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CAPÍTULO II – CONCEITOS E DOUTRINAS DO PODER

2.1 Perspectiva histórica

A opção por se trazer à baila uma perspectiva histórica acerca da soberania ganha sentido a partir do momento que sua própria definição, ao longo do tempo, traz em si forte preocupação, por parte dos doutrinadores, com a identificação daqueles que seriam seus detentores, ou seja, com uma questão de poder. Recorrer à história é prática que não permite apenas compreender acontecimentos passados, mas também analisar o presente e seus fenômenos, muitos deles de inegável natureza cíclica, de modo a aperfeiçoar o discurso frente à realidade que lhe é posta, por vezes rompendo paradigmas, avançando na área do conhecimento. Conhecer a história para compreender o presente22.

A palavra soberania, advinda de ‘superior’ na forma superiorem non

recognoscens (que não reconhece outro acima de si), foi utilizada, historicamente, já

no século XIII, nos Livros dos costumes e dos usos de Beuvoisis, de autoria do federalista francês Beaumanoir, que a empregou no sentido de “cada um dos barões é soberano em seu baronato”. Também remonta a essa mesma época a afirmação “o rei, não reconhecendo ninguém acima de si, é imperador em seu reino” (FERRAJOLI, 2002, p. 66).

22Assim, como assevera Finger et al (2003, p. 17-18), recorrendo a Goyard-Fabre (2002): “Não se deve, pois,

olvidar da conceituação da soberania questões históricas, máxime, suprimindo-as em nome de um elastecido conceito clássico, com pretensões de universalidade e cujo sentido é insofismavelmente ambíguo. Não se sustenta um discurso fundado em uma noção ideal; levar em conta elementos históricos como instrumento de análise do presente é a única forma de contextualizar um discurso apropriado e útil”.

Nesse particular, ainda que não um consenso, é possível apontar traços originários da soberania na Idade Média, remontando, no entanto, ao nascimento dos grandes Estados nacionais europeus e à divisão correlativa, no limiar da Idade Moderna, da idéia de um ordenamento jurídico universal, recebido como herança da cultura romana pela medieval.

Doutrinariamente, o conceito de soberania como hoje se conhece tem ensejo nos idos do século XVI, sendo seu objetivo legitimar o absolutismo monárquico. O enfraquecimento do poder da Igreja (séc. X a XIII), seguido pelos combates travados entre os poderes romano e dos príncipes na França – estes que se intitulavam representantes diretos de Deus na terra –, a transferência do poder Papal para Avignan (1309), o Cisma do Ocidente (1378-1429), além da Reforma Protestante (1517) são apontados como ápices do ocaso da autoridade detida por Roma sobre a Europa Cristã (CAMPOS, 2000).

Nesse conturbado momento político em que as relações entre os Estados passam a ser dominadas pela rivalidade constante, inclusive mediante lutas armadas, esses entes políticos chegam a senhores de si próprios, aproveitando suas forças e alto grau de coesão, bem assim o vácuo político na Europa Medieval.

Assim, um esboço histórico a partir da ordem dos acontecimentos até o momento em que emergem os Estados territoriais, modelos unitários de organização política centralizada, com um território delimitado e conseqüente poder sobre este, em flagrante oposição, portanto, ao traço dual que matiza fortemente o Papado e o sistema imperial, permitirá que se defina esse momento como marco da soberania.

Ultrapassada, após longo período, a frágil e simbólica centralização do poder político na pessoa do imperador – época em que o conceito de soberania começa a mostrar sua face, exprimindo a superioridade de um poder central desvencilhado de qualquer tipo de sujeição – o cenário político-teórico passa, então, a contar com a genialidade do publicista Bodin23, de naturalidade francesa, cujo

pensamento assegurou o liame entre o conceito de Estado e soberania24.

