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URBANO NA PAISAGEM DAS CIDADES BRASILEIRAS NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O

1.4 O PAISAGISMO ECLÉTICO NO BRASIL

Os fundamentos do que veio a ser o paisagismo eclético difundido no país têm raízes no final do século XVIII, mais precisamente no ano de 1783 – considerado um marco na produção paisagística brasileira por ser a data de conclusão do Passeio Público do Rio de Janeiro. Tal obra, considerada o primeiro jardim público nacional, foi executada seguindo o projeto de Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813), conhecido como Mestre Valentim.

Esse espaço público fazia parte de um conjunto de intervenções que estava sendo efetuado na Cidade, quando foram executadas as primeiras obras de abastecimento d’água, saneamento e embelezamento.

No começo do século XIX, com a vinda da Missão Artística Francesa e a fundação da Imperial Academia de Belas-Artes – em funcionamento a partir de 1826 – iniciou-se uma fase de “refinamento” das artes e a difusão das ideias neoclássicas. Nesse momento, a Coroa Portuguesa deu continuidade a uma prática que já havia começado durante o Período Colonial: a construção de jardins botânicos para estudo das vegetações nativas, aclimatação de espécies exóticas e a comercialização de plantas na Europa.

A segunda metade do século XIX é marcada pelo crescimento de alguns centros urbanos no país, com a execução de obras de infraestrutura. Robert- Dehault, Junqueira e Bulhões (2000, p. 18-19 apud Aline de Figueirôa Silva, 2010, p. 30) afirmam que “Por volta de 1850, D. Pedro II recorreu à França para dar prosseguimento à obra da primeira missão artística, inspirando-se na Paris haussmaniana, que se tornara o exemplo de capital industrializada”. Esse foi o momento em que o paisagismo eclético começou de fato a tomar forma no Brasil, com a adaptação dos referenciais europeus na conformação dada aos jardins, utilização de vegetação exótica mesclada às Palmeiras

Imperiais (Roystonea oleracea), que se tornariam símbolo de identificação com a nobreza.

Destaca-se, ainda no Rio de Janeiro, o trabalho de Auguste François Marie Glaziou, engenheiro e botânico francês, denominado paisagista oficial da corte, atuando no Brasil de 1858 a 1897. Glaziou foi o responsável pela reforma do Passeio Público da Cidade em 1862, transformando-o em um jardim romântico, dotando-o de traçados sinuosos, um pequeno lago, uma ilha e um pavilhão para apresentação de bandas de música (Figura 1.7).

Figura 1.7 - Passeio Público do Rio de Janeiro, cerca de 1862.

Fonte: http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2039

Todos esses elementos foram incorporados ao paisagismo eclético implementado nas ações de ajardinamento que se proliferaram no país ao longo do século XIX. Primeiramente, nos antigos espaços livres públicos coloniais como praças, terreiros e largos, numa expressão do processo de laicização da cidade. Num segundo momento, com a construção de passeios públicos e jardins públicos inseridos dentro desses logradouros ou de praças criadas com a finalidade de preceder importantes edifícios públicos como palácios da justiça, teatros e bibliotecas.

Assim, percebe-se que o processo de transformação dos espaços livres públicos acompanhou uma transformação da cidade de forma geral: grandes edifícios públicos como igrejas, sedes de governo e palácios da justiça são construídos como marcos no meio urbano, diferenciando-se do restante das

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edificações em virtude de sua arquitetura e de um novo modo de relacionar- se com o espaço da cidade, “ficando protegidos por limites bem precisos e com posição de destaque em relação aos percursos viários” (MOURA FILHA, 1998, p.2), atuando como pontos de referência na malha urbana (Figura 1.8 e Figura 1.9).

Figura 1.8 - Praça Floriano no Rio de Janeiro. Ao fundo, o Teatro Municipal

Fonte: http://prefeitura.rio/web/portaldoservidor/exibeconteudo?id=5098280.

Figura 1.9 - Jardim público do Campo das Princesas, atual Praça da República, no Recife. É possível notar elementos do paisagismo eclético como os gradis, a organização dos caminhos sinuosos em meio à vegetação e a presença do coreto.

Ao fundo, o Teatro Santa Isabel. Fotografia de cerca de 1880.

A construção e inserção desses edifícios fazia parte, então, de uma nova concepção de paisagem urbana, cujo objetivo era a composição de um cenário de modernidade, com o tratamento de todos os elementos de forma global, propondo o ajuste entre edifícios, ruas, praças e outros logradouros públicos, que deveriam receber um tratamento paisagístico. Conforme Hugo Segawa (2014, p. 19), “A cidade afirmava-se como palco do moderno – modernização tendo como referência a organização, as atividades e o modo de viver do mundo europeu”.

Nesse contexto, percebem-se novas práticas de urbanização e aformoseamento – como a abertura de grandes vias, modifcação e alinhamento do traçado viário pré-existente, estabelecimento de gabarito para as edificações, arborização urbana, construção de novos espaços públicos e reforma das praças – sendo desenvolvidas nas maiores cidades do país.

Mesmo as denominações dos logradouros públicos sofreram alterações durante o período, como destaca Figueirôa Silva (2015, p. 88):

No Brasil, os logradouros públicos das cidades da Colônia, do Império e dos primeiros tempos da República, considerando seus atritbutos morfológicos (traçados, equipamentos, presença ou ausência de vegetação), as funções e os usos, inclusive na sua relação com as edificações do entorno (religiosas, militares, administrativas, civis, recreativas, comerciais), podem ser reunidos em dois grupos. Por um lado, campos, pátios, largos, adros, terreiros e praças – genericamente denominados de praças, segundo a tradição urbanística lusitana e o léxico português. E, por outro, passeios públicos, jardins, squares e parques – designados, em conjunto, como jardins públicos, quando os deslocamentos dos modos de intervir e denominar os logradouros públicos se inscrevem no espaço da cidade brasileira.

Tais são os logradouros públicos que, independente da denominação, passaram a ser convertidos em jardins com desenhos ecléticos, em alinhamento com o que estava sendo produzido no continente europeu.

Destaca-se como pontos comuns dentro dessas propostas, a construção de caminhos pavimentados, canteiros com arbustos e flores, o uso de mobiliário urbano padronizado, gradis, a construção de coretos, fontes e chafarizes e, claro, a mistura de espécies botânicas, com o grande uso de vegetação exótica.

Esse novo tratamento dos espaços livres trouxe consigo o exercício de uma nova forma de sociabilidade: os passeios parisienses funcionavam como

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uma espécie de salão, no qual homens e mulheres iam exibir-se com seus melhores trajes e exercitar a corte e logo esse tipo de atividade foi implementada no Brasil.

Em consonância com a produção arquitetônica dos principais edifícios públicos, o paisagismo eclético é difundido tanto na produção de jardins privados, muito presentes em São Paulo (PERECIN, 2003), por exemplo, como em jardins públicos implantados em praças de cidades como Rio de Janeiro, Belém, Recife e Fortaleza (Figura 1.10).

Figura 1.10 - Passeio Público em Fortaleza.

Fonte: Álbum de Vistas do Estado do Ceará, 1908.

É importante observar que a mudança que ocorreu no paisagismo dos espaços livres públicos, vinha a se somar às alterações promovidas na arquitetura e na própria cidade, realçando a contradição entre a assimilação de hábitos e referenciais estéticos europeus em uma sociedade cuja maioria ainda vivia sob os moldes coloniais. Tal fato realçava a condição do país, o qual continuava a ser receptor e assimilador de um modelo civilizatório – não mais português, mas francês – reforçando o seu papel de colônia na geopolítica da época.