• Nenhum resultado encontrado

A primeira legislação relativa ao licenciamento da atividade aquícola em águas interiores foi publicada a 10 de outubro de 1962, através do Decreto nº 44623. Este é um Decreto dirigido sobretudo para a pesca em águas interiores, pelo que a aquacultura é apenas referida de forma direta em poucos artigos.

Com o passar dos anos/décadas, esta legislação veio a mostrar-se desajustada à evolução da realidade do setor da aquacultura, nomeadamente com o estabelecimento de tamanhos mínimos para a comercialização das espécies de peixe destas águas. Como exemplo temos as trutas que, segundo o artigo 30º, “não podem ser postas à venda, compradas, transportadas, retidas ou servidas em hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos congéneres (…), com tamanho inferior a 19 cm.” Esta situação fazia com que, por exemplo, não pudessem existir trocas comerciais de ovos de truta entre empresas no nosso país. A forma que os produtores tinham de conseguir ter ovos ou juvenis desta espécie para repovoar os seus tanques, era ter as suas próprias maternidades, com o aumento de custos que daí advém, ou então adquirir a unidades de aquacultura estrangeiras.

Por outro lado, o artigo 50º daquele Decreto refere que “a instalação de estabelecimentos de piscicultura deverá obedecer a projeto devidamente elaborado por um engenheiro silvicultor”. Esta situação obrigava a que apenas uma pequena franja de profissionais poderia elaborar projetos de aquacultura em águas interiores. Face à evolução da realidade formativa, por exemplo, nas áreas da biologia e zootecnia, esta obrigatoriedade tornava-se também ela desajustada.

Apenas em 1986 são publicadas as normas e modelo tipo para o licenciamento e instalação de unidades de aquacultura, através da publicação da Portaria nº 747/1986. No preâmbulo desta Portaria é referido que existiam à data (16 de dezembro de 1986) “31 pisciculturas industriais a que correspondia uma produção anual efetiva ou projetada de 1.600 toneladas, com tendência a aumentar.” Com a publicação desta Portaria e pela interpretação do seu preâmbulo, é dada a justa relevância que este setor já teria naquela altura, para o desenvolvimento económico e social, criação de postos de trabalho diretos e indiretos e o crescente interesse que a atividade despertava nos agentes económicos. O projeto era entregue na então Direcção-Geral das Florestas e, caso recebesse parecer positivo, o Secretário de Estado da Agricultura emitiria a autorização de instalação da unidade e respetiva licença. Esta não tinha qualquer prazo, pelo que na prática as unidades de aquacultura em águas interiores não tinham qualquer limite temporal nas suas licenças, desde que cumprissem as premissas e condições constantes da licença.

62

Em 2008 é publicada a Lei nº 7/2008 que visava estabelecer “as bases do ordenamento e da gestão sustentável dos recursos aquícolas das águas interiores” e a definição dos “princípios reguladores das atividades da pesca e da aquicultura nessas águas.” Esta Lei vinha fazer uma grande atualização à legislação que estava em vigor na altura e vinha resolver, pelo menos, um dos entraves identificados até então, a eliminação da obrigatoriedade dos tamanhos mínimos nas espécies produzidas em aquacultura. Mas esta Lei continuava a conter algumas lacunas ao não incluir as algas na definição de aquacultura e espécies que poderiam ser produzidas (artigo 3º), criava mais obrigatoriedades aos produtores duplicando os pedidos de autorização para importação e exportação, quando já o tinham de fazer à DGAV (artigo 17º) e não deixava claro o fim da obrigatoriedade de serem engenheiros silvicultores a assinar projetos. No entanto, no artigo 40º era referido que o Governo deveria, “no prazo de 180 dias, sob a forma de Decreto-lei, publicar a legislação complementar necessária para o desenvolvimento da presente Lei”. Uma vez que o referido Decreto-Lei não foi publicado, a Lei não chegou a sair do papel. Como tal, a legislação em vigor continuava a ser o Decreto nº 44623 de 1962 e a Portaria nº 747/1986.

