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CAPÍTULO III – GLOBALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES

3.4 Processos globais e implicações globalizadas

Desde os idos do século XX, o conceito de globalização trabalhado na década de oitenta vem sendo utilizado de forma geral para “expressar, traduzir e descrever um vasto e complexo conjunto de processos interligados”, os quais encontram resistência e traz em seu seio o debate acerca de um possível início de um novo modelo de organização social, um novo estágio da sociedade capitalista, da qual será possível cogitar-se como uma fase na história da humanidade51.

Reportando-se a uma época não muito remota, cujo divisar é encontrado na queda do Muro de Berlim, Ianni (2002) faz referência a um possível recomeço da

história, marcado por uma sociedade civil mundial, com problemas igualmente de

ordem mundial:

Em lugar das sociedades nacionais, a sociedade global. Em lugar do mundo dividido em capitalismo e socialismo, um mundo capitalista, multipolarizado, impregnado de experimentos socialistas. As noções de três mundos, centro periferia, imperialismo, dependência, milagre econômico, sociedade nacional, Estado-nação, projeto nacional, caminho nacional para o socialismo, caminho nacional para o desenvolvimento capitalista, revolução nacional e outras parecem insuficientes, ou mesmo obsoletas. Dizem algo, mas não dizem tudo. Parecem inadequadas para expressar o que esta acontecendo em diferentes lugares, regiões, nações, continentes. Os conceitos envelheceram, foram descolados do real, já que o real continua a mover-se e transformar-se. (...)

A partir da Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se um processo de mundialização de relações processos e estruturas de dominação e apropriação, antagonismo e integração. Aos poucos, todas as esferas da vida social, coletiva e individual são alcançadas pelos problemas e dilemas da globalização. (IANNI, 2002, p. 35-36)

Na visão de autores como Octávio Ianni e Anthony Giddens, se a globalização, de um lado, causa-nos surpresa com a velocidade imprimida na

51Santos (2005, p. 89), menciona que “A intensificação das interacções económicas, políticas e culturais

transnacionais das três últimas décadas assumiu proporções tais que é legítimo levantar a questão de saber se com isso se inaugurou um novo período e um novo modelo de desenvolvimento social. A natureza precisa deste período e deste modelo está no centro dos debates actuais sobre o carácter das transformações em curso nas sociedades capitalistas e no sistema capitalista mundial como um todo”.

rearticulação de nossas vidas, encantando principalmente com promessas de dias

melhores e igualdade, por outro, deixa transparecer nossas fraquezas mais

primitivas, forjando em nossas mentes a crença de uma nova realidade social fundada exclusivamente no individualismo e, levando o homem a abandonar, quase voluntariamente, as últimas noções de solidariedade e vida em sociedade.

Bauman (1999) menciona, em poucas palavras, a sensação que se tem a respeito da globalização, diferindo-a do conceito de universalização, porquanto esta última comporta um sentido positivo, traduzido como a intenção de tornar semelhantes as condições e oportunidades de vida para todo mundo. Para tanto, refere que “o significado mais profundo transmitido pela idéia de globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo”, enfim, de uma voz uníssona em prol de iniciativas e empreendimentos globais voltados para a sociedade como um todo (BAUMAN, 1999, p. 67)52.

É fato que não se pode negar o fascínio que a globalização exerce sobre o homem, sobretudo diante de promessas, nem sempre subliminares, como a de socializar o progresso, facilitando a vida de todos, acabando com as desigualdades sociais, com os problemas cambiários, previdência social, ausência de postos de

52Santos (2005), identifica a existência de um processo conflituoso na globalização, apontando que seus traços

mais evidentes são, em verdade, características de uma globalização dominante ou hegemônica (de cima-para- baixo) convivendo com uma globalização contra-hegemônica (de baixo-para-cima). Com relação à globalização hegemônica, menciona a existência de dois principais processos de resistência, consistentes no cosmopolitismo (“Trata da organização transnacional da resistência de Estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais vitimizados pelas trocas desiguais de que se alimentam os localismos globalizados e os globalismos localizados, usando em seu benefício as possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema mundial de transição, incluindo as que decorrem da revolução nas tecnologias de informação e de comunicação” - p. 67) e no patrimônio comum da humanidade (“Trata-se de lutas transnacionais pela protecção e desmercadorização de recursos, entidades, artefactos, ambientes considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida à escala planetária. Pertencem ao património comum da humanidade, em geral, as lutas ambientais, as lutas pela preservação da Amazônia, da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos marinhos e ainda a luta pela preservação do espaço exterior, da lua e de outros planetas concebidos também como património comum da humanidade” – p.70).

