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Tendo visto todo o embate acerca do conceito de dano moral bem como as espécies de danos morais existentes, cabe agora a análise da função ou das funções do dano moral.

A análise é de suma importância porque há na doutrina discussão sobre qual é a verdadeira função do dano moral e por isso, dependendo da corrente a qual o indivíduo simpatize, pode haver para alguns apenas uma função para o dano moral - qual seja função compensatória, e para outros uma função mista do dano moral, ou seja, o dano moral teria uma função compensatória e punitiva ao mesmo tempo, e até mesmo predominantemente punitiva.

Diante dessa discussão parte-se agora para a análise de cada uma dessas funções, apresentando os argumentos daqueles que defendem as diferentes correntes.

3.5.1 Função compensatória do dano moral

55 DINIZ, 2010, p. 94.

Ao contrário dos danos patrimoniais - em que a função da indenização é puramente ressarcitória porque os danos são perfeitamente calculáveis, podendo-se facilmente chegar a um quantun indenizatório, tendo em vista que o dano é sempre um bem patrimonial e, por isso, a facilidade de calcular o dano - aos danos morais o mesmo não acontece, pois como o objeto atingido é um bem imaterial, como, por exemplo, os direitos da personalidade, não há como se calcular a dor experimentada e, portanto, o dano moral teria uma função compensatória, pois diante da impossibilidade de se chegar a um denominador específico para o ressarcimento, deve-se ao menos compensar a dor que o sujeito passivo sofreu.

Nesse sentido, Reis, ao comentar a função compensatória, esclarece que:

Dessa forma, o efeito compensatório não possui função de reparação no sentido lato da palavra, mas apenas e tão somente de conferir a vítima um estado d’alma que lhe outorgue a sensação de um retorno do seu animus ferido à situação anterior, à semelhança do que ocorre no caso de ressarcimento dos danos patrimoniais.57 (grifo

do autor)

Marmitt acrescenta ainda que:

A finalidade reparatória repousa em fatores de compensação, e não de reposição. A função reparadora é apenas compensatória, para minimizar os efeitos da lesão. Na esfera dos danos morais não há indenização precisa e cabal, pois nela joga-se com valores subjetivos. 58

Assim, como na grande maioria das vezes, o dano moral é irressarcível, visto que nenhuma quantia seria suficiente para reparar o mal sofrido, o que se busca com a indenização é uma compensação à vítima para que possa ao menos ver o seu abalo amenizado, sendo que algumas vezes é capaz até mesmo de ser satisfativa.

Embora irressarcível o dano moral no sentido de que não seja possível alcançar a situação anterior à lesão sofrida, superada está a corrente negativista da reparação do dano moral que dizia ser impossível ressarcir o dano moral, eis que este atingia valores imateriais e tais direitos de forma alguma poderiam ser calculados de forma pecuniária, pois não teriam valor estimável.

Esta tese há muito foi superada, tanto na doutrina quanto na legislação, pois como fora visto, o dano moral e o seu ressarcimento são previstos tanto na Constituição Federal Brasileira de 1988 quanto no Código Civil Brasileiro de 2002, além de algumas outras leis esparsas, e a doutrina derrubou todos os argumentos que eram levantados tal corrente, pois o objetivo da indenização não é mensurar ou atribuir preço à dor.

Não há na doutrina e nem na jurisprudência dúvidas quanto à função compensatória do dano moral no sentido de que se não se pode satisfazer o dano

57 REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização por danos morais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 186. 58 MARMITT, 1999, p. 45.

experimentado pelo sujeito passivo, retornando ao estado anterior, mas ao menos se tenta amenizá-lo, como lenitivos satisfatórios.

3.5.2 Função punitiva do dano moral

De outro lado, há defensores de que é necessária a aplicação da função punitiva da indenização por danos morais de forma autônoma, porém sem respaldado na jurisprudência e na esmagadora maioria da doutrina pátria.

