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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA

2.3 Modelos, Metodologias e Boas Práticas Internacionais de Análise e Avaliação de

2.3.3 The Green Book

The Green Book (GB, 2003) – Appraisal and Evaluation in Central Government é um documento editado pelo Ministério das Finanças do Reino Unido. Trata-se de uma publicação pormenorizada suportada por uma variada documentação técnica de apoio, a qual tem inspirado outros países anglo-sáxonícos a segui-la, como é o caso do Gateway Review Process (GRP), editado pelo Ministério do Tesouro e das Finanças da Austrália, retratado no ponto 2.3.1, como um dos quatro modelos identificados de boas práticas da análise e avaliação de projetos.

O GB é um documento orientador, direcionado para seleção e avaliação de investimentos públicos de índole muito diversa, que enquadra um conjunto de procedimentos de base

técnica e científica, que permitem sustentar o processo de tomada de decisão de investimentos público no Reino Unido, conferindo assim, racionalidade às decisões de investimento, ao sustentá-las numa metodologia consistente e rigorosa de análise objetiva, que permite minimizar os riscos de execução e implementação dos projetos(GB, 2003; Ravara e Catarino, 2012).

O GB assenta em três vetores fundamentais, dos quais se destacam (Ravara e Catarino, 2012): 1. O seu âmbito abrangente, que permite aplicá-lo a todos os tipos de projetos;

2. A abrangência de todo o ciclo de desenvolvimento de um projeto, desde a formulação, a implementação e monitorização do projeto, constituindo, em primeiro lugar, um elemento fundamental no processo de decisão, em segundo lugar, na avaliação do real valor do projeto e, finalmente, nas lições aprendidas a adotar em projetos futuros;

3. A sua aplicação obrigatória pelos organismos públicos do Reino Unido que são responsáveis pela promoção dos investimentos, o que implica escolhas racionais, independentes de ciclos eleitorais.

Por sua vez, a análise e avaliação dos investimentos públicos preconizada pelo GB (2003), desenvolve-se através de um ciclo designado por ciclo ROAMEF30 (Rationale, Objetives, Appraisal, Monitoring, Evaluation and Feedback), representado na Figura 21 seguinte.

Figura 21 - Ciclo ROAMEF

Fonte: Adaptado a partir do The Green Book (2003)

30

Tradução – Justificação da Ação, Objetivos, Análise e Seleção da Opção, Monitorização-Implementação, Avaliação Final e Lições Aprendidas.

A primeira fase do ciclo ROAMEF, correspondente à justificação da ação (Rationale), tem como objetivo garantir duas condições essenciais: a primeira, que há uma necessidade claramente identificada; a segunda condição, que cada proposta apresente sustentabilidade em termos de custos e benefícios. Esta questão deve também considerar uma análise de consequências negativas da intervenção e os efeitos de nada fazer.

A segunda fase (Setting Objectives) consiste em definir claramente os resultados e os objetivos que se pretendem de um projeto, a fim de identificar a gama de opções disponíveis para os atingir.

A terceira fase (Option Aprraisal) considerada como sendo uma das mais importantes do ciclo ROAMEF, tem como objetivo analisar as opções disponíveis para selecionar a melhor. Na lista de opções deve considerar-se uma opção de “fazer o mínimo” para efeitos de comparação com a opção mais intervencionista. Cada opção deve ser analisada a partir de um “caso-base”, que deve corresponder à melhor estimativa dos seus custos e benefícios. Posteriormente, estas estimativas devem ser ajustadas considerando vários cenários, verificando-se a sensibilidade das opções a alterações que podem ser modeladas através da variação de variáveis-chave.

A quarta fase (Implementation) está relacionada com o desenvolvimento e implementação da opção selecionada.

• A quinta e sexta fase seguem-se à conclusão do investimento e correspondem, respetivamente, à avaliação final do projeto (Evaluation) após implementação, com o objetivo de escrutinar os resultados alcançados comparativamente com as previsões iniciais e, a sexta fase tem como objetivo, garantir que as lições aprendidas (feedback) sejam partilhadas, difundidas e introduzidas em futuros processos de tomada de decisão. Na base da aplicação da metodologia preconizada pelo GB para analisar a viabilidade e a sustentabilidade dos projetos está a obrigatoriedade dos responsáveis pela análise do projeto apresentarem evidências das técnicas, dos cálculos, dos pressupostos e das fontes que foram adotadas como, por exemplo, no âmbito da quantificação de custos e benefícios e das opções selecionadas para a realização do projeto. Por outras palavras, a fase correspondente à estimativa de benefícios e custos do projeto não se resume, exclusivamente, a um exercício de matemática financeira, a questão fundamental inerente ao processo de estimativas decorre da importância de se obter estimativas independentes e isentas. Para o efeito é necessário

confrontar várias fontes, iterar, encontrar as diferenças e com isto proteger eventuais desvios futuros.

