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Primeira Parte: O contexto luso-brasileiro de Machado de Assis

Capítulo 2 Entre amigos portugueses

2. Francisco Gonçalves Braga

Partindo das esparsas observações de biógrafos e historiadores, e recorrendo largamente à própria obra de Machado de Assis, seria oportuno rastrear com mais detalhe agora a extensão e o caráter da interlocução do escritor brasileiro com os adventícios portugueses.

Entre os jovens caixeiros que se dedicavam também à literatura, Machado vai encontrar em Francisco Gonçalves Braga um companheiro de primeira hora. Morto muito jovem, em 1860, aos 24 anos de idade (o poeta nascera na cidade de Braga, em Portugal, em 1836), e de tuberculose, como tantos outros poetas de sua geração, Gonçalves Braga existe hoje para a história literária em função de seu breve convívio com Machado quando este se iniciava na carreira das letras.

Jean-Michel Massa faz um bom apanhado das relações entre os jovens poetas, avaliando a ascendência do português sobre o brasileiro e emitindo juízos críticos fulminantes sobre Tentativas poéticas, o livro de poemas que Gonçalves Braga publicava, por intermédio de Paula Brito, no Rio, em 1856.28

A despeito da apontada mediocridade do jovem autor, o estudioso sublinha, porém, o papel por ele desempenhado em relação a Machado: “Francisco Gonçalves Braga (...) foi o seu primeiro mestre e confidente.” E, mais adiante: “Braga não foi apenas um mestre e um amigo

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Op. cit., vol. III, pp. 115-116.

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Conferir o item “Braga, o primeiro mestre”, em MASSA, pp. 108-119. Massa reproduz e comenta alguns dos poemas de Tentativas poéticas.

para Machado de Assis, mas um exemplo imitado, copiado e, digamos a palavra certa, plagiado. A estrela de Braga cegou Machado de Assis, que se mostrou como que fascinado. A admiração lhe fazia naturalmente desejar que as suas poesias se parecessem com as do amigo.”29

Magalhães Jr., outro biógrafo minucioso de lances muito pouco conhecidos, vai registrar: “Mas seu grande amigo, na fase da iniciação literária, foi Francisco Gonçalves Braga, a quem dedicou repetidos tributos públicos de afeto e de admiração.”30

De fato, Braga estará presente em alguns dos primeiros poemas conhecidos de Machado. “A Palmeira”, datado de 6 de janeiro de 1855 e publicado na Marmota Fluminense nº 540, em 16 de janeiro do mesmo ano, e até há pouco considerado o texto mais remoto conhecido do escritor, é a ele dedicado. “Ela”, publicado no nº 539 do mesmo periódico, em 12 de janeiro de 1855, tem como epígrafe a seguinte quadra do poeta português: “Nunca vi, - não sei se existe / Uma deidade tão bela, / Que tenha uns olhos brilhantes / Como são os olhos dela”.31

“Saudades”, datado de 25 de fevereiro de 1855 e publicado na Marmota Fluminense nº 578 de 1º de maio, é novamente dedicado a Braga e tem como epígrafe estes outros versos do amigo: “Vai oh! meu saudoso canto / Dizer um nome - Saudade!”. Tratava-se de um poema endereçado ao mesmo Braga, que teria viajado por aquela ocasião, e a quem o jovem Machado procurava alcançar por intermédio da expansão lírica. Algumas de suas estrofes, recortadas aqui como exemplo, dão bem a idéia da pungente e algo exagerada prova de afeto do jovem escritor:

Recebe, ó Braga, o meu canto, 29 MASSA, pp. 106 e 116, respectivamente. 30 MAGALHÃES Jr., vol. 1, p. 33. 31

ASSIS, Obra completa, vol. III, pp. 283 e 284. Galante de Sousa registra o poema intitulado “Soneto”, publicado no Periódico dos Pobres em 3 de outubro de 1854, como o texto mais antigo que se pode atribuir a Machado (informação originalmente divulgada em artigo publicado no Jornal do Brasil de 25 de novembro de 1972, que o estudioso iria reproduzir no volume Machado de Assis e outros estudos, Editora Cátedra, 1979). Conferir, a respeito, MAGALHÃES Jr., vol. 1, pp. 17 e 18. Valentim Facioli, em “Várias Histórias para um Homem Célebre”, ainda registra “A Palmeira” como o texto mais remoto do escritor (BOSI, p. 16).

