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Integração Econômica, globalização e soberania

CAPÍTULO V – INTEGRAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E ESTADO

5.3 Integração Econômica, globalização e soberania

Castells (2003), referindo-se ao binômio globalização x regionalização, menciona que nas décadas de 80 e 90, a própria evolução do comércio internacional se viu fortemente marcada pela tensão entre essas duas tendências, a

seu ver evidentemente contraditórias: “de um lado, a liberalização cada vez maior do comércio; de outro, uma série de projetos governamentais para a criação de blocos de comércio” (CASTELLS, 2003, p. 152).

Sem prejuízo dessa opinião e de sua necessária contextualização, é preciso conceber, também, a possibilidade de a integração ser vista como uma forma capaz de conter ou mesmo complementar o fenômeno da globalização, de maneira tal que as vulnerabilidades decorrentes da ultrapassada postura de isolamento por parte dos Estados sejam mitigadas ou superadas pelo somatório de instrumentos e forças disponíveis a cada um dos agentes participantes do processo de integração.

De fato, considerando que os blocos econômicos mais se caracterizam como coalizões políticas e econômicas estratégicas entre países, voltados à implementação de políticas comuns entre si, é possível compreender que, embora a integração não tenha surgido como decorrência da globalização, representa, hoje, uma forma de convivência com ela, mediante adaptação de mecanismos capazes de minimizar seus efeitos ou determinados reflexos negativos inerentes ao processo global.

Esse também é o raciocínio desenvolvido por Aguillar (2006), ao referir-se à globalização e à regionalização, asseverando que aquela, não obstante o seu caráter planetário, tem ensejado a constituição de blocos regionais ou sub-regionais de estados, que buscam proteger-se contra os aspectos negativos que o processo de mundialização do capital encerra. E justifica que

[...] Isso ocorre porque, enquanto a globalização possui uma dinâmica própria, derivada em especial do novo modo de produção capitalista, sobre o qual os países isoladamente não têm qualquer domínio, a regionalização permite um certo controle sobre as variáveis do processo, dentro de um espaço territorial menor,

preparando os integrantes de determinado bloco estatal para sua inserção ordenada no mercado mundial. (AGUILLAR, 2006, p. 113)

Faria (2004) vê a regionalização como estratégia especialmente concebida para viabilizar a “obtenção de melhores condições de participação no intercâmbio mundial, maximizar o aumento das economias de escala, minimizar os custos sociais e econômicos da globalização e propiciar uma defesa minimamente eficaz contra a especulação financeira e os fluxos de capitais-não-produtivos”, sugerindo que essa tem sido a tônica no atual cenário mundial em transformação acelerada e com feições ainda incertas ou indetermináveis72 (FARIA, 2004, p. 293).

Essa assertiva é justificada e fundamentada, basicamente, em quatro iniciativas que visaram, basicamente, o “aumento, reforço, consolidação, aperfeiçoamento e adensamento dos processos de liberalização econômica intra- regional”, mas que não mais contemplam apenas e tão-somente os planos tributário e comercial, alcançando áreas outras, a exemplo da monetária, cambial e financeira, serviços, pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico, propriedade intelectual, investimentos e trabalho.

Advindas de diferentes contextos sócio-econômicos, sob distintos condicionamentos políticos e com configurações institucionais variadas, as iniciativas referidas por Faria (2004, p. 294) são, respectivamente, “o adensamento das experiências de integração européia”, “a assinatura, em 1992, do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA)”, “a constituição, após décadas de competição intensa e muita desconfiança recíproca, de uma área bastante dinâmica de cooperação econômica e comercial no Sudeste Asiático e no Pacífico – a Asia

72Como adverte Lewandovwski (2004, p. 114), não é apenas por razões econômicas ou de segurança que os

Estados agrupam-se em blocos. Associados, eles podem enfrentar melhor os desafios da globalização também em outros campos, como o ambiental e o cultural.

Pacific Economic Cooperation (APEC)”, e a “iniciativa responsável pelo advento do

Mercado do Cone Sul (Mercosul)”.