Muitas vezes é difícil avaliar a fiabilidade das estimativas que emergem de um único estudo usando um único método. As valorações podem não ser fidedignas porque as respostas aos questionários podem ser incoerentes ou tendenciosas, ou porque as valorações podem não ter suficientemente em conta os constrangimentos orçamentais. Pode dar-se mais credibilidade às estimativas se diferentes métodos ou estudos de diferentes investigadores derem resultados semelhantes (GB, 2003; Ravara e Catarino, 2012).

Princípios da Análise de Riscos dos Projetos no âmbito do GB

Um procedimento considerado absolutamente crítico no processo de análise dos projetos públicos do Reino Unido passa pelo desenvolvimento obrigatório de um processo de planeamento ou gestão do risco do projeto.

A Figura 22 esquematiza e enumera as fases que constituem o processo de planeamento da gestão do risco dos projetos.

Figura 22 - Fases na gestão do risco

Fonte: Adaptado do GB (2003) e Roberts (2013)

O processo de identificação de riscos do projeto tem como objetivo realizar um levantamento do que pode ameaçar o projeto através de acontecimentos ou condições adversas. O recurso ao histórico permite obter check lists, consultar registos de riscos de projetos tecnicamente semelhantes ou que lidaram com os mesmos fornecedores ou clientes do projeto atual. Desta forma é possível perceber os riscos associados ao projeto e consequentemente permitir antecipar respostas, contornar problemas, minimizando, assim, a incerteza do projeto.

A segunda fase do processo de gestão de risco passa pela análise qualitativa de riscos e permite fazer uma primeira triagem de quais os riscos que têm importância suficiente para serem tratados na análise do projeto.

Segue-se a avaliação ou análise quantitativa do risco que permite conhecer com mais rigor a probabilidade e o impacto dos riscos nos objetivos do projeto

Finalmente, o processo relacionado com a mitigação dos riscos tem subjacente o planeamento das respostas aos riscos. O objetivo final da gestão de risco é apoiar a tomada de decisão, através do conhecimento dos potenciais riscos associados a um determinado projeto e do seu impacto provável.

Na sequência da identificação e análise de riscos e da avaliação da exposição das opções à incerteza, os avaliadores precisam de implementar estratégias para prevenir e mitigar riscos e incertezas. De acordo com o GB, devem ser adotadas as seguintes estratégias:

• Consulta antecipada: a experiência sugere que os custos tendem a aumentar à medida que se identificam mais necessidades, uma consulta preliminar ajudará a identificar quais são essas necessidades e como podem ser satisfeitas;

• Evitar decisões irreversíveis: quando as opções importantes envolverem irreversibilidade, uma avaliação completa dos custos deve incluir a possibilidade de atraso, dando mais tempo para a investigação de modos alternativos de atingir os objetivos. Aplica-se quando uma opção excluiria posteriores oportunidades de investimento ou usaria agora recursos que subsequentemente pudessem ser preferidos para um uso posterior mais importante; • Realizar estudos-piloto: adquirindo mais informação sobre os potenciais riscos que podem

afetar os resultados do projeto, os estudos piloto permitem mitigar as consequências adversas de maus resultados (outcomes), ou incrementar os benefícios de bons resultados; • Princípio precatório: pode ser empreendida ação precatória para mitigar o risco

percepcionado. O princípio precatório indica que, por alguns resultados serem tão maus, ainda que possam ser muito improváveis, justifica-se a ação precatória, ou seja, a ação pode justificar-se mesmo que a probabilidade desse risco ocorrer seja baixa, dado que o resultado/impacto pode ser muito adverso. Nos casos em que esses riscos foram identificados, deve ser chamada a atenção da gestão superior para eles no sentido de se obter assessoria especializada;

• Transferir o risco através de soluções contratuais (sendo o seguro um exemplo): o risco pode ser transferido contratualmente para terceiros, sendo o seguro o exemplo mais óbvio de transferência de risco;

• Redução de uso de tecnologia de ponta: se estiver envolvida tecnologia complexa, devem ser considerados métodos alternativos mais simples, especialmente se reduzirem consideravelmente o risco, proporcionando ao mesmo tempo muitos dos benefícios da opção que envolve tecnologia de ponta;

• Reintegração ou desenvolvimento de opções diferentes: na sequência da análise de risco, o avaliador pode querer reintegrar opções ou desenvolver alternativas que sejam menos arriscadas por inerência ou lidem mais eficazmente com os riscos;

• Abandonar o projeto por ser demasiado arriscado: o projeto pode ser tão arriscado que, seja qual for a opção considerada, tenha que ser abandonada.

