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CAPÍTULO VI – SOBERANIA E INTEGRAÇÃO NO CONTINENTE

6.2 Tratado Constitucional Europeu e soberania

O Tratado que instituiu uma espécie de Constituição para a Europa foi adotado pelos vinte e cinco Chefes de Estado ou de Governo, reunidos em Bruxelas, em 17 e 18 de Junho de 2004, o qual teve seu primeiro projeto elaborado pela convenção Européia e apresentado ao Conselho Europeu em 20 de Junho de 2003. O documento foi firmado em 29.10.2004, em Roma, e sua entrada em vigor está condicionada à adesão unânime dos Estados-membros83.

A estrutura do documento é composta de quatro partes. A primeira parte contém as disposições que definem a União, os seus objetivos, competências, processos de decisão e instituições. Na segunda parte, a Carta dos Direitos Fundamentais, solenemente proclamada no Conselho Europeu de Nice, em dezembro de 2000, foi incorporada no texto constitucional europeu. A terceira parte trata das políticas e das ações da União e retoma um grande número de disposições dos tratados atuais. A quarta e última parte contempla as cláusulas finais, nomeadamente os procedimentos de adoção e revisão do Tratado Constitucional.

O texto do mencionado Tratado enumera os valores em que se baseia a União Européia, com destaque para o respeito da dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do 83Ao que consta, até o final de 2006, somente Luxemburgo, Espanha, Lituânia, Grécia, Hungria, Eslovênia,

Itália, Áustria, Letônia, Malta e Chipre haviam referendado ou aprovado via parlamentar o texto do documento em questão. Na França e Holanda o texto foi rejeitado em referendo.

Homem. E para atingir seus objetivos, a UE possui competências atribuídas pelos Estados-Membros no Tratado constitucional, as quais devem ser exercidas no âmbito comunitário, mediante o uso de instrumentos específicos, num quadro institucional único.

Dispondo a União Européia de personalidade jurídica para afirmar e promover os seus valores e os seus interesses no cenário internacional, o texto constitucional e o direito adotados pela União no exercício das competências que lhe são atribuídas prevalecem sobre o direito nacional dos Estados-Membros.

A partir do Tratado em comento, as competências da União e as atribuições respectivas de suas instituições restaram evidenciadas, de modo que União só pode agir no âmbito das competências que lhe são atribuídas pelo mencionado documento, que enumera, por seu turno, as matérias em relação às quais os Estados-Membros transferiram poderes de ação e introduz uma classificação das competências da União84.

Uma primeira categoria – as competências exclusivas – é constituída por algumas questões muito específicas relativamente às quais a União age sozinha, em nome do conjunto dos Estados-Membros. Esta categoria abrange: (I) a união aduaneira; (II) a definição das normas da concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno; (III) a política monetária para os Estados- Membros que adotaram o euro; (IV) a conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da política comum da pesca; (V) a política comercial comum.

Uma segunda categoria – as competências partilhadas – reúne os domínios em que a União pode agir, agregando valor à ação dos Estados-Membros. Tal 84Cuida-se de uma tentativa de melhor definir as competências da União e dos Estados-membros.

categoria abrange: (i) o mercado interno; (II) certos aspectos da política social; (III) a coesão econômica, social e territorial; (IV) a agricultura e a pesca, com exceção da conservação dos recursos marinhos vivos; (V) o ambiente; (VI) a defesa dos consumidores; (VII) os transportes; (VIII) as redes transeuropéias; (IX) a energia; (X) o espaço de liberdade, de segurança e de justiça; (XI) certos aspectos dos desafios comuns de segurança em matéria de saúde pública; (XII) determinadas competências nos domínios da investigação, do desenvolvimento tecnológico e do espaço; (XIII) determinadas competências nos domínios da cooperação para o desenvolvimento e da ajuda humanitária.

É preciso ter em mente, a despeito da denominação emprestada ao Tratado

Constitucional Europeu, que não se reconhece na União Européia a existência de

um poder constituinte comunitário ou um poder originário, capaz de ditar a necessidade de alteração na constituição de um determinado Estado-membro, uma vez que sua própria atuação está adstrita àquelas matérias cujas competências lhe foram transferidas pelos Estados-membros, e que somente a eles é dado o direito de ampliar. Em outros termos, a atuação da União Européia somente poderá se dar nos limites definidos nos tratados, nos quais não se encontra, por certo, o poder de se dotar de novas competências.

Assim, como refere Lewandowski (2004), com suporte em Canotilho (1999- 2002), o atual estágio evolutivo da União Européia “configura uma organização supranacional, criada por tratados internacionais, que não se confundem com uma constituição, por mais que se queira identificá-los, em seu conjunto, com uma carta magna”, justificando seu entendimento no fato de que “o exercício de competências comuns inscritas no âmbito da soberania em domínios que tocam a própria ‘raiz’ da

estabilidade não seria legítimo ‘se as próprias constituições nacionais não autorizassem expressis verbis a União Européia” (LEWANDOVSKI, 2004, p. 284).

Pode-se afirmar, assim, que os Estados integrantes da união Européia não renunciaram à soberania, ou mesmo a parcelas em favor de um todo, haja vista a forma como são definidas as competências às instituições européias, bem como pelo fato de reservarem para si o direito de promover a execução de normas em seu interior e também de se utilizar da coação física para eventualmente fazer-se obedecer. Como isso, o que se observa no caso da União Européia é o exercício compartilhado da soberania, cabendo à própria União o poder de editar normas em última instância, naquilo que lhe é consentido, e aos Estados o poder de promover a execução dessas normas editadas pelos órgãos comunitários.85

A par dessa situação, mostra-se oportuna a realização de um breve exame da forma como a soberania e seu exercício são abordados nas constituições dos Estados participantes da União Européia, sem perder de vista, no entanto, a paradigmática manifestação da Corte Federal alemã sobre a possibilidade e forma de a República da Alemanha integrar a União.