Fernandes (2002), sob ângulo diverso, vê a integração como uma outra

forma de globalização, distinta, portando, do simples mecanismo voltado à

eliminação de entraves ao livre fluxo econômico. Seria, nesse sentido, a integração muito mais complexa do que aparenta, à medida que seu fim também seria o de “conferir maior segurança e estabilidade para as relações sociais, inegavelmente atreladas aos fatores de ordem econômica, hoje acentuadamente voláteis e instáveis”73.

Em sua particular visão do atual contexto mundial, se a globalização se impõe com toda intensidade, a integração pode “representar a adequação dos Estados em relação às novas tendências de liberalização, ao mesmo tempo em que promoverá o referido ingresso na medida conveniente ao resguardo das suas necessidades unicamente locais, cuja proteção não é de interesse do sistema como um todo”. (FERNANDES, 2002, p. 152)

Teria a integração, portanto, surgido como resposta oferecida em relação ao possível enfraquecimento do poder do Estado, “não apenas pela consideração da interdependência que une todas as organizações políticas, em especial os territórios confinantes, mas também como um instrumento de defesa contra a desagregação gerada pela tentativa de igualar, para todos os fins, realidades absolutamente discrepantes”, traço característico da globalização. (FERNANDES, 2002, p. 153)

73“Isso porque as tendências globalizantes não reconhecem qualquer esfera decisória ou diretiva, alicerçando-

se na auto-regulação dos atores econômicos e sociais, enquanto que a integração, ainda que inicialmente reduzida à economia, realiza-se de conformidade com parâmetros normativos fixados por instâncias de ordenação supremas, ainda que estas não assumam a forma estatal.” (FERNANDES, 2002, p.152)

Da forma como vem sendo delineada e a depender da postura e semelhança entre os seus membros, a integração econômica se funda na asseguração e eficiência da soberania dos Estados, tendo mesmo como um de seus objetivos o aumento do poder político internacional e da capacidade de exercitar sua soberania. Noutros termos, a própria decisão de participar de um bloco regional é tomada mediante ato volitivo dos Estados, que acabam por assim aceitar eventuais limitações impostas pela novel autoridade supranacional74, criada a partir da ação conjunta dos países interessados, não como renúncia ao seu poder soberano, mas como prática correspondente ao próprio exercício eficiente da soberania75.

Sem perder de vista o que representa a regionalização em época fortemente marcada pela globalização, Aguillar (2006, p. 70), referindo-se inicialmente à União Européia, apresenta o seguinte raciocínio:

Por outro lado, pode parecer difícil entender-se por que um país decide renunciar a significativas parcelas de sua soberania, em temas cruciais de sua vida econômica, em favor da adesão a um bloco econômico. Essa renúncia apenas pode ser entendida se compreendermos que os países europeus já estavam conscientes de que a soberania absoluta, nos termos do Estado-Nação, não só era perigosa do ponto de vista dos sangrentos conflitos bélicos já acumulados, mas também impossível do ponto de vista prático. O desenvolvimento da economia mundial tinha adquirido contornos globalizantes, no sentido da crescente interdependência econômica entre os paises. Ou seja, já havia uma relativização real da soberania. O novo passo, de aprofundamento da integração comunitária, se por um lado representou uma redução ainda mais drástica da soberania, serviu, por outro, para torná-la uma perda domesticável e racional, ao mesmo tempo em que permitiu aos

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Aliás, essa evolução do Estado-Nação tem feito com que determinados países entendam insuficientes as relações intergovernamentais, transpondo essa fase para finalmente atingir o Estado de relações supranacionais, a exemplo da União Européia, da Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC) e da União Monetária e Econômica da África Central (UEMOA).

75Em sentido diametralmente oposto, Castells (2002. P. 313) refere que “temos testemunhado,

simultaneamente, um processo irreversível de soberania compartilhada na abordagem das principais questões de ordem econômica, ambiental e de segurança e o entrincheiramento dos Estados-Nação como os componentes básicos desse complexo emaranhado de instituições políticas. Entretanto, o resultado desse processo não é o fortalecimento dos Estados-Nação, mas sim a erosão sistêmica de seu poder em troca de sua durabilidade”.

países selecionar parceiros com quem poderiam, juntos, enfrentar os outros riscos da perda de soberania. É nesse sentido que a formação de blocos econômicos é hoje uma atitude estratégica para enfrentar os desafios da economia globalizada.