Também em Bobbio et al. (1995) encontra-se estabelecido o século XVI como marco para os conceitos modernos de soberania e de Estado:

Em sentido estrito, na sua significação moderna, o termo Soberania aparece, no final do século XVI, juntamente com o de Estado, para indicar, em toda sua plenitude, o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política. Trata-se do conceito político-jurídico que possibilita ao Estado moderno, mediante sua lógica absolutista interna, impor-se à organização medieval do poder, baseada, por um lado, nas categorias e nos Estados, e, por outro, nas duas grandes coordenas universalistas representadas pelo papado e pelo império [...]. (BOBBIO et al., 1995, p. 1179)

2.2 Conceitos e fases

A soberania já foi vista como sendo o poder absoluto e perpétuo de uma república – esta entendida como o governo correto de várias famílias, e do que lhe é comum, com poder soberano (BODIN, 1973-1576)25. Também pode o termo ser

empregado para significar o poder de mando de última instância, numa sociedade

23Friede (1993, p. 98), ao debater-se para estabelecer os limites da soberania nacional, relata que “[...] a

expressão souveraineté (soberania) é essencialmente francesa. O grande teórico da soberania é exatamente o gênio francês BODIN, cujos olhos estiveram sempre presos à realidade histórica de sua pátria”.

24A propósito de Bodin e sua contribuição para o estudo e compreensão da soberania, NUNES JÚNIOR (2003,

p. 42) relata o seguinte: “Visando dar legitimidade e significância ao poder político dos reis e que surgiu o conceito de soberania. Foi Jean Bodin que, em Os seis livros da República (1583), deu especial atenção ao tema, formulou o conceito de soberania (souveraineté), atribuindo o poder absoluto e perpétuo ao Rei, estando este apenas sujeito à lei natural e a mais ninguém”.

25No original: “La souveraineté est la puissance absolute et perpetuelle d’une république que les latins apellent

política, traço marcante que a difere dos demais grupos humanos em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado.

Em sentido lato, o conceito político-jurídico de Soberania indica o poder de mando de última instância numa sociedade política e, conseqüentemente, aí está a diferença entre esta e a demais associações humanas em cuja organização não se encontra esse poder supremo, exclusivo e não derivado. Este conceito está, pois, intimamente ligado ao poder político: de fato, a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido de transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito. Obviamente, são diferentes as formas de caracterização da soberania, de acordo com as diferentes formas de organização do poder que ocorrem na história humana: em todas elas é possível sempre identificar uma autoridade suprema, mesmo que, na prática, esta autoridade se explicite ou venha a ser exercida de modos bastante diferentes. (BOBBIO et al., 1995, p. 1179)

Mais modernamente, fazendo um paralelo entre soberania e Estado, Rezek (2000) menciona que este é identificado quando seu governo “[...] não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências [...]” (REZEK, 2000, p.216). Noutros termos, o Estado se identifica a partir de sua soberania, atributo que lhe é peculiar.

De igual modo, Jellinek (1981) delineou a noção de soberania, distanciando- se um pouco da concepção articulada por Jean Bodin, definindo-a como aquela capacidade do Estado a uma autovinculação e autodeterminação jurídica exclusiva. Em verdade, o autor em questão acabou por aperfeiçoar a doutrina de Bodin, removendo-lhe o principal entrave emprestado pela doutrina absolutista francesa, vista inicialmente como um poder absoluto, incontrastável e ilimitado mesmo.

Legaz y Lacambra (1979) apresenta sua definição para o poder soberano, citando inclusive alguns doutrinadores que se dedicaram ao tema. Para o autor em

tela o conceito de soberania encontra-se intimamente ligado ao Estado, visto como uma comunidade perfeita, segundo a doutrina de Suárez:

Afirma-se que o Estado constitue uma comunidade perfeita, segundo a doutrina exposta, entre outros, por nosso SUÁREZ. Comunidade perfeita é aquela que se basta a si mesma e possui um poder de jurisdição que é superior em sua ordem. Esta qualidade recebe o nome de ‘soberania’. Não podemos explicar aqui como se tem chegado Pa formação história desse conceito, já entrevisto por ARISTÓTELES, claramente definido por Jean BODIN e nosso P. SUÁREZ. Assim como em BODIN a soberania se reveste de um caráter absoluto porque so tem o limite transcendente da lei divina – e de tal modo teoria o publicista francês a necessidade de um poder supremo neutro que acabe com todas as forças de desintegração, atuante no Estado -, para SUÁREZ tem um sentido relativista, porque de um lado a Igreja representa igualmente um poder supremo em sua ordem e, de outro, a comunidade internacional e seu Direito representam um novo limite ao âmbito de jurisdicão estatal. (LEGAZ y LACAMBRA, 1979, p. 779-780) 26

Tendo presente os conceitos ora delineados, é preciso registrar, até para que não se dê margem a eventual dúvida, que o termo soberania, em sua acepção mais estrita, não se refere ao poder em si, apresentando-se mesmo como qualidade deste. Noutros termos, a soberania pode ser vista como qualidade do poder vigente e não o próprio poder em si.

