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Primeira Parte: O contexto luso-brasileiro de Machado de Assis

Capítulo 3 Faustino Xavier de Novais e O Futuro

1. Um periódico luso-brasileiro

O irmão mais velho de Carolina, Faustino Xavier de Novais, poeta satírico de alguma nomeada em seu país, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1858, cerca de uma década antes da irmã, para levar adiante sua carreira como escritor em terras brasileiras, atraído, como muitos outros portugueses, pelas melhores condições de trabalho aqui entrevistas.1

Informações relativas à vinda de Novais para o Brasil e sua instalação no Rio de Janeiro podem ser lidas nas páginas de seu biógrafo Sanches de Frias: “Apesar do altíssimo apreço, em que era tido, e da custosa despedida da casa paterna, aos 38 anos de idade, partia Novais, em companhia de sua mulher, a bordo do paquete Tomar, com direção ao Rio de

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Faustino Xavier de Novais nasceu no Porto em 17 de fevereiro de 1820. Seguiu durante algum tempo a profissão do pai, Antônio Luís de Novais, que era ourives, dedicando-se em seguida à carreira das letras. Ainda no Porto, colaborou em muitos periódicos literários, como O Bardo, que ajudou a fundar com A. Pereira Caldas em 1852, Miscelânea Poética (1851-52) e A Grinalda (publicado entre 1855 e 1869), entre outros. Impôs-se aos contemporâneos sobretudo como poeta satírico, recebendo, a propósito, o apelido de “o Nicolau Tolentino Moderno”. Publicou, ainda em Portugal, os volumes Poesias, em 1855, e Novas poesias, em 1858, estas precedidas de um juízo crítico de Camilo Castelo Branco, de quem era amigo e com quem estreitamente privou durante a primeira fase de sua vida. Nesse mesmo ano de 1858, mudou-se para o Rio de Janeiro, com a esposa Ermelinda Augusta de Novais, para tentar a carreira de escritor na ex-colônia. Acabaria se dedicando, para sobreviver, também a atividades comerciais, depois de uma breve incursão como editor do periódico O Futuro, que circulou entre 15 de setembro de 1862 e 1º de julho de 1863. Problemas na esfera conjugal, instabilidade financeira e uma crescente complicação de sua saúde mental iriam marcar seus anos em terras brasileiras. Novais morreria em 16 de agosto de 1869, no Rio de Janeiro, pouco tempo antes do casamento de sua irmã com Machado de Assis, mergulhado em plena demência. Um apanhado relativamente amplo e documentado da trajetória de Faustino Xavier de Novais encontra-se nas páginas do seu biógrafo Sanches de Frias, Memórias

literárias: apreciações e críticas (Lisboa: Tip. da Empresa Literária e Tipográfica, 1907), especificamente entre

as páginas 266 e 396. Algumas informações bio-bibliográficas podem ser lidas ainda nos verbetes dedicados ao autor em algumas obras de referência, como, por exemplo, o Dicionário de literatura portuguesa (Org. e direção de Álvaro Manuel Machado. Lisboa: Presença, 1996), Dicionário de Camilo Castelo Branco (Org. de Alexandre Cabral. Lisboa: Caminho, 1989), ou ainda no Pequeno dicionário de literatura portuguesa (Org. de Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix, 1981). No que diz respeito às relações entre Novais e Machado, encontram-se algumas informações nos estudos biográficos de Massa e Magalhães Jr., bem como na Bibliografia de Machado

Janeiro, aonde chegou a 3 de junho de 1858, e onde teve excelente acolhimento de portugueses e brasileiros, distinguindo-se entre estes o bem-quisto e já então afamado poeta Casimiro de Abreu (...)”.2

De fato, Casimiro saudava o poeta português logo à sua chegada, no Correio Mercantil de 07 de junho de 1858, ao longo de oito oitavas, reproduzidas pelo biógrafo de Novais, datadas de 05 de junho, cuja primeira estrofe, um bom exemplo do caráter de toda a composição, rezava exatamente o seguinte:

Bem-vindo sejas, poeta a estas praias brasileiras! Na pátria das bananeiras as glórias não são demais. Bem-vindo, ó filho do Douro! A terra das harmonias,

que tem Magalhães e Dias, bem pode saudar Novais.

