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Função Hepática

No documento Bioquímica clínica em geriatria (páginas 115-119)

3 – PROCESSO BIOLÓGICO DE ENVELHECIMENTO

4 – ALTERAÇÕES METABÓLICAS RELACIONADAS COM A IDADE

4.5 Função Hepática

A percentagem de mortes atribuídas a doenças hepáticas aumenta, dramaticamente, nos indivíduos com mais de 45 anos de idade. Dados de um estudo californiano de 1997 mostraram um aumento 4 vezes superior na mortalidade relacionada com causas hepáticas, em homens e mulheres com idade entre os 45 e os 85 anos (Siegel & Franklin, 1997). Um estudo anterior, efetuado também nos Estados Unidos da

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América, em 1993, mostrou que a doença hepática foi a nona causa de morte neste país e que a taxa de mortalidade, por doença hepática crónica, era maior nos indivíduos entre os 65 e os 74 anos de idade (Siegel & Franklin, 1997). Estes dados sugerem que os idosos parecem ter uma maior suscetibilidade para a doença hepática do que os indivíduos jovens (Schmucker, 2005).

Muitos estudos têm sido efetuados, tendo como objetivo relacionar o envelhecimento do tecido hepático com as alterações no fígado, que se observam em situações normais ou quando há patologia ativa. O envelhecimento está associado a alterações graduais da estrutura e funções hepáticas, podendo aumentar o risco de incidência de várias patologias e ser um fator de mau prognóstico, causando um aumento da taxa de mortalidade (Kazuto & Shimizu, 2013; Kima et al., 2015; Regev & Schiff, 2001). O volume e o fluxo sanguíneo hepático diminuem gradualmente com a idade (Kima et al., 2015; Wynne et al., 1989). Foi determinado por exames de ultrassons, que o volume do fígado diminui 20-40% à medida que envelhecemos, podendo relacionar-se com a diminuição do seu fluxo sanguíneo e, consequentemente, com uma diminuição de cerca de 35% no volume de sangue no fígado, que se verifica nos indivíduos com 65 anos de idade ou mais, quando comparado com os indivíduos adultos jovens (Wynne et al., 1989).

A nível celular, a senescência dos hepatócitos incluem alterações do volume, poliploidia (núcleos poliploides), acumulação de corpos densos (lipofucsina) dentro das células, diminuição da área do reticulo endoplasmático liso e um declínio no número e função das mitocôndrias (Wynne et al.,1989).

Assim, o volume das células hepáticas aumenta gradualmente, à medida que estas alcançam a maturidade, mas começa a diminuir devido ao processo de envelhecimento. A lipofucsina é constituída por agregados de proteínas de ligação cruzada, não degradáveis, e formando-se quando as proteínas estão danificadas, quando desnaturam devido ao stress oxidativo e não são degradas dentro das células hepáticas. Estas lipofucsinas aumentam a formação de espécies reativas de oxigénio, diminuindo a sobrevida das células (Hohn & Grune, 2013). A poliploidia dos hepatócitos tende a ocorrer com mais frequência à medida que os indivíduos envelhecem. É acompanhada pela diminuição do número e função das mitocôndrias, resultando no declínio dos níveis de ATP nas células (Sastre et al., 1996). A área do reticulo endoplasmático liso diminui, causando uma redução na formação do reticulo endoplasmático e, consequente, redução da síntese de proteínas microssomais, no fígado. Atualmente, sabe-se pouco sobre o efeito do envelhecimento nas células do endotélio sinusoidal hepático (LSECs), nas células de Kupffer e nas células hepáticas estreladas (HSCs) (Kima et al., 2015).

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Alguns estudos sugerem que o envelhecimento influencia negativamente a função do fígado, por que causa alterações morfológicas substanciais no sistema vascular sinusoidal. Com o envelhecimento, a espessura das LSEs é alargada em 50%, enquanto o número e o diâmetro dos poros (fenestras) sinusoidais são reduzidos. A defenestração das células endoteliais pode causar a deposição de lipoproteínas do tipo quilomicras no fígado, influenciando negativamente a remoção efetiva de substâncias depositadas em excesso e criando condições que permitem o desenvolvimento de doenças autoimunes, pela interferência na interação entre linfócitos T e hepatócitos (Warren et al., 2006). À medida que a endocitose das LSE se torna disfuncional, com o avançar da idade, aumenta a deposição extra-hepática de produtos circulantes na forma de macromoléculas. Subsequentemente, aumenta o risco de doenças relacionadas com a idade incluindo a diabetes, aterosclerose, artrite e doenças neuro degenerativas (Baynes, 2001).

As alterações relacionadas com a idade, incluindo o aumento do stress oxidativo, o aumento da resposta inflamatória, a senescência celular acelerada e a disfunção orgânica progressiva afetam, significativamente, a resposta celular ao dano. No subsequente processo de lesão e regeneração, o envelhecimento diminui a capacidade regenerativa, atrasando a recuperação da função hepática. A fibrose é a consequência dessa resposta regenerativa e excessiva, desencadeada por danos hepáticos crónicos (Sanz et al., 1999). A idade avançada tem sido considerada como um fator de risco para a progressão de fibrose na hepatite C e a explicação para não haver melhorias significativas nas hepatites alcoólicas, após cessar o consumo de álcool, nos indivíduos idosos (Poynard et al., 2001).