Embora a maior parte da doutrina e jurisprudência reconheçam a dupla função do dano moral, que será analisada no item seguinte, na legislação pátria não se vislumbra a aplicação autônoma desta função como ocorre nos países que adotam como sistema jurídico o Common Law, que também será analisado em posterior.

A função punitiva consiste em aplicar uma sanção ao sujeito que ocasiona o dano moral, sendo esta, na grande maioria das vezes de forma pecuniária, para desestimular e inibir o infrator e outros a cometerem a mesma ação lesiva.

Embora a jurisprudência e a grande maioria dos autores não aceitem este tipo de função no direito brasileiro, alguns, porém, dizem ser necessária a aplicação da função punitiva do dano moral, inclusive com a possibilidade de aplicação de uma sanção não apenas pecuniária, como argumenta Bittar, senão vejamos:

[...] sempre que o agente não tenha bens, ou sejam insuficientes, frustrando-se a reparação do lesado, pode-se lançar mão de sanção não pecuniária, com a submissão pessoal do lesante a obrigação de fazer, ou de não fazer, como, por exemplo, no plano penal como penas restritivas de direitos. Pode-se, ainda, usar desse expediente em cumulação com o ressarcimento pecuniário, sempre que o magistrado assim o entender conveniente, diante das circunstâncias do caso, e uma vez presentes pressupostos de direito. 59

Embora esse tipo de defesa seja um caso à parte na doutrina, alguns autores mais novos, como Andrade e Resedá, vêm acenando para a possibilidade da aplicação da função punitiva do dano moral de forma autônoma da função compensatória, mas apenas em casos específicos e sempre de forma pecuniária, aos moldes do punitive damages (danos punitivos), que será analisado mais adiante.

59 BITTAR, 1997, p. 229-230.

3.5.3 Função mista da indenização por danos morais

Embora não se vislumbre a análise autônoma da função punitiva da indenização por danos morais no direito brasileiro, para uma grande gama de doutrinadores a indenização por dano moral teria uma dupla função: uma função punitiva para o autor do dano e uma função compensatória para o sujeito lesado.

Para esses autores, o alcance do instituto deve ser muito maior do que a aplicação exclusivamente da função compensatória, pois caso assim se proceda, muitos outros pontos relevantes estariam sem o devido pálio, sobretudo porque a indenização do dano moral sob a análise exclusivamente da função compensatória, poderia levar ao pagamento de valor pecuniário que fosse apenas simbólico, visto que por este prisma analisar-se-ia apenas a dor sofrida pelo sujeito passivo, como aponta Moraes. 60

Andrade ao comentar o assunto expõe que a indenização pelo dano moral não cumpre apenas o papel de compensação pelo dano à vítima, mas que a indenização teria uma dupla função: “do lado da vítima, atuaria como compensação pelo dano sofrido; enfocado o ofensor, funcionaria como uma pena pelo dano causado”. 61

Apenas a título demonstrativo, traz-se o exemplo apontado pelo Ministro do STF José Carlos Moreira Alves, citado por Moraes:

Sob outro ponto de vista, argumentou-se que a idéia de compensação, isto é, a substituição da tristeza por prazeres que a pecúnia poderia propiciar, serve de fundamento à reparação do dano moral apenas para vítimas das classes mais desfavorecidas, para as quais “um aparelho de televisão, uma viagem, podem atuar como motivo de alegria”. Se, no entanto, fosse esse o único fundamento da reparação, afirmou-se, a vítima rica, uma pessoa de posses, “jamais seria indenizada”. Daí resulta o entendimento de que a reparação do dano moral tem também um caráter de pena: é uma justa punição que deve reverter em favor da vítima. 62 (grifo do autor)

Assim, a função punitiva teria como característica, além de punir o ofensor, servir de exemplo para que ele e outros não voltem a cometer o mesmo ilícito; seria algo parecido com a teoria do desestímulo (teoria aplicado no sistema Common Law, nos casos do punitive damages) 63, pois segundo Bittar, “a indenização por danos morais deve traduzir-se em

60ALVES apud MORAES, 2003, p. 223. 61 ANDRADE, 2010, p. 151.

