• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – GLOBALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES

3.2 Globalização ou processos globais?

Encontra-se difundida uma idéia equivocada, mas prevalecente, de que a globalização se caracteriza como um fenômeno linear, monolítico e inequívoco, justamente porque o tema extravasou dos discursos científico e político para a linguagem comum. Entretanto, como chama-nos a atenção Santos (2005), embora vista como transparente e sem maior complexidade, “a ideia de globalização

obscurece mais do que esclarece o que se passa no mundo”.

E o que obscurece ou oculta é, quando visto de outra perspectiva, tão importante que a transparência e simplicidade da ideia de globalização, longe de serem inocentes, devem ser considerados dispositivos ideológicos e políticos dotados de intencionalidades específicas. (SANTOS, 2005, p. 49)

Assim, ao se falar em globalização, de regra, a referência diz respeito à

globalização econômica, partindo daí toda crítica negativa acerca de seus reflexos,

justificadas no fato de que o seu aprofundamento “mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a

49“Na era moderna, o nível de distanciamento tempo-espaço é muito maior do que em qualquer período

precedente, e as relações entre formas sociais e eventos locais e distantes se tornam correspondentemente ‘alongadas’. A globalização se refere essencialmente a este processo de alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredam através da superfície da Terra como um todo. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a milhas de distância e vice-versa.” (GIDDENS, 1991. p. 69)

ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada” (CAMPOS apud GODOY, 2004, p. 1).

Entretanto, como já referido noutro momento, a globalização também pode ser observada refletindo nos campos tecnológico, político, social, cultural e jurídico, tornando precisa a afirmação de que as transformações ocorridas a partir de então permeiam todas as dimensões sociais, em especial, as atividades desenvolvida pelo homem.

Na área tecnológica, a sociedade e o comércio global imprimem a velocidade desejada no progresso tecnológico, que os alimenta – situação traduzida como uma espécie de tecnoglobalismo, descrito como a tendência de internacionalização da tecnologia, anulando a importância dos espaços nacionais e regionais. Essa situação se torna mais presente se atentarmos para o fato de que o desenvolvimento de novas tecnologias vem servindo de justificativa – senão fio condutor – para o desenvolvimento do comércio de produtos de alta tecnologia e para a simultânea definição de alianças e projetos de cooperação empresariais, funcionando como fator permissivo ou de intensificação do movimento global.

Como asseverado por Castells (2003), a estreita interação entre a desregulamentação dos mercados e as novas tecnologias da informação permitiram a constituição de um novo sistema globalizado, pois “para abrir novos mercados, conectando valiosos segmentos de mercado de cada país a uma rede global, o capital necessitou de extrema mobilidade, e as empresas precisaram de uma capacidade de informação extremamente maior” (CASTELLS, 2003, p. 138).

A globalização política pode ser vislumbrada a partir do momento que o Estado não se mostra mais capaz de fazer frente a todos os desafios que o sistema

internacional contemporâneo lhe impõe constantemente, impedindo-o de tomar decisões locais que possam por em risco a “desejada” estabilidade do comércio mundial. São reflexos das políticas neoliberais que redundaram na desregulamentação da economia, na flexibilização e divisão internacional do trabalho, na privatização de empresas estatais, nas metas fiscais, dentre outras que, igualmente, tornaram o Estado refém de suas próprias decisões.

Nesse contexto, a partir desse deslocamento dos centros de poder, sobretudo no plano das políticas locais, a globalização mostrou sua faceta mais perversa, pois aprofundou sobremaneira o processo de exclusão e degradação social, podendo aqui ser referida como a globalização social, cuja principal conseqüência foi o agravamento da crise social, à medida que as políticas neoliberais permitem-se negligenciar questões como a pobreza, fome, guerras civis, deixando de oferecer uma solução definitiva, ao menos tentada, justificando que tais fatos representam uma situação temporária e autosolucionável – ou seja, um mal necessário e passageiro (VIEIRA, 2002).

A ocidentalização do mundo é fruto do que se pode chamar de globalização

cultural, marcada pela exportação de padrões sócio-culturais norte-americanos e

europeus para o resto do mundo, inclusive criando e recriando hábitos e necessidades artificiais com vista ao consumismo exacerbado e inconseqüente, além de estabelecer nos mais diversos países novas formas de pensar, agir e até mesmo trabalhar, ditando ritmos de consumo e técnicas de aproveitamento do tempo voltadas à produção incansável de uma quantidade maior de bens de consumo e serviços.

Na área jurídica, a globalização promove inegável impacto, pois “o novo paradigma que se afirma no atual horizonte das ciências sociais, inclusive a jurisprudência, é portanto uma dialética desses três vetores, a cibernética, referida ao controle das condutas, a globalização, referida à comunicação e o binômio capitalismo/neoliberalismo referido aos espaços político, econômico e ético da sociedade. Esses fatores repercutem na época atual e interferem na compreensão do direito, como aliás o faz em relação aos setores da vida humana” (COELHO

apud GODOY, 2004, p. 21).

De fato, o ordenamento jurídico-positivo mantido pelo Estado não se coloca mais como sistema jurídico central, concorrendo – em desvantagem – com diversas normas ditadas a partir dos interesses das grandes corporações internacionais e dos organismos intergovernamentais ou supranacionais, modificando, em absoluto, a antiga versão desenhada para o pluralismo jurídico.

Como assinalado por Faria (2004), a globalização conduziu à disseminação de “tecnologias sociais baseadas exclusivamente em critérios e valores como eficiência, competitividade e acumulação, retirando do universo do capital, da produção e do trabalho qualquer sentido de orientação humanamente significativo” (FARIA, 2004, p. 8).

Entretanto, todas essas situações mais se assemelham a reflexos que acabam convergindo para a globalização econômica, esta que é alimentada pela força do capital internacional, com o consentimento ou assentimento dos diversos atores internacionais50 que, mesmo de forma indireta, colaboram e abastecem esse processo global, tornando-se co-responsável por todos os seus reflexos.

50Até mesmo, ou em especial, o Estado, apontado por alguns autores como principal ou fundamental promotor

dos processos globais, dos quais se viu vitimado em seus elementos clássicos, a exemplo do território e sua gestão, além do seu povo e do poder sobre ele exercido. Nesse sentido, v. Matias, 2006.