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1 I GREJAS C RISTÃS E MUDANÇAS SOCIAIS E IDEOLÓGICAS

1.3 A I GREJA E VANGÉLICA DE C ONFISSÃO L UTERANA NO B RASIL E SUAS TRANSFORMAÇÕES

1.3.1 A I GREJA E SEUS FIÉIS

Seria bastante cômodo opor ao conhecimento produzido por agentes inseridos na

Igreja sobre esta – sociólogos e outros cientistas sociais que têm também atuação na Igreja,

estando ligados às diferentes tendências e interesses em jogo nesta – àquele que apresenta

uma aproximação das características sociais da população luterana no Brasil, a partir de fontes

“objetivas” – o censo nacional realizado pelo IBGE. No entanto, para além dessa oposição é

necessário ter em conta os interesses em jogo na produção do conhecimento sobre a Igreja e

seus fiéis, dentre os quais os usos sociais desta produção. Neste caso, parece ser possível opor

uma produção eminentemente pautada por objetivos “puramente acadêmicos”, quais sejam,

apresentar uma sociografia das religiões no Brasil, produzidos por cientistas sociais

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Esta leitura da história da IECLB é baseada em Foucault, 1979, p. 15-37.

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Ver particularmente o conjunto de artigos reunidos sob o título “Ensaios Luteranos: dos primórdios aos tempos atuais do luteranismo no Brasil”, no qual os textos sobre a origem da IECLB referem-se somente ao Sínodo Riograndense, com exceção de um deles. O estudo de Prien se coloca como o primeiro trabalho de história da Igreja que trata da formação dos quatro sínodos que deram origem à IECLB, em contraposição à Dreher, que trataria “Igreja e germanidade no Sínodo Riograndense e no Sínodo Luterano (...)” (PRIEN, 2001, p. 16).

desengajados religiosamente a cientistas sociais que de alguma forma estão falando da Igreja

a partir de dentro dela. Isto significa que estão voltados também para preocupações pastorais.

Principalmente, estão ligados ao trabalho identitário da Igreja, ou seja, a reconstituição de seu

passado, necessariamente vinculado ao público que atende, e daí à constituição de sua

imagem. A identidade da Igreja, ou quem é seu público alvo, é objeto de disputas entre as

diversas tendências existentes na Igreja. Além disto, é também o estabelecimento de

diferenciações perante outras Igrejas: a Igreja Católica, naturalmente, mas também outros

protestantismos, e não menos importante, a outra Igreja Luterana existente no país, sua

principal concorrente em outros tempos, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB)22.

Neste trabalho, é de se notar o uso de técnicas de pesquisa como a aplicação de questionários,

entrevistas aprofundadas, sempre subordinados, ao que parece, à visão religiosa e pastoral

destes agentes (ver, dentre outros, BOBSIN, 2001, SCHMIDT, 1999, KLIEWER, 1977). No

entanto, este trabalho identitário possui efeitos sociais objetivos, constituindo a percepção da

Igreja e de seus fiéis, o que faz com que se leve em conta o que os autores da Igreja dizem

sobre seus fiéis, na busca de uma caracterização destes.

Com relação aos fiéis da IECLB, é necessário levar em conta que eles constituem a

maior parte da população luterana no país. Embora não exista exatidão quanto a estas

estimativas, a IECLB abrigaria 80% do público luterano existente no país, enquanto a IELB

abrangeria os 20% restantes (a partir de RIETH, 1998, p. 284). Estas duas Igrejas têm uma

origem comum, e uma história de concorrência e busca de diferenciação somente hoje

amainada – em todo o caso, dirigiram-se desde o início ao mesmo público: as comunidades

religiosas formadas por descendentes de alemães, principalmente no sul do Brasil. As

estatísticas existentes sobre o luteranismo no país permitem uma boa caracterização dos fiéis

da IECLB.

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Sobre a formação da IELB ver Rieth, 1998; sobre a rivalidade inicial entre os pastores do Sínodo de Missouri, que deu origem à IELB e o Sínodo Riograndense, que deu origem à IECLB, ver Prien, 2001.