trabalho, promovendo o acesso à saúde e a tantos outros mecanismos que, sob o manto da ilusória modernidade, expressam horizontes excepcionais de

emancipação e alienação. Entretanto,

ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia; nesse sentido, pode- se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. (MARSHAL BERMANN apud IANNI, 2003, p. 114)

São várias as conseqüências que podem ser atribuídas ao movimento globalizante, a exemplo da perda da autonomia decisória dos governos, a unificação dos mercados num só sistema econômico de amplitude mundial, superação das barreiras geográficas, estreitamento das práticas políticas democráticas convencionais, advento de novas ordens normativas ao lado da tradicionalmente regida pelo direito positivo e exaustão paradigmática do repertório de categorias, conceitos, procedimentos e teorias constituído à luz do Estado-Nação e do princípio da soberania (FARIA, 2004, p. 53-54).

Alguns dos mais importantes processos que se encontram interligados, cujo nascedouro é esse movimento em que as bases estão assentadas no desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo mundo, são enumerados como:

(...) a crescente autonomia adquirida pela economia em relação à política; a emergência de novas estruturas decisórias operando em tempo real e com alcance planetário; as alterações em andamento nas condições de competitividade de empresas, setores, regiões, países e continentes; a transformação do padrão de comércio internacional, deixando de ser basicamente inter-setorial e entre firmas e passando a ser eminentemente intra-setorial e intrafirmas; a ‘desnacionalização’ dos direitos, a desterritorialização das formas

institucionais e a descentralização das formas políticas do capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas comerciais no plano mundial, a desregulamentação dos mercados de capitais, a interconexão geográfica dos investimentos produtivos e a volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos espaços de reprodução social, a proliferação dos movimentos migratórios e as mudanças radicais ocorridas na divisão internacional do trabalho; e, por fim, o aparecimento de uma estrutura político-econômica multipolar incorporando novas fontes de cooperação e conflito tanto no movimento do capital quanto no desenvolvimento do sistema mundial.” (FARIA, 2004, p. 59-60)

De forma idêntica, Ianni (2003) ressalta reflexos semelhantes, numa comparação entre os processos de globalização e modernização, os quais se desenvolvem simultânea e reciprocamente pelo mundo, mas também produzem desenvolvimentos desiguais, desencontrados e contraditórios.

No mesmo curso da integração e da homogeneização, desenvolve- se a fragmentação e a contradição. Ao encontrar outras formas sociais de vida e trabalho, compreendendo culturas e civilizações, logo se constituem as mais surpreendentes diversidades. Tanto podem reavivar-se as formas locais, tribais, nacionais ou regionais como podem ocorrer desenvolvimentos inesperados de ocidentalidade, capitalismo e racionalidade. O mesmo vasto processo de globalização do mundo é sempre um vasto processo de pluralização dos mundos. (IANNI, 2003, p.112)

Infelizmente, quem mais sofre com esse processo, de dimensões mundiais, são os países periféricos, os quais abrigam os povos subjugados culturalmente e violentados e sufocados pelas desigualdades sociais que insistem em conservar o

status atual, mas que se instalou e persiste desde a Revolução Industrial, época

denominada e conhecida como a segunda idade do capitalismo anárquico.

Esses países são vitimizados, no cenário da economia global, pelos artífices

da vassalagem branca, submetendo-se vagarosamente à perda de sua identidade

“sobras de um banquete de que, em verdade, não estão participando” (BONAVIDES, 1996)53.

53 “Aplaude o neoliberalismo triunfalmente o capitalismo; mal percebe, contudo, que o capital pode colocar a

Humanidade pela segunda vez no buraco negro da História. Onde ontem medravam as ideologias de dominação e as ditaduras fatais à liberdade e à civilização, hoje medram os interesses das superpotências, que governam os rumos e o processo da globalização, fazendo os países do Terceiro Mundo caudatários desse processo. Artífices da vassalagem branca, um modelo até agora desconhecido, elas submetem os países do Terceiro Mundo, vagarosamente, a perda de sua identidade nacional, em troca de ínfima fatia do bolo global, isto é, das sobras de um banquete de que, em verdade, não estão participando.” (BONAVIDES, 1996, p. 283- 284)