4.5.1 Marcadores bioquímicos da função hepática

A atividade das enzimas hepáticas parece manter-se inalterada com a idade, mas os níveis séricos de gama-glutamilaminotransferase (γ-GT) e de fosfatase alcalina (ALP) estão mais elevados nas idades mais avançadas (Tajiri, 2013). Um estudo reportou uma diminuição da concentração de alanina aminotransferase (ALT) com a idade, em homens e em mulheres, independentemente da presença de síndrome metabólica, sugerindo a necessidade de identificar um limite de corte (cut-off) adequado para os valores normais de ALT, nos indivíduos idosos (Dong et al., 2010).

No processo natural de envelhecimento, a concentração de albumina sérica mantém- se ou sofre uma ligeira diminuição e a bilirrubina tende a diminuir, devido à perda de massa muscular e da diminuição da concentração de hemoglobina (Tajiri, 2013). Foi reportada uma associação entre a idade e uma diminuição modesta da concentração de albumina e um aumento da concentração de bilirrubina, após os ajustes para o

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género, uso de álcool e componentes da síndrome metabólica, sugerindo que a função hepática pode estar diminuída nestes indivíduos (Tietz et al., 1992).

4.5.2 Perfil lipídico em idades avançadas

O colesterol no plasma tem três origens distintas: absorção intestinal a partir da dieta, secreção de ácidos biliares pelo fígado e, subsequente, reabsorção no intestino, e síntese hepática. A capacidade fisiológica de absorção intestinal do colesterol e a sua síntese são determinadas geneticamente e adaptam-se às necessidades do organismo. O colesterol é transportado no plasma pelas lipoproteínas, que são macromoléculas compostas de éster de colesterol, triglicéridos, fosfolípidos e proteínas (apoproteínas) polares que promovem a solubilidade necessária para o transporte no plasma e são a chave para o seu metabolismo. As cLDL transportam a maioria do colesterol no plasma (cerca de 60%) e são responsáveis pelo transporte do colesterol do fígado para os tecidos periféricos e pelo seu depósito na camada íntima das artérias sob certas condições, iniciando o processo de aterosclerose. As cHDL podem remover o excesso de colesterol das células, incluindo dos macrófagos carregados de colesterol das lesões ateroscleróticas e transportá-lo para o fígado. Transportam cerca de 30% do colesterol no plasma. O balanço destas duas lipoproteínas determina o iniciar, a progressão e as complicações das placas de ateroma e, consequentemente, a doença associada (Francisco et al., 2013).

A concentração plasmática do colesterol aumenta com a idade, desde a puberdade até aos 45 ou 55 anos de idade, no homem, e depois começa a diminuir. Na mulher, continua a aumentar durante mais de 10 anos em relação ao homem, começando, posteriormente, a diminuir. Esta diminuição pode ser explicada pela alteração da função hepática com a idade, mas pode, também, resultar de uma seleção positiva de sobrevida dos indivíduos com níveis baixos de colesterol. Os níveis séricos de cHDL variam menos, quando comparado com a cLDL, especialmente nos homens. Nas mulheres há estudos que mostram uma maior flutuação pós-menopausa. Os fatores que determinam a concentração plasmática do colesterol são variados e dependem de circunstâncias específicas do indivíduo idoso, incluindo a dieta, exercício físico, alterações metabólicas e presença de comorbilidades (hipotiroidismo, obesidade, diabetes tipo 2, nefropatia e medicação) (Francisco et al., 2013; Mathers, 2012; Tajiri, 2013).

Não está determinado o valor ótimo de colesterol no sangue nos indivíduos com mais de 80 anos, e não está clarificada a relação entre os níveis de lípidos no sangue e o aumento do risco de mortalidade por doença cardiovascular, nessa população mais idosa (Mathers, 2012). Apesar da concentração plasmática de colesterol tender

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fisiologicamente a diminuir com a idade, a prevalência de hipercolesterolemia é muito elevada nos idosos, devido à associação entre os fatores ambientais, genéticos e as comorbilidades descritas anteriormente. A maioria das doenças cardiovasculares também é mais prevalente neste subgrupo da população, tendo sido demonstrada, em vários estudos, a associação entre os níveis elevados de colesterol no sangue e algumas dessas doenças. As Estatinas são uma terapêutica de prevenção de doenças cardiovasculares que tem mostrado ser efetiva, sendo positivo o balanço do risco benefício, na população idosa. Para os indivíduos com mais de 80 anos não há evidências de que a terapia com as Estatinas seja benéfica, estando descritos mais efeitos secundários a partir desta idade (Francisco et al., 2013).

Considera-se que avaliar, repetidamente, o perfil lipídico em pessoas com mais de 65 anos e com valores basais normais, tem um valor semiológico limitado. No entanto, sabe-se que concentrações séricas baixas de lípidos podem indicar um défice nutricional ou a presença de uma patologia oculta numa pessoa idosa, e refletir um risco aumentado de morbilidade e mortalidade (Di Angelantonio et al., 2012).

No documento Bioquímica clínica em geriatria (páginas 115-119)