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O PAISAGISMO ECLÉTICO E AS TRANSFORMAÇÕES PAISAGÍSTICAS DO FINAL DO SÉCULO

URBANO NA PAISAGEM DAS CIDADES BRASILEIRAS NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O

1.3 O PAISAGISMO ECLÉTICO E AS TRANSFORMAÇÕES PAISAGÍSTICAS DO FINAL DO SÉCULO

O paisagismo eclético no Brasil se deu na esteira do mesmo movimento de difusão da linguagem eclética na arquitetura, porém teve muito mais conexão com as ações de aformoseamento das cidades brasileiras no âmbito público e com uma pequena elite urbana que se espelhava nos padrões europeus, na produção dos jardins privados.

Antes, porém, de analisar o quadro supracitado, faz-se necessário compreender o processo desenvolvimento dessa corrente paisagística.

No paisagismo, também houve uma movimentação no sentido de definir diretrizes a serem seguidas em busca de uma nova linguagem, que se distanciasse do excesso de formalismo do jardim barroco (Figura 1.3). Na segunda metade do século XVIII, atrelado ao Romantismo – principalmente à estética Pitoresca – houve o desenvolvimento do Paisagismo Inglês, ou Paisagismo Romântico, inicialmente implantado nos jardins particulares (Figura 1.4). A busca por “reproduzir cenários naturais e românticos de campos ondulados e florestas, adaptados a terrenos rugosos e ao clima úmido inglês” (ALEX, 2011, p. 62) que caracterizava essa linguagem paisagística foi aplicada, posteriormente, aos parques urbanos norte- americanos.

Essa mudança de postura se mostrava como uma reação à linguagem barroca e a tudo o que ela representava, principalmente no plano político, uma vez que “a formalidade desenhada e a autoridade representada dos jardins franceses e holandeses” (ALEX, 2011, p. 62) eram identificados com a monarquia europeia e com a nobreza, fortemente combatidos à partir da Revolução Francesa. O jardim inglês, cuja gênese se encontrava na pintura, representava, então, uma linguagem mais alinhada aos novos tempos e ao gosto burguês, uma vez que a paisagem era equiparada com a “riqueza, cultura superior e poder, em uma equação na qual estariam codificadas não só a arte do jardim, mas também a pintura, a literatura e a poesia” (ALEX, 2011, p. 62), delineando uma forma de apreciação típica da modernidade.

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Figura 1.3 - Jardim de Versailles, símbolo máximo do paisagismo barroco

Fonte: http://en.chateauversailles.fr/discover/estate/gardens

Figura 1.4 - Jardim da Stowe House, em Buckinghamshire, Reino Unido, de autoria de Willian Kent, seguido por Lancelot Capability Brown (1751)

Fonte: http://www.capabilitybrown.org/garden/stowe

No século XIX, a exemplo do que ocorreu na arquitetura, surgiu o movimento eclético no Paisagismo, no qual se observa a fusão de referências estilísticas, como o jardim barroco francês do século XVII ou o jardim romântico inglês do século XVIII, somados a estruturas, mobiliários e decoração de outras tradições como a asiática ou a árabe (FIGUEIRÔA SILVA, 2016). Todos os aspectos acima enunciados se somaram a um fator primordial, que era a mistura de espécies vegetais de diferentes origens.

O square inglês também fez parte do repertório dos projetos paisagísticos de gosto eclético que eram elaborados naquele momento. Esse jardim urbano também foi um modelo inglês originado no século XVII e bastante difundido no século XIX. Caracterizava-se pela sua condição de privacidade, uma vez que se tratava de uma área verde urbana destinada ao usufruto dos moradores das edificações que limitavam este espaço, os quais possuíam as chaves que possibilitavam a abertura dos portões situados em meio aos gradis que o circundavam.

Tais modelos foram fonte de inspiração para o Barão de Haussmann na ocasião da reforma de Paris ocorrida entre 1853 e 1869. Elementos como os gradis foram inseridos nos jardins – que na versão francesa não eram privados e se caracterizavam por estarem implantados no centro das praças da cidade – implantados pela cidade para o enobrecimento do espaço urbano (Figura 1.5).

Figura 1.5 - Square Montholon, Paris, cerca de 1900. Observa-se os gradis utilizados para definir o espaço do jardim, composto por grande massa vegetal.