Sem perder de vista as teorias já desenhadas, é preciso reconhecer que o conceito de soberania tem variado conforme o momento histórico em que os estudos a respeito são realizados, normalmente com vistas a emprestar legitimidade a uma determinada situação fática e efêmera, ou mesmo para reforçar os fundamentos que sustentam os fenômenos históricos, políticos e jurídicos.

26“Se dice que el Estado constituye una comunidad perfecta, segun doctrina expuesta entre otros por nuestro

SUÁREZ. Comunidad perfecta es la que se basta a si misma y posee un poder de juridicción que es supremo em su orden. Esta cualidad recibe el nombre de ‘soberanía’. No podemos explicar aqui como se há llegado a la formación histórica de este concepto, ya entrevisto por ARISTÓTELES, claramente definido por JUAN BODIN y nuestro P. SUÁREZ. Pero así como en BODIN la soberanía reviste um carácter absoluto, porque solo tiene el límite trascendente de la ley divina – y de ese modo teoriza el hugonote francés la necessidad de un poder neutral supremo que acabe con todas las fuerzas de desintegración actuantes en el Estado –, para SUÁREZ tiene um sentido relativista, porque por uma parte, la Iglesia representa igualmente un poder supremo em su orden y, por outra, la comunidad internacional y su Derecho representan um nuevo limite al âmbito de jurisdicción estatal.” (LEGAZ y LACAMBRA, 1979, p. 779-780)

E nesse particular, uma breve menção às doutrinas existentes acerca do tema pode contribuir, definitivamente, para a compreensão da crise contemporânea a que se vê sujeito esse conceito, fundada na dificuldade de conciliar soberania estatal e ordem internacional27.

2.3 Doutrinas da Soberania28

São várias as doutrinas que, ao longo do tempo, tentaram emprestar justificação à soberania, para o fim maior de identificar o seu titular. Sob certo ângulo, é possível divisá-las entre aquelas de natureza teocráticas, cujo ponto central consiste no reconhecimento de que o poder dos governantes tem origem divina, e as doutrinas democráticas, com base assente no reconhecimento do povo como fonte indiscutível do poder político.

De modo semelhante, porque possibilitam, em última instância, uma forma para se identificar as correntes doutrinárias acerca da soberania, também são apontadas, sem prejuízo de outras existentes, duas doutrinas gerais da soberania: a

doutrina pactista medieval e a doutrina do contrato social.

A doutrina pactista medieval, também chamada de concepção teocrática, na qual se envereda Santo Tomás de Aquino (1995), propagava que todo o poder provinha de Deus, o qual tinha como intermediário o povo. Daí dizer-se que “todo poder vem de Deus, por intermédio do povo” (omnis potestas a Deo sed per

populum). Seria o consentimento popular, manifestado de forma tácita e por

intermédio de um pacto (pactum subjectionis), que emprestava forma ao poder. 27O conceito de igualdade soberana, apontado como parte inerente da doutrina da soberania estatal, pode ser

observado no Sistema de Westphalia (1648), no Sistema da Sociedade das Nações e, por fim, no Sistema da Organização das Nações Unidas.

28Para uma melhor compreensão acerca das diversas doutrinas envolvendo o poder soberano, v. Bobbio,

Matteucci e Pasquino (1995), Fernandes (2002), Finger et al (2003), Friede (1993), Goyard-Fabre (2002), Nunes Jr (2003), dentre outros.

Já a doutrina do contrato social – cuja personificação aponta para autores como Rousseau, Hobbes e Locke – guarda certa semelhança com a doutrina anterior, distinguindo-se dela sutilmente porque entende no acordo de vontades a fonte da própria sociedade e não a fonte do governo.

Sem olvidar a relevância que deve ser emprestada às classificações por gêneros antes mencionadas – doutrinas teocráticas (pactista medieval) e doutrinas democráticas (contrato social) – importa que algumas espécies sejam pormenorizadas no contexto do presente estudo.