Sanches de Frias continuava o seu relato tratando das primeiras relações do poeta satírico no Rio de Janeiro, justamente no seio da colônia portuguesa, em meio à qual se encontravam alguns dos nomes abordados mais atrás:

Não arranjou logo residência fixa, mas facilmente se relacionou com diferentes entidades, no meio das quais se distinguiam os vultos principais da colônia portuguesa, de que faziam parte - em abastança e comércio, o conde de S. Mamede e o da Estrela - em letras, José Feliciano de Castilho - em letras e comércio, Reinaldo Carlos Montoro, Ernesto Cibrão, Fernando Castiço, Antônio de Almeida Campos, Manuel de Melo, Joaquim de Melo, Francisco José Corrêa Quintela, José Coelho Louzada, Augusto Emílio Zaluar e outros.3

E é o mesmo biógrafo quem sintetiza bem a empresa editorial a que Novais iria se dedicar alguns anos depois de sua chegada:

Embora soubesse, por experiência própria, que seria difícil angariar largos meios pela pena, ao notar-se que, na capital brasileira, havia falta de um periódico ilustrado de letras e artes, Novais tentou supri-la, principiando em 15 de setembro de 1862 a publicar O Futuro, colaborado por escritores de aquém e além do Atlântico. Em 1 de julho do ano seguinte, porém, terminava a

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FRIAS, Memórias literárias, p. 279.

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existência dessa publicação esmerada, de que chegamos a ver alguns números, por falta de pagamento de numerosos assinantes e pelo traiçoeiro procedimento de um credor, um negociante, que se dizia protetor da empresa e amigo do empresário.4

Jean-Michel Massa registra que Machado terá conhecido o irmão de sua futura mulher por intermédio de Augusto Emílio Zaluar.5 Alguns meses antes de se iniciar a publicação do periódico quinzenal dirigido por Novais, o escritor brasileiro, devidamente inteirado, já anunciava e saudava a empresa em crônica publicada no Diário do Rio de Janeiro de 24 de março de 1862:

O Futuro, revista que aparecerá cada quinzena, é mais um laço de união entre a nação brasileira

e a nação portuguesa. Muitas razões pedem esta intimidade entre dois povos, que, esquecendo passadas e fatais divergências, só podem, só devem ter um desejo, o de engrandecer a língua que falam, e que muitos engenhos têm honrado.

O Futuro, concebido sobre uma larga base, é uma publicação séria e porventura será duradoura.

Tem elementos para isso. A natureza dos escritos que requer um folheto de trinta páginas, publicado cada quinzena, muitos dos nomes que se me diz farão parte da redação, entre os quais figura o do velho mestre Herculano, e a inteligência diretora e proprietária da publicação, o filho dileto do autor do Bilhar, F.X. de Novais, dão ao Futuro um caráter de viabilidade e duração.

Este abraço literário virá confirmar o abraço político das duas nações. Não é por certo no campo da inteligência que se devem consagrar essas divisões que são repelidas hoje.

Os destinos da língua portuguesa figuram-se-me brilhantes; não individuemos os esforços; o princípio social de que a união faz a força é também uma verdade nos domínios intelectuais e deve ser a divisa das duas literaturas.6

O texto é claro, mas convém sublinhar. Machado saudava a fraternidade literária luso- brasileira a que se propunha a nova publicação, mais uma contribuição, a seu ver, para superar “passadas e fatais divergências” entre os dois países. Acima de tudo, estaria o objetivo de “engrandecer a língua”, tarefa que os intelectuais de aquém e além-mar, unidos num mesmo esforço, deveriam ter em comum. A união literária selaria assim a união política entre as duas nações. Fala aqui, certamente, um escritor já algo deslocado do ponto de vista mais restritamente nacionalista do Romantismo da primeira hora, distante, portanto, dos ímpetos de ruptura dos laços espirituais que uniam o país à antiga metrópole.

4

Op. cit., p. 288.

5

MASSA, A juventude de Machado de Assis, p. 208.

6

Se o “filho dileto do autor do Bilhar” (e Machado está aqui aludindo a Nicolau Tolentino, autor da referida composição, poeta satírico a que a crítica tradicionalmente tem filiado Novais) não iria contar com a colaboração de Alexandre Herculano, como esperava o cronista, contou, sim, com a colaboração de uma série de escritores portugueses de maior ou menor renome, que enviavam do outro lado do Atlântico material a ser impresso na revista, ao lado da colaboração de portugueses sediados no Brasil e de alguns brasileiros, entre os quais, e muito assiduamente, o próprio Machado.

