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MODERNIZAÇÃO EM TRANSIÇÃO: OS IMPACTOS DAS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA PAISAGEM

A MODERNIDADE DA PRAÇA DO FERREIRA NAS DÉCADAS

2.1 MODERNIZAÇÃO EM TRANSIÇÃO: OS IMPACTOS DAS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA PAISAGEM

A busca pela modernidade no contexto urbano brasileiro teve início no século XIX, acompanhando as transformações que ocorreram nos campos político e social após a Independência e, sobretudo, com o advento da República.

Ao adentrar as primeiras décadas do século XX, a modernização das cidades se intensificou, em um processo que ganhou força especialmente a partir de 1930, quando o conjunto de transformações espaciais coincidiu com um processo de modificação mais estrutural nas práticas sociais – políticas, econômicas e cultural-ideológicas.

A primeira alteração foi a ruptura com o “domínio político-partidário da oligarquia cafeeria de São Paulo” (SEGAWA, 2014, p. 23) que se mantinha no poder em alternância com a oligarquia agrária mineira desde o início da República, dando origem ao que se popularizou como “política café com leite”. A ascensão de Getúlio Vargas (1883-1954) à presidência do país, apoiada por setores militares e da classe média urbana, ocorrida em 1930, marcou o final da Primeira República (1889-1930) e o início da chamada “Era Vargas” (1930-1945).

Teve início, então, uma administração centralizadora e intervencionista, cujo discurso nacionalista visava unificar o país, eliminando uma estrutura de poder pulverizado e agindo sob o entendimento de que acabar com os “privilégios do domínio agrário somente se faria de forma eficiente mediante a substituição dos instrumentos de controle e operação do poder” (SEGAWA, 2014, p. 24).

Na economia, ocorreu o enfraquecimento da base agroexportadora vigente até então e o incremento da industrialização, com vistas a fortalecer o mercado interno e modernizar o país, apostando na criação de uma indústria de base. No entanto, o período foi marcado pela dualidade entre o desejo de modernização e o conservadorismo. O Brasil buscava a atualização por meio da industrialização – a qual teve grande incentivo para o seu desenvolvimento – porém rejeitava o liberalismo, com forte presença do Estado não só na economia, como também em todas as outras instâncias organizacionais (SEGAWA, 2014).

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Como destaca Solange Schramm (2015, p. 113):

Em outros âmbitos da organização social, foram criados órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (1936) e o Instituto do Patrimônio Artístico Nacional IPHAN (1937), instituições que se integravam ao objetivo de conhecimento e sistematização dos mais diversos aspectos da realidade nacional. Fato relevante foi a racionalização do quadro territorial brasileiro, estabelecida, mediante decreto, em 1938, determinando, dentre outras medidas a serem aplicadas aos municípios e distritos: a obrigatoriedade de definição de limites, a superposição dos quadros administrativos e judiciários, a sistematização da nomenclatura, a caracterização urbanística quanto à fixação de efetivo predial mínimo e a obrigatoriedade da representação cartográfica das circunscrições e suas sedes.

Ideologicamente, o discurso nacionalista abriu espaço para o fortalecimento dos “debates por uma identidade nacional, com o intuito de extinguir os regionalismos e reunir toda a população em torno de um só interesse nacional de classe” (BORGES, 2006, p. 41). Nesse sentido, a modernização calcada na industrialização surgia para unificar a nação em torno de um projeto de futuro, tanto material, quanto civilizatório.

O início da modernização no país suscitou a mudança de feição do Brasil rural para o urbano: a década de 1930 foi um período de crescimento acelerado em diversas cidades brasileiras, com a migração de parte da população da área rural para a urbana. De acordo com Santos (1993, p. 22), “a população concentrada em cidades passa de 4.552.000 pessoas em 1920 para 6.208.699 em 1940”, demonstrando um crescimento bastante acelerado se comparado com o período anterior. Com isso, o índice de urbanização triplicou no período, passando de 10,7% em 1920 para 31,24% em 1940 (SANTOS, 1993).

Todo esse crescimento foi acompanhado pela criação de novos bairros e a expansão da malha viária, graças à popularização do automóvel, corroborando para que houvesse as primeiras tentativas de ordenar o crescimento das cidades. Planos urbanísticos foram elaborados para as maiores cidades do país, como o Plano da Cidade do Rio de Janeiro (1931), elaborado pelo arquiteto francês Donat Alfred Agache (1875-1959) e o “Plano de Avenidas” de São Paulo (1930), de autoria do engenheiro-arquiteto Francisco Prestes Maia (1896-1965), que posteriormente se tornou prefeito da cidade.