A 17 de Março de 2015 é publicada a Lei nº 21/2015 que concedia ao Governo “autorização legislativa para alterar a Lei n.º 7/2008”. No seu artigo 2º, esta Lei respondia a algumas lacunas anteriormente identificadas, nomeadamente a inclusão das algas como produtos de aquacultura, a eliminação da obrigatoriedade de pedir autorização para a importação e exportação de espécies, desde que salvaguardadas as questões sanitárias e ainda clarificar que as restrições à detenção de exemplares de espécies aquícolas não se aplicam à aquacultura. Também é proposto uma clarificação sobre qual o membro do Governo responsável pela atividade da aquacultura em águas interiores e acrescentar às atribuições do Estado a promoção desta atividade. Esta autorização legislativa tinha também a duração de 180 dias.

No dia 8 de outubro de 2015 são então publicados os Decretos-Lei nº 221/2015 e o Decreto-Lei nº 222/2015. O primeiro visava apenas dar seguimento à autorização legislativa concedida pela Lei nº 21/2015, alterando então a Lei nº 7/2008 nos pontos identificados no parágrafo anterior. O segundo não é mais do que a legislação complementar prevista no artigo 40º da Lei nº 7/2008 e dedica quatro artigos à atividade aquícola. Nestes são introduzidas algumas alterações de fundo ao que era o regime de licenciamento. A principal alteração está no nº 1 do artigo 47º onde é referido que cabe ao Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) a autorização para “a instalação, a exploração, a transmissão e a alteração estrutural ou funcional de unidades de

63

aquicultura ou de detenção de espécies aquícolas em cativeiro”. Na anterior legislação as unidades obtinham a sua autorização pelo Secretário de Estado da Agricultura, embora nos anos mais recentes a tutela desta atividade tenha sido colocada na Secretaria de Estado das Florestas. Passa também a existir um prazo máximo de 5 anos para a instalação das unidades, podendo ser prorrogado por mais 5 anos. São ainda estabelecidas as condições em que a autorização poderá ser revogada e os procedimentos a seguir em caso de fuga de espécies para o meio natural. Continua a omissão dos prazos das autorizações para a exploração das aquaculturas, pelo que se deduz que a autorização era válida por tempo indeterminado, desde que fossem cumpridas as condições da mesma. Um ponto que poderá ter repercussões negativas em algumas unidades de aquacultura, especialmente aquelas que se localizem em albufeiras ou delas dependam, está patente nos artigos 18º e 19º referente ao esvaziamento de massas de água e situações de emergência. Em nenhum ponto é feita referência aos impactos que um possível esvaziamento possa ter numa aquacultura, nem as medidas de minimização dos impactos. Por outro lado, não existe qualquer obrigatoriedade de aviso às unidades de aquacultura de que o processo de esvaziamento irá ocorrer, de modo a que os produtores possam tomar as devidas medidas.

Para além de toda esta legislação aplicável ao licenciamento das aquaculturas em águas interiores, foi publicado a 15 de maio de 2009 o Decreto-Lei nº 107/2009 que “estabelece o regime de proteção das albufeiras de águas públicas de serviço público e das lagoas ou lagos de águas públicas”. Esta legislação tornou-se num grande entrave ao desenvolvimento e crescimento do setor uma vez que os seus artigos 17º, 19º e 21º proíbem a ampliação ou instalação de novos estabelecimentos aquícolas em albufeiras públicas e zonas adjacentes. Esta proibição faz com que o setor não possa aproveitar um enorme recurso que oferece boas condições para a produção em estruturas flutuantes, como é o caso das albufeiras das barragens. Estas poderiam ser utilizadas para a produção de várias espécies em jaulas flutuantes, onde se destacam a truta no Norte do país e o achigã (Micropterus salmoides) no Sul do país. Com as restrições impostas por esta legislação, a unidade localizada na barragem do Alto Rabagão em Montalegre, continuará a ser a única existente no nosso país e sem possibilidades de ampliação, mesmo que exista aumento da procura pelo seu produto (truta salmonada).

64