No primeiro número de O Futuro, de 15 de setembro de 1862, pode-se ler texto de Reinaldo Carlos Montoro, intitulado “Ao Público Brasileiro e Português”, que se propunha como uma espécie de manifesto de intenções do periódico, e que em muito ecoava as palavras com que Machado, alguns meses antes, anunciara a empresa. Por tratar-se de texto bastante elucidativo do ponto de vista de muitos dos seus colaboradores e do espírito geral da publicação (e, hoje, de restrito acesso), conviria transcrever aqui, mais extensamente, algumas passagens. A título de curiosidade, atente-se que o artigo, ao seu final, vem datado do dia 7 de setembro de 1862, aniversário da Independência política brasileira, eventualmente mais do que simples acaso.

Já de início, o articulista declarava:

Este periódico vai tentar a realização de um pensamento há muito concebido por todos os que prezam as literaturas dos dous países em que se fala a língua portuguesa. Estabelecer um campo comum, em que livremente, sem preocupações mesquinhas de opinião ou nacionalidade, viessem discursar os escritores de ambas as nações, levar a estas o conhecimento mútuo do movimento literário de cada uma, e dar impulso com o exemplo recíproco, ao progresso literário de países tão férteis em imaginações ricas e pensadores elevados, - é propósito que pode fazer sorrir incrédulos do adiantamento, ou entristecer as almas mesquinhas que amam a sombra e o isolamento, e receiam os salões iluminados, os banquetes fraternais em que há sociabilidade, mas há de alegrar, enobrecer de aspirações os ânimos generosos, que sonham futuro, amplo em civilização e grandeza social, para as duas nações de origem portuguesa. Por que recearemos, nós, soldados da pátria intelectual, em qualquer dos dous países, juntar-nos em arraial comum, depor as armas em feixes entremeados, para concertar-nos nos preparativos à conquista da primazia intelectual: não têm vida própria ambas as nações, não têm consciência da sua força, não tem uma o passado que a sustenta, não tem outra a grandeza da sua missão, que lhe fortalece a dignidade? Para que arrefecimentos de entusiasmo, quando se trata, não de ceder qualquer das prerrogativas sociais de nação independente, mas, ao contrário, de dar mais força à existência social de cada nação, promovendo

com a emulação nobre, o adiantamento literário, que é a muralha ideal, sim, mas inexpugnável, que defende as nações contra o estranho domínio? (...)7

Montoro propõe claramente a união dos esforços intelectuais dos dois países, sem prejuízo para a independência política de qualquer um deles, a fim de que “as duas nações de origem portuguesa” possam (e isso ficará mais claro a seguir) se impor no cenário internacional. Um lugar-comum sempre repisado quando se trata de estabelecer vínculos de fraternidade entre os dois países será lembrado aqui: Portugal tem todo o lastro do seu passado de Império e conquistas a oferecer, ao passo que o Brasil é um promissor país do futuro. E será justamente O Futuro, na proposta dos fundadores do periódico, o palanque literário de onde poderão falar os representantes de Portugal e Brasil.

Na seqüência de sua argumentação, num lance de idealismo explícito, o articulista irá frisar que o desenvolvimento intelectual é sempre a base para o desenvolvimento social e econômico. Sendo assim, unindo esforços para o desenvolvimento intelectual comum, Brasil e Portugal poderiam lograr estar entre as primeiras nações civilizadas do mundo.

E Montoro continuava, atacando agora aqueles que, nos dois países, em espírito anti- nacional, supervalorizam o que vem de fora em detrimento da produção intelectual própria:

E não venham amortecer-nos o entusiasmo, a nós, jovens que entramos neste combate contra a estagnação intelectual das nossas pátrias, os maldizentes das próprias nações, que só têm admirações e aplausos para obras de algibebes literários do estrangeiro: para eles tudo o que o Brasil e Portugal produzem é imperfeito, não tem o cunho da graça francesa, da profundidade alemã, do positivismo inglês: pobres homens de letras de aquém e além-mar, a vossa língua, no entender destes sábios sem pátria, é bárbara, pobre, desenfeitada, é pedinte esfarrapada, que, quando muito, pode furtar às ricas senhoras do norte a esmola forçada de algumas traduções! (...)