62 MORAES, op. cit., p. 220-221.

63 Punitive Damages, que em tradução livre significa danos punitivos, é instituto típico dos países que adotam

como forma de lei o sistema do Common Law, que se inspira nos costumes e casos anteriores para a aplicação da lei.

montante que representante advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo”. 64

Ressalta-se que a função punitiva do dano moral não foi adotada pelo legislador ordinário, entretanto, uma grande leva de doutrinadores acena para este entendimento e a jurisprudência majoritária também entende pela dupla função da indenização por dano moral, como aponta Moraes. 65

Entre os autores que aceitam a função punitiva do dano moral, podem-se citar: Américo Luís Martins, André Gustavo de Andrade, Antônio Jeová dos Santos, Carlos Alberto Bittar, Clayton Reis, Maria Helena Diniz, Salomão Resedá e outros.

Entretanto, há autores que não admitem a dupla função da indenização por dano moral, como José Aguiar Dias e Pontes de Miranda, que argumentam para tanto as mesmas teses utilizadas para negar a aplicação autônoma da função punitiva.

Adianta-se que um dos argumentos levantados por esses ilustres autores reside no fato que não há a possibilidade de aplicação de pena no âmbito de direito civil, uma vez que pena é instituto do direito penal, atinente ao direito público e não ao direito civil, que cuida da relação de direito privado.

É por esse motivo que se tem procurado substituir a terminologia função punitiva por outras, como teoria do desestímulo (como já fora visto) ou ainda, como se usará no presente trabalho, função pedagógica, mais apropriada ao instituto.

Ressalta-se que, ao contrário do entendimento de alguns doutrinadores mais modernos (como Andrade e Resedá), os quais acenam para a possibilidade da aplicação autônoma da função punitiva, aos moldes do punitive damages, a função mista da indenização por danos morais, assim entendido pela grande maioria dos autores pátrios e jurisprudência, é uma só, ou seja, essa dupla função está contida numa única sentença que concede a indenização, sendo a função punitiva “puramente reflexo” da própria indenização, como aponta Gonçalves.66

Embora fora dito que a indenização por danos morais seja aceita pela jurisprudência majoritária, não há como negar que ao prolatarem suas decisões, os juízes acabam tendo que optar pela preferência de uma das funções e o que ocorre é a preferência pela função compensatória, como aponta Resedá:

64 BITTAR, 1997, p. 233.

65 MORAES, 2003, passim.

66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007,

Inexiste posicionamento consolidado no tratamento destinado ao quantum indenizatório. A jurisprudência dos Tribunais brasileiros, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, inclina-se no sentido de assegurar um valor meramente satisfatório para a vítima, sem que haja uma preocupação maior com uma possível restrição a ser imposta ao agressor.67

Resedá ainda critica o Superior Tribunal de Justiça, comentando que este quando diante de indenizações mais severas (em que se vislumbra a função punitiva), acaba por atenuá-las sobre a alegação de prevenção ao enriquecimento sem causa do ofendido, demonstrando assim, segundo ele, a preferência da Corte pela função compensatória, senão vejamos:

Ademais, essa intervenção contínua do Superior Tribunal de Justiça acaba por refletir uma tentativa de manutenção de suposta ordem social a partir de reiteradas reduções de valores determinados a título de indenização por danos morais. A alegação de prevenção ao enriquecimento sem causa do ofendido acaba por desaguar num tabelamento implícito feito pelos ministros daquela Corte. Não é difícil de concluir nesse sentido! Basta realizar um levantamento jurisprudencial acerca de determinado tema, que acabará por encontrar um valor específico para essa ação. 68

Por fim, ressalta-se que a função punitiva também contida nas indenizações por danos morais, aceita pela majoritariedade de autores e jurisprudência pátrios, é bastante inspirada no punitive damages 69 dos países que adotam o sistema do Common Law, embora

haja um abismo de diferença entre eles, sobretudo sobre a aplicabilidade. Por esta razão, passa-se a analisar o punitive damages no tópico seguinte.