Ao reduzir os riscos e a incerteza através das medidas anteriormente enunciadas, os custos esperados de uma proposta são diminuídos e os benefícios esperados aumentados.

O Quadro 1 exemplifica a elaboração de um mapa de informação integrada de avaliação de risco de um projeto que deve ser elaborada e constituir uma peça fundamental no processo de análise de projetos realizados no âmbito da metodologia do GB.

Quadro 1 - Exemplo de um mapa de risco

Fonte: Adaptado do GB (2003) e Roberts (2013)

Distorção por otimismo

No âmbito da gestão do risco, o GB designa por “distorção por otimismo” a tendência sistemática demonstrada dos avaliadores para serem excessivamente otimistas acerca de parâmetros-chave do projeto, nomeadamente os seguintes:

• Custos de capital; • Duração das obras;

• Custos de operacionais e benefícios; • Subestimação de serviços. Fase de Risco Tipo de Risco Valor Estimado Probabilidade de Ocorrência Risco Estimado

Identificação de Risco Quantificação de Risco

Para minimizar o nível da distorção por otimismo na análise, O GB recomenda que sejam tomadas as seguintes medidas:

• Devem ser identificados gestores de projeto competentes e experientes para a função; • Devem ser claramente definidas as funções do responsável do projeto;

• Devem existir estruturas qualificadas de gestão de projeto;

• Devem ser implementados sistemas de gestão de desempenho para projetos complexos e de elevada dimensão;

• Devem ser desenvolvidas, sempre que possível, alternativas mais simples;

• Deve-se considerar a possibilidade de decompor projetos grandes e ambiciosos em projetos mais pequenos com objetivos mais facilmente definidos e atingíveis;

• Devem ser implementados mecanismos de transferência de conhecimentos, de modo que as mudanças individuais de pessoal não perturbem o suave desenvolvimento de um projeto.

Análise de sensibilidade e risco no âmbito do GB

Neste domínio, o GB recomenda, para além da análise de sensibilidade, o recurso à criação de cenários relativamente às opções que podem ser afetadas por incerteza futura. Devem ser escolhidos cenários que assumam a possibilidade de ocorrências relacionadas com incertezas técnicas, económicas e políticas importantes que possam ter impactos negativos no sucesso do projeto. Neste caso, a criação de cenários pode passar por colocar simples perguntas, e se “what if”?”.

Para além da análise de sensibilidade e de cenários, o GB, à semelhança do GCBAIP, recomenda o recurso à análise de Monte Carlo como técnica de modelação de riscos de projetos. Trata-se de uma técnica muito importante de apoio à tomada de decisão, em particular, quando se tem de lidar com múltiplas variáveis às quais estão associadas incertezas significativas. Contudo é necessário garantir que se aplica adequadamente, em especial quando os riscos não são independentes uns dos outros, ou seja, quando há correlação entre as variáveis do projeto.

Conforme Scott (2000) argumenta, o método de Monte Carlo não elimina a necessidade de se efetuar pesquisa de mercado. Desse modo, não basta o modelo de simulação ser bem realizado, é fundamental que tanto a base do projeto como as variáveis a simular sejam

consistentes, ou como esclarecem Savvides (1994) e Tamošiūnienė e Petravičius (2006), um modelo que inclua apenas as variáveis relevantes e onde seja determinado a correta interdependência entre elas (GB, 2003; Soares et al., 2008).

Avaliação Final do Projeto

O GB estabelece que, após a conclusão de uma ação de investimento público, deve efetuar-se uma avaliação final retrospetiva que analise os resultados obtidos comparativamente com as previsões iniciais, ou seja, avaliar até que ponto o projeto teve êxito ou não e que lições se podem aprender para o futuro. Devem ser analisados os desvios, atribuíveis a circunstâncias externas à ação, a decisões de gestão do projeto ou a pressupostos da previsão

Os relatórios de avaliação devem ser amplamente difundidos e publicados para contribuir como base de conhecimento e de modo a garantir que as lições aprendidas sejam introduzidas em futuros processos de tomada de decisão. A avaliação final deve estimar o êxito da ação de investimento público na satisfação dos objetivos e na contribuição para resultados mais amplos.