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A governança pode-se definir como um conjunto de processos pelos quais uma administração ou governo gere os seus recursos, neste caso aplicados à aquacultura, a forma como os stakeholders participam na criação e implementação de decisões que afetam o setor, como a legislação é implementada e aplicada pelo setor e administração e as responsabilidades assumidas por esta perante a sociedade [1].

A governança é um ponto essencial no desenvolvimento da aquacultura, tendo como objetivo principal a sustentabilidade de uma atividade económica, podendo ser responsável pelas diferenças verificadas no desenvolvimento dessa mesma atividade entre países, assim como no rendimento per capita dos mesmos [2]. As diversas características do setor da aquacultura (risco e incerteza do negócio, duplicação de regulamentos, vazios legislativos, diferentes tipos de cultura, espécies, locais, mercados, entre outros) obrigam à existência de uma boa governança de modo a explorar todo o potencial de crescimento e sustentabilidade desta atividade [1].

Num mundo em constante desenvolvimento, com novas tendências a surgirem, alterações de mercados e condições físicas, o setor privado consegue adaptar-se mais rapidamente do que o setor público, em especial os tomadores de decisão (governos) e, posteriormente, as entidades administrativas licenciadoras [3]. Este facto aplica-se também ao setor da aquacultura e é essencial que qualquer país possua uma boa governança, em que o seu principal desafio é assegurar que as medidas corretas são implementadas para promover a sustentabilidade ambiental, sem que isso condicione ou inviabilize as iniciativas empresariais, o empreendedorismo e a harmonia social [4]. No caso concreto da aquacultura, uma boa governança deverá ser capaz de gerir e articular as necessidades do setor com uma legislação simplificada/clara, ordenamento da atividade e processos administrativos simples e desburocratizados, por exemplo na aplicação de Fundos Comunitários, que respondam de forma rápida e positiva a essas necessidades e que tenha em linha de conta os restantes stakeholders, requerendo uma abordagem a vários níveis [5]. Más decisões ao nível da governança poderão trazer riscos acrescidos para o setor e gerar mais conflitos com outras atividades. Este último aspeto é outro ponto que a governança terá de ter em conta na definição de políticas e estratégias futuras.

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A FAO publicou recentemente os princípios orientadores sobre os quais se deve constituir uma boa governança [1]. São eles:

1. Eficácia e eficiência; 2. Equidade;

3. Responsabilidade pelos atos; 4. Previsibilidade do estado de direito.

Com estes princípios orientadores pretende-se que a governança possa ser um processo eficaz para atingir os objetivos do país, através de políticas, estratégias e incentivos económicos que garantam o desenvolvimento do setor, tendo sempre em conta o custo-benefício (eficiência) da aplicação das medidas. Estas deverão ter sempre em conta os interesses do setor, mas também de outros stakeholders (equidade), garantindo um consenso geral na implementação das políticas e medidas. As entidades administrativas e governo terão sempre de assumir as responsabilidades pelas suas políticas e estratégias perante o setor e outros stakeholders. A aplicação da legislação e leis deverá ser justa e consistente, devendo o seu processo de tomada de decisão ser o mais transparente e aberto possível. Tendo em conta estes princípios orientadores, será possível ao governo e administração conseguir implementar os princípios chave de uma boa governança [1, 4]:

1. Um quadro administrativo adequado; 2. Um bom quadro legal e regulamentar;

3. Uma boa política de licenciamento e administração;

4. Adequada participação de entidades não estatais nas tomadas de decisão; 5. Estatísticas e investigação adequadas que suportem as políticas e planeamento.

Assim, a governança em aquacultura deverá encorajar (e não afastar) o investimento na atividade e aumentar a eficiência dos serviços públicos administrativos, onde o quadro administrativo e legal/regulamentar poderá fornecer os incentivos necessários ao investimento, tendo sempre em conta a sua sustentabilidade [2, 4]. Sem uma governança efetiva, irá existir uma dispersão de recursos (administrativos, financeiros e humanos) e estagnação, afetando diretamente toda a atividade aquícola e outras que dela dependam (ex. indústria fornecedora de alimentos para peixes, materiais e equipamentos…) [4]. Esta realidade desincentiva o investimento.

Por outro lado, várias são as referências ao termo “licença social” [1, 5, 6], que é definido como a aceitação ou aprovação de um investimento pela comunidade

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local/regional/nacional e outros stakeholders. Este termo é também enquadrável numa boa governança, pois irá permitir que uma atividade se possa implementar num determinado local ou região sem que haja conflitos. Sem esta licença social, as políticas, planeamento e os quadros legais e regulamentares tornam-se irrelevantes para o desenvolvimento e crescimento do setor [1]. Alguns exemplos deste tipo de situação foram a inviabilização da instalação de uma unidade de produção de ostras ao largo de Albufeira (apesar da mesma cumprir todos os requisitos legais), devido à contestação dos pescadores e Câmara Municipal [7], de uma outra unidade de produção de bivalves ao largo das Angeiras em Matosinhos [8], da instalação de uma piscicultura na Ponta do Sol (Madeira) [9] ou ainda o embargo das obras de construção de uma unidade de produção de pregado no Mindelo (Aqualaderça), na década de 90 do século passado (Acórdão nº 154/2007). Muitos outros exemplos existem que não estão documentados.

Existe também uma teoria que sugere uma forma de governança híbrida através da implementação de processos/programas de certificação por entidades terceiras (que não sejam nem produtores nem o Estado ou entidades ligadas a este) [6], desde que este modelo seja assente em legislação e regulamentos responsáveis e adaptáveis, nas alterações do mercado e numa comunidade informada. Estes programas de certificação poderão dar a oportunidade da atividade se poder autorregular tendo em conta a perceção e aceitação de uma sociedade esclarecida (exº. um investimento poderá trazer novas oportunidades de negócios para uma determinada comunidade, qualidade dos produtos ou os seus impactos no ambiente) e as constantes mudanças no mercado e gostos do consumidor (exº. maior recetividade para produtos biológicos ou locais), uma vez que a governança começa a ser cada vez mais influenciada pelas interações entre mercado e comunidades. Este tipo de governança híbrida através de certificações, que não dependem diretamente do governo e entidades administrativas, pode também ser considerado como um bom indicador da licença social [5].