Esses planos motivaram uma série de proposições semelhantes para outras cidades ainda na década de 1930, como Porto Alegre, Niterói, João Pessoa, Recife e Fortaleza. O plano para a cidade de Goiânia – projetada para ser a nova capital do estado de Goiás – elaborado por Attilio Correia Lima (1901- 1943) em 1933 é um dos mais representativos de toda a movimentação no campo do urbanismo que ocorria na época, tendo também um lugar de destaque na produção de arquitetura Art Déco no país.

A dualidade entre modernização e tradição também marcou a produção arquitetônica do período, ocorrendo, naquele momento, simultaneamente, a difusão da linguagem Art Déco e o desenvolvimento do Modernismo no país, expressões de uma modernização em transição. É interessante observar que as duas linguagens tiveram grande vulto em prédios públicos, embora houvesse um predomínio da primeira (SEGAWA, 2014).

O desenvolvimento dessas linguagens arquitetônicas também coincidiu com o avanço tecnológico propiciado pelo concreto armado, revelando um alinhamento entre a indústria brasileira e a construção civil. Nesse contexto, disseminava-se, especialmente, a linguagem Art Déco ou como se chamou à época o “Moderno Classicizante” (SEGAWA, 2014), por ser a expressividade formal dos edifícios altos, tendo como expoente máximo o edifício “A Noite”, construído no Rio de Janeiro em 1930. Grandes construções como o Elevador Lacerda (1929), em Salvador, e monumentos como o Cristo Redentor (1926- 1931), no Rio de Janeiro, foram “referências de importância urbana que serviram para disseminar popularmente o gosto Art Déco” (SEGAWA, 2014, p. 63).

Dentre os edifícios de menor porte, destaca-se a construção de escolas e de 141 sedes dos Correios pelo país, apontado por Segawa (2014, p. 69) como “o mais ambicioso projeto nacional de normalização arquitetônica oficial”. Monumentos menores também foram disseminados pelo país, como as Colunas da Hora, erguidas em capitais e cidades interioranas (SCHRAMM, 2015).

O Art Déco também foi escolhido para ser a linguagem de edificações e monumentos representativos do Estado nacional, como a sede do Ministério da Guerra (1939) (Figura 2.1), no Rio de Janeiro, e o Cristo Redentor (1926- 1931), na mesma cidade (SCHRAMM, 2015).

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Figura 2.1- Ministério da Guerra, Rio de Janeiro.

Fonte: Hugo Segawa, 2014

É interessante observar que houve, no mesmo período, o desenvolvimento da arquitetura moderna no país, fortemente influenciada pelas tendências europeias, tendo em Le Corbusier seu grande porta-voz e disseminador de ideias.

Contraditoriamente, essa nova linguagem arquitetônica, encontrou aporte nas obras estatais, ainda que tal fato não tenha ocorrido de forma tão ampla como foi com o Art Déco. O novo edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945) no Rio de Janeiro, de Lúcio Costa (1902-1998) e equipe, foi o catalisador de uma série de projetos modernistas elaborados para o Poder Público como o Aeroporto Santos Dumont (1938-1944) e o Terminal para Hidro-aviões (1938), ambos no Rio de Janeiro, além de diversos terminais aeroportuários disseminados no país, como os de Pelotas, Bagé e Porto Alegre, construídos em 1935 (SEGAWA, 2014).

Entretanto, como adverte Segawa (2014, p. 88), “A aceitação de linhas modernas para aeroportos não significou um alinhamento dos poderes públicos com a arquitetura moderna de ideologia mais definida pela vanguarda”, uma vez que as edificações de programas mais tradicionais permaneceram vinculadas ao “Moderno Classicizante”.

Os fatos acima citados são um exemplo da dualidade que permeou o processo de modernização que ocorreu no período, marcado por contradições típicas de um período de transição. No âmbito nacional, verificou-se o crescimento das capitais em contraposição a um interior do

país predominantemente agrário e a urbanização desigual entre os centros urbanos, com Rio de Janeiro e São Paulo concentrando a maioria dos investimentos.

A paisagem urbana das grandes cidades do país foi transformada, manifestando, também, a transitoriedade do momento: muitas vezes, coexistiram o traçado colonial com o casario eclético, novas edificações em linguagem Art Déco e grandes arranha-céus de viés mais racionalista. Esse embate entre o antigo e o novo também se deu no agenciamento dos espaços livres públicos, influenciado pelas diferentes visões acerca da modernidade que vinha sendo construída.

2.1.1 OS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS E A “MODERNIDADE