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O conceito de guerra fiscal não possui divergências na doutrina. Pode-se afirmar inclusive que há um consenso ou um norte na definição do tema. Guerra fiscal é a nomenclatura dada para a situação instalada no Brasil, na qual no uso de sua competência

legislativa, os Estados criam leis concedendo benefícios fiscais exorbitantes a fim de atrair investimentos em seu território. O resultado é a competição fiscal entre os Entes da federação, perda na receita e alteração na planta de produção.

Guerra fiscal é sinônimo de competição, disputa, concebida de forma arbitrária e ilegal. Ela é percebida nos municípios sobre o ISS e nos Estados e Distrito Federal no ICMS e no Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor - IPVA. Para essa dissertação basta o enfoque da guerra fiscal no campo do imposto sobre consumo.

A Constituição Federal, no artigo 155, §2º, delegou ao Senado a responsabilidade pelo controle da alíquota do ICMS, tendo em vista sua característica federal:

“IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

V - é facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

Portanto, a margem para a concessão é o limite indicado pelo Senado Federal. Heleno Taveira Torres78 define:

No novo modelo, resolução do Senado Federal, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais, afastadas aquelas restrições acima, e cuja iniciativa poderá ser do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros. Esta foi a forma mais aprimorada para, preservada a autonomia dos entes federativos, ao delimitar a competência do Senado para fixar as alíquotas interestaduais do ICMS.

Resoluções do Senado Federal são instrumentos introdutórios de normas tributárias primárias que inovam a ordem jurídica em caráter vinculante para todos os estados, a fim de garantir uniformidade nos limites mínimos ou máximos das alíquotas dos impostos estaduais.

O Senado Federal editou a resolução nº 22, de 19 de maio de 1989 onde ficou estabelecido alíquota de 7% (sete por cento) nas operações e prestações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito

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TORRES, Heleno Taveira. O papel do Senado na regulação de alíquotas de ICMS. 19 de junho de 2013. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-jun-19/consultor-tributario-historico-senado-regulacao- aliquotas-icms>. Acesso em 20 de nov. 2014.

Santo, e alíquota para os demais casos de operações interestaduais em 12% (doze por cento)79. Quanto à possibilidade de fixação de alíquotas para operações internas, o Senado ainda não gozou de sua competência, e cabe ao Estado fixar as suas alíquotas.

A guerra fiscal, como já explicado no capítulo anterior, é combatida seja por meio do poder político dos Estados e do CONFAZ, seja pelo poder judiciário, através do poder de controle de constitucionalidade concentrado do STF.

O STF reconheceu a repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 628.07580 que tem como objeto a constitucionalidade da exigência da devolução ou anulação do crédito presumido concedido sob o ICMS pelo Estado de destino quando na origem houve o benefício fiscal. Infelizmente, como a relatoria do processo cabia ao Ministro Joaquim Barbosa e este se aposentou no ano de 2014, o feito foi retirado de pauta e ainda não foi julgado.

O controle dos benefícios fiscais no poder judiciário se dá sempre pelo modo concentrado, através de Ação Direta de Inconstitucionalidade. A jurisprudência é uníssona em combater a guerra fiscal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padece de

79 Também foi estabelecida alíquota de 13% (treze por cento) nas operações destinadas à exportação. Entretanto,

essa regra foi atingida pela Emenda Constitucional nº 43 que isentou tais operações.

80 Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. GUERRA FISCAL. CUMULATIVIDADE.

ESTORNO DE CRÉDITOS POR INICIATIVA UNILATERAL DE ENTE FEDERADO. ESTORNO BASEADO EM PRETENSA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL INVÁLIDO POR OUTRO ENTE FEDERADO. ARTS. 1º, 2º, 3º, 102 e 155, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 8º DA LC 24/1975. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.

inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988. 3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 4276, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Julgamento: 20/08/2014, DJe 181) 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado- membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ. (ADI 3664 - Relator(a): Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 01/06/2011 – Dje 181)

Há na doutrina, quando se fala em guerra fiscal, a corrente que defende a disputa mínima ou a “disputa saudável”. Liebel e Pires apontam que ao Estado é concedido um norte, com base nas regras constitucionais, o exercício da competência legislativa tributária e em seu gozo, é possível a fixação de uma alíquota menor ou maior a seu critério. Trata-se de uma margem saudável e razoável para a instalação do imposto.

Não é qualquer redução de alíquota caso de guerra fiscal ou competição exacerbada. Nesse entendimento, defende-se a ideia de que uma competição fiscal eficiente seja benéfica aos cidadãos. Prova disso é a própria possibilidade de concessão de benefícios fiscais quando proveniente de convênio, caso contrário sequer haveria viabilidade de qualquer incentivo.

Mesmo para essa corrente doutrinária, há o consenso de que faltam do governo central políticas norteadoras. É imprescindível que haja do governo central políticas públicas mínimas a fim de minimizar a competição acirrada e até incentivar e promover uma competição saudável que traga benefícios reais aos cidadãos.