Que eu cá de longe t’envio; São orvalhadas do pranto Secas flores do estio; É prova da lealdade Duma constante amizade. (...)

Saudade! bebi na taça O fel amargo da dor; Quis horrífica desgraça Que te não visse, cantor; Dei de rojo o corpo ao leito. Sufoquei a dor no peito! Adeus... não pode minh’alma Entre suspiros cantar;

Minha dor somente acalma Se ouvir teu doce trovar,

Que entre o fel, que o peito traga, Um nome me adoça é BRAGA.32

Outro poema ainda, “A Saudade”, datado de 1º de setembro de 1855 e publicado na

Marmota Fluminense nº 632, em 5 de outubro, traz novos versos de Braga na epígrafe, que

por sua vez mencionam o escritor quinhentista Bernardim Ribeiro, assinalando um dos temas por excelência da lírica portuguesa: “Saudade! ó casta virgem, / Qu’inspiraste a Bernardim, / Nos meus dias de tristeza / Consolar tu vens a mim.”33

E, no dia 9 de outubro, dias depois, no mesmo periódico (nº 634), Machado endereçava novamente a Braga a sua admiração e o seu afeto no poema intitulado “No Álbum do Sr. F. G. Braga”.34 Aqui, fazia referência explícita à fina flor da poesia lusa - Bernardim Ribeiro, Luís de Camões, Bocage, Almeida Garrett - , situando o amigo nessa linha de tradição. Referia-se ainda a outros escritores de amplitude universal, como Homero, Virgílio e Tasso. Daqueles primeiros poetas, Braga receberia, segundo Machado, o facho que leva adiante, cantando igualmente alguns dos temas fundamentais da tradição portuguesa: “Assim da lira tu, ferindo

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MASSA, Dispersos de Machado de Assis, p. 3.

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Op. cit., pp. 16-17.

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as cordas, / Cantas amores que em teu peito nutres, / Choras saudades que tu’alma sente; / Ou ergues duradouro monumento / À cara pátria que distante choras.”

São todos textos de 1855, dos primeiros do escritor, quando este estava à roda dos 16 anos de idade. A referência, neste último poema, aos autores portugueses acima indicados acusa alguma leitura dos mesmos, cuja extensão e profundidade, naquele momento, não se pode ao certo avaliar. De qualquer forma, revela uma primeira aproximação de Machado de um panteão literário que estaria conhecendo por intermédio de um de seus epígonos aqui radicados.

A respeito da tradição poética que se apresentava ao jovem Machado, Jean-Michel Massa faz algumas observações que dão bem a deixa para a abordagem de alguns dos outros autores menores com quem Machado iria se relacionar:

Definido o papel de Braga na formação de Machado de Assis, é na tradição poética da época que se deve pesquisar outros de seus guias literários. A tradição nos parece ser antes luso-brasileira do que brasileira ou portuguesa, em razão dos laços bastante estreitos que uniam as duas literaturas, pelas suas nacionalidades e a aceitação de temas similares ou paralelos. Havia toda uma literatura de segunda camada e algumas personalidades literárias que se destacavam, entre as quais Garrett em Portugal, “adorado” em toda parte e, no Brasil, Gonçalves Dias e a estrela ascendente de Álvares de Azevedo.

Machado de Assis era sensível aos discípulos e aos epígonos dos grandes astros; ele se inseria numa tradição poética.35

Convém reter aqui a sugestão do biógrafo de que Machado procurava se inserir numa tradição poética que era antes de tudo luso-brasileira. O viés luso de tal tradição encontrava certamente bons animadores entre outros amigos da colônia portuguesa que o escritor então freqüentava.