Fonte: http://www.parisrues.com/rues09/paris-avant-09-square-de- montholon.html

Nos Estados Unidos, os maiores representantes do pensamento paisagístico na época eram os parques urbanos, onde os princípios compositivos do paisagismo inglês – caminhos sinuosos, emprego da vegetação em seu estado natural, modificações na topografia do terreno – foram largamente empregados nos projetos (ALEX, 2011).

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O parque, naquele momento, era entendido de forma geral como uma “resposta lógica às condições ambientais degradantes das cidades industriais, bem como um componente do planejamento das cidades do século XIX” (ALEX, 2011, p. 68). Nos Estados Unidos, esse entendimento ensejou o aparecimento de um movimento conservacionista chamado “Parks Movement”, o qual reivindicava a criação de espaços verdes livres de uso públicos como uma oposição “à baixa qualidade de vida nas cidades por causa da urbanização crescente” (FRANCO, 1997, p. 82).

Um marco do período foi a atuação de Frederick Law Olmsted (1822-1903), o qual cunhou a expressão landscape architect, arquiteto paisagista em tradução livre (ALEX, 2011). Sem formação acadêmica específica, mas com experiência em agricultura e familiaridade com o movimento pitoresco do paisagismo inglês, o paisagista norte-americano foi responsável por grandes obras nos Estados Unidos, como o Central Park (1857-1858) em Nova York (Figura 1.6).

Figura 1.6 - Vista aérea do Central Park, em Nova York.

Fonte: https://www.nycgovparks.org/about/history/olmsted-parks

O projeto, desenvolvido em parceria com o arquiteto inglês Calvert Vaux (1824-1895), consistia em um grande espaço de formato retangular inserido no tecido da cidade. Composto por elementos como reservatórios de água e lagos, os quais dominam o espaço, caminhos sinuosos obedecendo a uma

hierarquia de vias, e grande massa arbórea, o lugar só não apresenta “verdes abertos ou campos gramados para converter a ideia do jardim-parque romântico inglês e do espírito rural isolado da cidade” (ALEX, 2011, p. 67). É interessante observar como as principais transformações paisagísticas não se davam de forma isolada, havendo uma circulação de ideias por meio de viagens, como a realizada por Olmsted à Paris para estudar os projetos dos parques Bois de Boulogne e Bois de Vincennes, durante a construção do

Central Park em 1859. O encontro com Jean Alphand (1817-1891),

engenheiro responsável pelas obras de paisagismo realizadas durante a reforma de Haussmann, possibilitou ao paisagista conhecer o sistema de plantio dos parques e bulevares da cidade e a organização do cinturão verde (ALEX, 2011).

Além do Central Park, outros parques importantes foram projetados por Olmsted, como o Prospect Park (1865) também em Nova York. Projetos de vulto que tiveram grande diálogo com o urbanismo também marcaram a trajetória do paisagista, como o Riverside Estate de Chicago (1869), o sistema de parques e parkways de Boston, conhecido como Emerald

Necklace (1878-1890) e a Exposição Colombiana de Chicago (1893).

Dentre estes, destaca-se o sistema de parques de Boston, ou “Colar de Esmeraldas”, em tradução livre. O conjunto de espaços livres públicos proposto por Olmsted compreendia mais de 8 milhões de metros quadrados e atuaria como instrumentos de planejamento urbano para orientar o crescimento da cidade. Desenvolvidos ao longo do rio Muddy, o sistema de parques e parkways tornaram-se referência no que diz respeito ao manejo das águas urbanas, sendo considerado um precursor da Infraestrutura Verde e do planejamento ambiental (BONZI, 2014).

Toda a movimentação nos Estados Unidos ocorrida nesse período, entretanto, só veio a ter maiores desdobramentos em terras brasileiras no século XX. A grande influência que ocorreu na produção paisagística do país foi das movimentações que ocorriam nas cidades europeias, notadamente em Paris.

Toma-se como exemplo de tal fato, a grande utilização de elementos como os gradis, inspirados nas squares francesas e incorporados nos jardins públicos brasileiros construídos no final do século XIX e início do século XX (FIGUEIRÔA SILVA, 2016).

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Paris, aliás, passou a ser o modelo urbano adotado na maioria das cidades brasileiras no final do século XIX. Porém o conjunto de transformações urbanas realizadas com o fito de projetar uma imagem moderna teve início no Rio de Janeiro antes mesmo do Império. Tais alterações ganharam impulso com a vinda da Missão Francesa em 1816 e atingiram o seu auge no início do século XX, durante a chamada República Velha (1889-1930).