Registre-se que o espírito anti-nacional, nas últimas formulações acima, manifesta-se sobretudo pelo menosprezo da língua comum e pela valorização excessiva das línguas estrangeiras. A língua portuguesa é outro dos fatores sempre lembrados a justificar a fraternidade como que incondicional e imediata entre os dois países.

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Estas e as demais passagens do artigo foram transcritas de O Futuro, nº 1, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1862.

Montoro seguia adiante, nuançando um pouco os últimos argumentos, reconhecendo, sim, o valor das literaturas estrangeiras, posto que admoestando os intelectuais brasileiros e portugueses a investirem energias na valorização das literaturas nacionais.

Amarrando as idéias anteriormente semeadas, o autor conclui seu artigo em tom bastante exclamativo, sintomaticamente projetando em direção ao “futuro” as esperanças de revigoramento espiritual e material de ambos os países, empreendimento ao qual O Futuro estaria dando agora sua contribuição:

É o mais humilde de todos os amadores da literatura, quem vem aplaudir o pensamento da redação perante os seus companheiros de trabalho ou de intenções; o público de ambos os países entra no número dos últimos, pois é em intenções tão elevado como o mais valente idealista. Sabemos que muitos espíritos distintos de ambas as nações partilham a nossa opinião: honra a estes crentes da pátria, que não olham só para a palidez e crepúsculo vago do dia atual, vêem mais longe, em dias vindouros, a renovação da força material pelo impulso das idéias. Esta humilde voz não tem outro mérito particular senão estimar com igual amor ambos os países, desejar o desenvolvimento de suas instituições livres, sonhar para ambos idêntica grandeza. Nações do

futuro, é precedidas por esta flâmula significativa, que vão dar a primeira manifestação da sua

força comum: os amigos do progresso nacional, em ambos os povos, aplaudem de coração a tentativa!

Estas conclamações à fraternidade entre Brasil e Portugal vão encontrar substância nas páginas da revista reiteradamente. Não se pode perder de perspectiva que muitos dos seus principais colaboradores, a começar pelo próprio editor, eram portugueses que guardavam fortes vínculos com o país de origem, a despeito de apostarem na nova terra como espaço possível de realização artística e profissional. Ocupavam uma espécie de lugar “entre”, e vislumbravam nesse “entre-lugar” um campo ideal de afirmação.

Como ilustração do que Montoro logo no primeiro número havia traduzido em prosa, mas agora explicitando mais precisamente o sentimento do imigrante e o sentido que a fraternidade luso-brasileira pode ter para ele, lê-se o poema “Ao Brasil”, no décimo número do periódico, assinado pelo português M. Reis Fojo Seabra e datado de 10 de janeiro de 1863. Das 13 estrofes do poema, cada qual com seis versos, alternando clássicos decassílabos e hexassílabos num esquema rímico cerrado (aabaac), transcrevem-se aqui as quatro primeiras:

Vem dar-vos nova lira um canto novo, Sincero e não servil!

É pura a voz de um luso expatriado, Que chora, de saudades traspassado,

Nos braços do Brasil!

Cessem caprichos vis, ódios impuros, Que ergueram entre nós altivos muros,

Na escuridão fatal!

Já surgiu do progresso a nova aurora, São livres, são iguais, irmãos agora

Brasil e Portugal!

Fôra destino tal por Deus previsto;

Oramos, desde o berço, aos pés de Cristo, A Cristo ajoelhais:

Seguimos na existência os mesmo trilhos; As crenças que ensinais a vossos filhos

Já vêm de nossos pais!

Na língua de Camões, Caldas cantara; Nas vozes que Bocage ao céu falara,

Ao céu falou Durão:

Bradar podemos ambos: - Liberdade! - Em fraternal consórcio de amizade,

Num aperto de mão.8

Se o português que deixa sua terra chora ainda de saudades quando aqui chega, há motivos vários para atenuar esse sentimento. Cicatrizadas as feridas da ruptura política, o que se quer ver agora são duas nações livres e irmãs, com vínculos fortes de religião, costumes, língua e literatura a uni-las e a alicerçar o progresso comum. Em tudo se sublinham continuidades. A ameaça da cisão surge exorcizada, transmutadas as tensões ideológicas em paixões negativas - “caprichos vis”, “ódios impuros” - que devem ser repelidas como sentimentos excepcionais e nefastos.