Tendo como fundador Rousseau (1954-2002), a doutrina da soberania

popular personificou o poder e sua titularidade em elemento diverso do monarca,

qual seja: o povo. Assim, servindo-se da teoria do contrato social para impor limites ao poder, o pensador em questão reconhece que a vontade geral acaba incorporando um conteúdo de moralidade ao poder soberano.

Por conseguinte, vê a soberania popular como a soma das diversas frações de soberania pertencentes aos próprios indivíduos, enquanto atributos inerentes a esses. Tal atributo se faz marcante porque, enquanto membro da sociedade estatal, o indivíduo é detentor de certa fração ideal do poder soberano, sendo-lhe possível participar do processo de escolha de governantes.

Emprestando explicações para o processo democrático, fundado na igualdade política e no direito a voto, ambos inerentes aos cidadãos, a doutrina da soberania popular, com efeito, influenciou a concepção de democracia que hoje se conhece e, de certo modo, tanto se propaga29.

29 Invocando Hinsley, refere Maia (2001, p. 34) que “Depois de Rousseau, a história da soberania popular tem

sido reescrita, mas sua essência não tem sido alterada. O que houve foram certas acomodações, decorrentes da evolução do pensamento constitucional, da aceitação do princípio da soberania popular qualificada pela divisão de poderes e da aceitação da representação como veículo da soberania popular.”

Rousseau (2002), no desenvolvimento da doutrina em questão, atribuía à soberania a qualidade de inalienabilidade e indivisibilidade. Inalienável porque verdadeiro exercício da vontade geral, representável somente por si própria – embora transmissível com certas restrições. Mesmo reconhecendo-a fragmentada entre os cidadãos, no mais é a soberania indivisível em toda sua forma. Exceção admitida por Rousseau seria quando eventual divisão resulta da vontade coletiva de seus detentores, o que seria, em última análise, um ato decorrente do exercício do poder soberano.

Segundo a doutrina da soberania nacional, seria a nação – e, conseqüentemente, não mais o povo – a única e exclusiva depositária de autoridade soberana, sendo reconhecida como fonte última e autêntica do poder de soberania que, se consentânea, possibilita ao Estado exercer tal poder de forma legítima. Siéyès (1986), a propósito do delineamento dessa doutrina, defendia que “[...] em toda Nação livre – e toda Nação deve ser livre – só há uma forma de acabar com as diferenças que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria Nação” (SIÉYÈS, 1986, p. 113).

No entender do mencionado autor, para fazer valer a vontade dessa Nação – que se distingue do povo por encerrar os interesses permanentes das gerações que se sucedem no tempo, ou seja, cuida-se de entidade imaterial – importa que seja ela representada por aqueles que atuam em seu nome, segundo os interesses permanentes e definidos da sociedade (Nação).

Foi essa doutrina que emprestou ao “problema da soberania solução jurídica, política e social, concebida em termos de participação limitada da vontade popular”, evitando, de um lado, a continuidade do “regime monárquico autocrático”

e, de outro, coibindo “os excessos em que se desempenharia a autoridade popular, caso lhe fosse conferido o pleno exercício do poder” (BONAVIDES, 1976, p.141).

Na doutrina da soberania do Estado30 reconhece-se o elemento soberania como capacidade de autodeterminação, por direito próprio e exclusivo, do Estado. Sendo a soberania uma característica do poder estatal, admite-se então ser o Estado precedente ao direito – poder de editar normas – e, portanto, sua única fonte.

Já a doutrina negativista da soberania consiste na afirmação de que o poder soberano é da nação e se distribui pelas diversas funções decorrentes e delimitadas em leis, sendo exercidas por órgãos. Tais órgãos, responsáveis pelo desempenho dessas funções, se colocam como instrumentos de execução da vontade da lei, criada a partir da transferência do exercício do poder soberano, pela população nacional, que ainda assim o conserva na essência, aos seus representantes.

De matiz fortemente democrática, essa doutrina negativista foi fundada por Léon Duguit (1923), o qual considerava a soberania como uma idéia abstrata, acreditando-se soberana, em última análise, a lei, cuja essência remonta ao direito natural – este verdadeiro limite do direito do Estado. No entender de Nunes Júnior, a soberania, antes de um elemento essencial do Estado, seria um dado histórico, representando uma qualidade do poder deste31.

