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BENEFÍCIOS FISCAIS SOBRE O ICMS

Antes de apontar as soluções que a doutrina e a experiência de outros países vêm indicando como norteadoras das reformas tributárias necessárias, é imperioso ressaltar que o problema brasileiro não é meramente fiscal. O Brasil sofre com o sistema de financiamento da seguridade social e requer uma reforma mais ampla.

Fernando Rezende anota:

As propostas que focalizam a macroeconomia fiscal tornam a reforma tributária refém da reforma previdenciária, que é politicamente sensível e cujos resultados não são imediatos. Além disso, elas abordam os problemas fiscais como se suas causas fossem independentes, ignorando o fato de que a expansão dos benefícios previdenciários, o engessamento do orçamento, o tamanho e a qualidade da tributação, os conflitos federativos e a ineficiência da gestão são, na verdade, consequências da incapacidade que o país teve para desatar o nó fiscal na Constituição de 1988.97

A missão deste trabalho não é apontar quais são os caminhos para a reforma previdenciária. Bastou apenas indicar o sério problema que interliga o sistema tributário ou sistema de financiamento da seguridade social, haja vista que ambos encarregam o consumo.

96 MENDES. Marcos J. Os Sistemas tributários de Brasil, Rússia, China, Índia e México: comparação das

características gerais. Consultoria Legislativa do Senado Federal. Texto 49. Brasília: outubro/2008, p. 39.

97 REZENDE, Fernando; OLIVEIRA, Fabrício; ARAÚJO, Érika. O dilema fiscal: remendar ou reformar? Rio de

Dos problemas levantados, a reforma tributária pode ser feita em três cenários: 1) Manter a competência tributária na forma atual, no modelo de descentralização, todavia, aumentando a forma de controle e intervenção da União, ampliando de forma rígida as limitações ao poder de tributar e retirando dos Estados a capacidade de concessão de benefícios fiscais; 2) Alteração do ICMS para adequá-lo aos impostos na modalidade IVA, passando a cobrança para o destino, tomando-se as devidas cautelas para fixação de regras compensatórias; 3) Reforma completa da competência tributária, passando para a União a tributação do consumo, com a criação do ICMS (IVA-F) federal.

Qualquer que seja a modificação a ser feita no sistema tributário nacional, deve ser abrangente. A doutrina chega a certo consenso quanto a isso, haja vista que não há doutrinadores que se opõe a esta corrente. Não são interessantes para o Brasil simples remendos tributários, precisa-se de reformas duradouras para que haja mais tranquilidade no meio ambiente de negócios, em especial, para a indústria nacional.

A federação brasileira, independente do caminho escolhido, precisa urgentemente melhorar na forma como utiliza os recursos públicos, na transparência nos gastos públicos, na participação da população na fiscalização, reduzir os custos administrativos da máquina pública e melhorar no controle da arrecadação.

Outra questão traz grandes dúvidas. A crise fiscal hoje instalada decorre certamente da opção histórica adotada para a descentralização, seja política ou fiscal. A abertura feita na Constituição Federal de 1988, consagrou o clamor popular por maior participação dos Municípios. Antes de 1988, a arrecadação municipal não atingia 4% do PIB nacional. Atualmente, os Municípios participam de mais de 20% do bolo fiscal.

A abertura política e fiscal, através de ampliação das bases tributárias e dos repasses constitucionais para os Municípios é proporcional à crise dos Estados. Aliado a isto, as travas orçamentárias e gestões incompetentes têm impedido políticas locais de desenvolvimento.

Assim, surge a dicotomia: manter a descentralização que é um dos fatores para a guerra fiscal, continuando com a autonomia dos entes federados com suas respectivas competências ou centralizar e dar mais poderes à União, entretanto, ampliando suas obrigações e a forma dos repasses constitucionais.

André Elali opina que: “a menor descentralização resultaria, vênia permissa às opiniões contrárias, numa maior eficiência do sistema, com consequências para a solução de vários problemas, inclusive socioeconômicos.98

A descentralização é a razão da repartição das competências tributárias. A divisão desta demonstrou alguns problemas graves: competição fiscal exagerada, guerra fiscal; alto custo administrativo; falta de equalização fiscal; e problemas nas transferências intergovernamentais.