Entre os amigos portugueses de Machado que vêm sendo enfocados com algum destaque neste estudo, além do próprio Reinaldo Carlos Montoro e de Faustino Xavier de Novais, vale registrar a colaboração esporádica de Ernesto Cibrão e Augusto Emílio Zaluar.

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Entre os escritores portugueses de renome, Camilo Castelo Branco, amigo pessoal de Novais, é o mais assíduo, com ensaios, crônicas e narrativas em muitos números do periódico, nomeadamente “O maior amigo de Luís de Camões” (O Futuro nº 1), “Conhecimentos úteis” (nº 4), “Que destino!” (nºs 7 e 8), “Dous casamentos” (nºs 10 e 11) e “Agulha em palheiro” (do nº 14 ao 20). Ana Plácido, companheira de Camilo, assina nos nºs 11 e 12 o moralizante “A desgraça da riqueza”. A “Crônica da Literatura Portuguesa”, que se pode ler nos nºs 4 e 8, vem assinada por Ramalho Ortigão, que se dedica a resenhar ali livros portugueses recentes, como, por exemplo, Memórias do cárcere, de Camilo Castelo Branco (O Futuro nº 8).

Antônio Feliciano de Castilho, convidado a colaborar, escusa-se alegando excessivos compromissos. Datada de Lisboa, 11 de agosto de 1862, é a missiva de sua lavra que o editor reproduz no quinto número do periódico:

Com bem mágoa minha me tenho visto, e me vejo ainda, privado de tomar quinhão no banquete literário com que projetastes regalar a nossa gente d’aquém e d’além mar, os leitores portugueses e os brasileiros. Supérfluo é dizer-vos que não tem sido por falta de vontade; nenhum dos vossos convidados a teria maior de ir tomar assento em companhia tão luzida, convocada por vós, e sob a vossa presidência; porém compromissos anteriores, ocupações também literárias e incessantes, não me deixam hora vaga, e não só vaga, mas folgada e boa, como a eu precisava e queria, para me não apresentar menos decente no vosso congresso tão brilhante.9

Mas se Castilho não irá colaborar diretamente no periódico, não deixa de recomendar outro autor da sua roda de influência, o poeta Antônio Simões de Cabedo, cujo poema “Carta a um Regedor”, acatada a recomendação, será transcrito logo a seguir à carta enviada de Lisboa.

Mesmo sem assinar outro texto, o espectro de Castilho se fará presente aqui e ali, revelando a sua grande influência sobre os últimos românticos e epígonos de aquém e além- mar. Camilo, por exemplo, no nº 14 de O Futuro, não se conterá ao lhe dedicar encarecidamente o “Agulha em palheiro”: “Ao poeta das crianças, das flores, do amor, da melancolia e dos desgraçados, ao Ilm. e Exmo. Sr. Antônio Feliciano de Castilho, honra da

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pátria, honra dos que o prezam e amam a pátria, oferece o amigo, o respeitador, o discípulo mais devedor Camilo Castelo Branco.”10

A propósito de se encarecer Castilho, convém ressaltar que prenúncios do que seria mais adiante a famosa Questão Coimbrã já chegavam ao Brasil na pena de Miguel de Novais, irmão de Faustino, diretamente de Portugal, na seção “Correspondência”, a ele creditada na revista. No nº 3, lê-se o seguinte trecho de missiva enviada do Porto e datada do dia 10 de setembro de 1862:

O poema D. Jaime e a Conversação preambular - de A. F. de Castilho, têm dado causa a

intermináveis polêmicas, a mil discussões, que tarde findarão.

O Ramalho Ortigão foi o primeiro que apareceu em campo, combatendo a opinião de Castilho. Surgiu depois o Soromenho, de lança em riste, dirigindo botes ao mesmo alvo. Um Leonel de Sampaio veio em seguida, como regedor zeloso do seu cargo, harmonizar os contendores; parecia- lhe que o Castilho derramava demasiado incenso na Epopéia Nacional, mas censurava o Ramalho por exigir correção gramatical num poema!

Apareceu finalmente na Revolução de Setembro um Sr. Pinheiro das Chagas, nome que nem a linha telegráfica, nem as corridas diárias de mala-posta tinham feito chegar a esta cidade, em