transformações ocorreram de maneira heterogênea nas diversas partes do seu território, manifestando-se, principalmente, após a proclamação da república em 1889.

1.2

MODERNIZAÇÃO E “COLONIZAÇÃO”: DO RURAL AO

URBANO NA PAISAGEM DAS CIDADES BRASILEIRAS NA