Seguindo a premissa da primeira corrente apontada como viável, estes problemas poderiam ser controlados com limitações mais profundas ao poder de tributar, encerrando a concessão de benefícios fiscais. O ICMS, entretanto, não se adequaria à tendência mundial de imposto sobre o valor agregado.

Ainda nessa lógica, a tributação na origem que é um dos fatores causadores da guerra fiscal ainda estaria em ação. Das opções viáveis esta é a que menos traz alterações ao atual sistema. Ainda assim, seria necessário alicerçar alíquotas fixas e reduzir suas muitas variedades, inclusive facilitando e reduzindo a administração do imposto.

Apoiam essa tendência os que afirmam que descentralizar é uma forma de controle, inclusive contra possíveis arbitrariedades da União. Entregar para o governo federal, mesmo que ampliando suas obrigações, é presumir que este seria eficiente e se predisporia a liderar o problema e solucionar a questão.

Lembra-se, também, que umas dos principais pilares fundadores da guerra fiscal é a incompetência da União em desenvolver políticas programáticas de redução das desigualdades regionais e promover o desenvolvimento econômico. O Governo Federal possui importante parcela de contribuição para o problema instalado no Brasil. Sua inércia empurrou os Estados para um abismo incontornável por suas próprias forças. Por essa premissa, não seria confiável aumentar o poder da União. A quem conferir tal missão? Os Estados e a União têm se mostrado incapazes.

A segunda possível solução para a questão tributária brasileira seria a alteração do ICMS para adequá-lo aos impostos na modalidade de valor agregado, passando a cobrança para o destino desde que respeitadas regras preestabelecidas de compensação e não

98 ELALI, André. O Federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005,

cumulatividade. A competência tributária permaneceria com os Estados e o Distrito Federal, porém ainda existiria a figura da tributação dual e o problema do financiamento da seguridade social.

O IVA mais comum no cenário internacional amplia as bases tributárias sobre o consumo e possibilita repasses para as províncias e municípios. Entretanto, poderia haver um IVA em conjunto com contribuições sociais. Seria suficiente para encerrar a guerra fiscal, haja vista que a tributação no destino cuidaria para que a guerra de incentivos não ocorresse. Mas o problema socioeconômico permaneceria.

O caderno º 10 da ESAF, publicação dedicada ao estudo das perspectivas para o ICMS, concluiu que:

A transição para o destino não afeta, no agregado, a base potencial desse imposto, pois quase não há diferença entre a base atual e a futura. A única diferença se refere ao efeito cumulativo da tributação de bens de uso e de consumo, bem como ao prazo para a utilização de créditos para bens do ativo fixo. No entanto, a parcela dessa base que é efetivamente tributada hoje em dia se distancia, bastante, desse potencial, como revelam os números anteriormente exibidos. Com a transição para o destino, desaparecem os fatores que concorreram para esse distanciamento, o que deverá contribuir para significativos aumentos na arrecadação.99

O aumento na arrecadação seria proveniente do fim da concessão de benefícios fiscais e, ao mesmo tempo, traria confiança ao ambiente de negócios brasileiro e poderia fortalecer a indústria nacional com a majoração da alíquota dos produtos importados, garantido competitividade para produto interno.

Um imposto sobre o consumo feito no valor agregado é semelhante ao atual ICMS em algumas questões: é plurifásico, não cumulativo e passível de repasse econômico ao consumidor. A diferença primordial é a forma de dedução das operações anteriores, haja vista que atualmente o valor pago pelo ICMS na operação passada inclui a base de cálculo da próxima transação. No IVA o consumidor sabe exatamente a quantia da incidência de imposto na sua mercadoria, inclusive podendo ser destacado na nota fiscal para maior transparência.