A população luterana, segundo o Censo de 1991, era constituída de 1.029.678 pessoas

(WANIEZ E BRUSTLEIN, 1998, p. 455). Destas, 839.408, cerca de 81,5% estavam no sul do

Brasil, 12,2% no sudeste, 2,3% no norte, 2% no nordeste de 1,9% no centro-oeste (WANIEZ

E BRUSTLEIN, 1998, p. 455). Em relação aos assim chamados grupos “protestantes

tradicionais”, ou “históricos”, classificação que faz parte de um jogo de diferenciações entre

os protestantismos (conforme GIUMBELLI, 2001), seriam a segunda população religiosa (a

partir de WANIEZ E BRUSTLEIN, 1998, p. 455).

A concentração geográfica dos fiéis em zonas de migração e ocupação dos

descendentes de alemães parece acompanhar e constituir outras marcas “sulinas” da Igreja:

seu distanciamento de outras religiões protestantes seria correlato aos diferentes

distanciamentos que a população de seus fiéis teria diante do restante da população brasileira:

esta, segundo seus cientistas sociais nativos, seria uma igreja de pessoas bem situadas, ou em

outra versão, que no passado fora de populações que não eram pobres (“em nossa Igreja não

havia pobres”), e que somente agora estaria sentindo os efeitos empobrecedores e

desestruturadores da modernização capitalista (ver SCHÜNEMANN, 1992; KLIEWER,

1977; SCHMIDT, 1999). A condição econômica dos fiéis – ou como seus profissionais vêem

seu público e mesmo o selecionam - é objeto de discussão pelas diferentes tendências da

Igreja e enseja diferentes práticas pastorais – ou se alguns vêem a igreja como “de classes

médias” (KLIEWER, 1977), outros identificam a pobreza ou o empobrecimento dos fiéis e

passam a desenvolver propostas de trabalho para estes (ver SCHMIDT, 1999; ver TERRA e

Liberdade, Fé e Esperança, 2001)23.

No entanto, deve-se observar que a composição social de seus membros é bastante

diferenciada, por um lado; por outro, se bem que com um percentual menor de empobrecidos

do que a população brasileira em sua totalidade, a estratificação social entre os membros da

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É interessante verificar o quanto estas constatações estão relacionados aos recortes empíricos limitados a determinadas paróquias ou comunidades religiosas, de pesquisas junto àquelas baseadas nas ciências sociais mas com uma vontade de totalização próprias do discurso religioso. Ver Kliewer, 1977 e Schmidt, 1999.

Igreja parece acompanhar o restante da sociedade: menos de 10% não tem rendimentos ou

ganha até 1/8 de salário mínimo, um pouco mais de 30% ganha entre 1/8 a ¾ de salário

mínimo, outros pouco mais de 30% ganha entre ¾ a 2 salários mínimos, cerca de 15% ganha

entre 2 a 5 salários mínimos e 5% recebe mais de 5 salários mínimos de renda (na população

total do país, estas faixas de renda caracterizam 10,5%, 48%, 25,5%, 11,3% e 4,6% da

população, respectivamente) (conforme WANIEZ E BRUSTLEIN, 2000, p. 107-108). Por

outro lado, a população luterana apresenta uma taxa de alfabetização bastante alta: mais de

90% destes possui 5 anos ou mais de escolaridade (WANIEZ e BRUSTLEIN, 2000, p. 113).

Talvez uma das características mais distintivas da população dos fiéis desta Igreja seja

sua taxa de urbanização, que é uma das mais baixas dentre as religiões brasileiras: 55%,

enquanto a taxa de urbanização do total da população brasileira é de 74,6% (conforme

WANIEZ e BRUSTLEIN, 2000, p. 110). Além disto, mais de 90% dos luteranos são

“brancos”, o que tem a ver, certamente, com a ascendência alemã de seus fiéis (conforme

WANIEZ e BRUSTLEIN, 2000, p. 112 e 114), ou seu caráter étnico. Este é objeto de disputas

na IECLB, entre aqueles que vêem nela uma forma de exclusão dos já dominados

economicamente (ver WESTHELLE, 1978, p. 86-87), ou como identidade oprimida – assim

como outras etnias dominadas – a ser “resgatada” (ver DREHER, 1999).