Igualmente chamada de institucionalista, a doutrina realista da soberania se apresenta como fato contemporâneo, afirmando a soberania como um atributo, 30Cujos expoentes podem ser apontados como sendo Kelsen e Jellinek, destacando-se, por óbvio, não serem

estes os únicos que se dedicaram ao estudo do tema em debate.

31 Fazendo menção a Preuss e Léon Duguit como expoentes da mencionada doutrina, Nunes Júnior (2003, p.

42) completa se raciocínio afirmando que “Para os defensores desta teoria, a soberania constitui-se num conceito abstrato. Ela não existe concretamente. Estado, Nação, direito e Governo, para estes, são uma só realidade, não havendo que se falar em direito natural ou qualquer normatividade jurídica alheia à estatal.” (NUNES JÚNIOR, 2003. p.42)

enquanto institucionalizado no aparelho estatal, do qual se reveste o poder de auto- organização nacional e de autodeterminação. Transposta a fase de concepção, a soberania consubstancia-se no Estado, o qual, a partir de então, passa a exercê-la no interesse e em nome da Nação.

Essa doutrina, conquanto admita Nação e Estado como realidades distintas – aquela de natureza sociológica, este essencialmente jurídica –, entende que ambas dão forma à personalidade no campo do Direito Internacional Público, seara onde a soberania se manifesta, essencialmente, como vontade do Estado.

2.4 Doutrinas Clássicas

Dentre as doutrinas clássicas que procuram delinear os contornos da soberania, enquanto elemento relevante para compreensão do cenário internacional, merecem destaque aquelas defendidas por Jean Bodin, Thomas Hobbes e Hans Kelsen, porquanto substanciosas considerações poderão dali ser extraídas para os propósitos perseguidos no presente trabalho.

2.4.1 Jean Bodin

Em sua obra originalmente intitulada Les Six Livres de La République, (Os Seis Livros da República), verdadeiro marco para o estudo da soberania, Bodin procura emprestar conformação ao poder e à forma como deveria ser exercido a partir de então, definindo soberania, poder soberano e reportando-se à República, aqui vista como Estado.

Ele próprio, aliás, se colocava como precursor da análise do conceito de soberania, afirmando ser necessário definir a soberania porque, embora se

constitua tema principal e reclame ser melhor compreendido por dizer respeito à república, nenhum jurista ou filósofo político a tem definido32.

Definia, nesse particular, a soberania como o poder absoluto e perpétuo do Estado, sendo soberano aquele que exerce seu poder sem qualquer controle de nenhum outro, estando subordinado somente a Deus. É um poder perpétuo, que se estende por todo o tempo em que resistir o soberano, personificado, portanto, na pessoa deste último.

Além de admitir indiretamente a existência de limitação mesmo ao poder soberano, Bodin também inseriu na definição desse poder a possibilidade de ser ele objeto de concessão, de forma fragmentada e a título precário, a um outro ente diverso de seu próprio detentor, o qual ficaria sujeito a esta mesma soberania, enquanto verdadeiro guardião do poder.

Quanto à delegação de poderes, o autor reconhecia que o exercício do poder, enquanto viabilizado a partir de mútuo consentimento, tem ensejo não por direito ou legitimidade, mas por simples tolerância. E quando não exercidos nos limites que lhe são atribuídos por aquele que o delega, os atos daí derivados serão nulos se não convalidados pelo poder delegador.

É do titular da soberania, segundo Bodin, o poder de editar e anular as leis, bem assim os que dizem respeito mesmo à interpretação e compreensão destas, independentemente de qualquer outra autoridade, esteja ela no mesmo nível, abaixo ou acima.

32“Es necesario definir la soberanía, porque, pese a que constituye el tema principal y que requiere ser mejor

compreendido al tratar de la republica, ningún jurisconsulto ni filósofo político la há definido todavia.” (BODIN, 1973, Livro I, VIII, p. 46)

Mas não é só. Também são apontados como atributos da soberania o direito de iniciar a guerra e negociar a paz, instituir os principais oficiais, direito de última