A transferência da tributação para o destino é importante e aproxima o consumidor dos seus impostos. No modelo de tributação na origem, como ocorre atualmente, há transferência

99 REZENDE, Fernando. ICMS: Como era, o que mudou ao longo do tempo, perspectivas e novas mudanças.

Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros & Fundação Getúlio Vargas: cadernos fórum fiscal nº 10. Janeiro, 2009, p. 34.

de riqueza do local de consumo para outra região. Um dos resultados é fazer com que o Estado consumidor devolva a riqueza ali gasta com políticas locais.

Ademais, com a tributação inserida sob a metodologia da origem, não se consideram os efeitos do consumo em seu grau mais abrangente. O dinheiro ao qual corresponde o consumo de bens e serviços acarreta, em verdade, no aumento de receitas dos Estados “exportadores”. E onde aqueles são consumidores, não se gera a respectiva receita para o Estado no qual se conclui a operação, a atividade econômica.100 A terceira solução apontada seria a opção mais drástica e a reforma mais contundente no sistema tributário brasileiro. Seria uma reforma completa da competência legislativa tributária, que seria conferida à União, haveria ampliação das bases tributárias, possibilitando a unificação às contribuições sociais.

Fernando Rezende ao valorizar o fim da tributação dual, explica que,

A eliminação da distinção artificial entre impostos e contribuições, por exemplo, tornaria desnecessária a prorrogação de soluções artificiais para reduzir a rigidez orçamentária, ao mesmo tempo em que evidenciaria a necessidade de redefinir as garantias para o atendimento dos direitos sociais. Tal providência abriria caminho para a harmonização das bases tributárias, a partilha de um IVA nacional e abrangente sobre o consumo de mercadorias e serviços, e a recuperação dos princípios de equalização fiscal e cooperação intergovernamental na revisão do sistema de transferências de recursos entre os entes federados.101

Gustavo de Freitas Cavalcanti ressalta a questão federativa:

Dessa forma, pode-se perceber que o processo de harmonização tributária com vistas à tributação do consumo no Brasil, através de uma unificação via criação de um IVA de base ampla, abrangendo o IPI, ICMS e o ISS, afeta necessariamente o sistema de repartição de competências tributárias. Isso conduz, de forma oblíqua, numa repercussão no modelo de descentralização jurídico-financeira historicamente construído no Brasil, relativamente ao seu aspecto de obtenção de recursos, onde se constata a prevalência de uma rígida distribuição constitucional de competências tributárias sobre a transferência de recursos financeiros entre as entidades federativas, que seria outra faceta de tal obtenção.102

Esta opção seria a antinomia ao modelo histórico adotado na Constituição Federal. Seria um processo reverso de centralização. Para tanto, é preciso estabelecer regras claras e funcionais de repasse financeiro. Mesmo que haja a centralização, precisa-se tomar muita cautela para não reduzir ainda mais a participação dos Estados no bolo fiscal.

100

ELALI, André. O Federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p, 96.

101 REZENDE, Fernando; OLIVEIRA, Fabrício; ARAÚJO, Érika. O dilema fiscal: remendar ou reformar? Rio

de Janeiro: Editora FGV, 2007, p, 32.

102 COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. Federalismo & ICMS: reflexos tributários. Curitiba: Juruá, 1ª ed.,

Caso as reformas seguissem esta última opção, ainda haveria necessidade de melhor sensibilidade da União para liderar políticas de desenvolvimento regional e de minimização das desigualdades. Não basta centralizar a tributação, retirar a única ferramenta dos Estados para incentivos econômicos ao poder privado e não garantir desenvolvimento regional. Seria um retrocesso.

Os Estados utilizam dos benefícios fiscais exorbitantes no intuito de atrair investimento para seus territórios. O fazem por não possuírem outras saídas financeiras para gerar emprego e renda. A guerra fiscal é sem dúvidas um mal em que todos perdem, mas ela é causada pela ineficiência dos Estados e, também, da União. São imprescindíveis políticas eficazes para o desenvolvimento regional. O Brasil é um país de dimensões continentais e pode e deve ser explorado com mais dinâmica.