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A guerra fiscal teve vários episódios ao longo dos anos. Um capítulo, entretanto, merece destaque por seus intensos debates e pela forma agressiva da utilização dos benefícios fiscais. A guerra dos portos ficou conhecida pela prática de redução da alíquota na entrada de mercadorias vindas do exterior.

A Constituição Federal no artigo 155, II, afirma que é devido o ICMS sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. A Lei Complementar 87/96, artigo 2º, §1º, I, aponta que a incidência ocorrerá independente da destinação ou finalidade do produto, para pessoa física ou jurídica, mesmo que não seja contribuinte individual.

Ao exercer a competência legislativa, os Estados exacerbavam a concessão e ofereciam reduções enormes nas alíquotas a fim de atrair a entrada de produtos importados. A entrada é a primeira parte da operação, já que os produtos são distribuídos por todo território nacional.

Nas operações interestaduais, onde geralmente há uma alíquota de 12% (doze por cento), as empresas beneficiadas com a redução do imposto contabilizam o crédito no Estado de origem ou no caso de entrada, como se houvessem recolhido a alíquota cheia e, por força da compensação tributária, não o fazem no Estado de destino. Com efeito, as empresas locais ficam em grande desvantagem sobre o preço final, trazendo uma concorrência desleal. Isso sem contar as práticas internacionais de dumping77, mãos de obra barata, falta de regras

76 REZENDE, Fernando. O federalismo brasileiro em seu labirinto: crise e necessidade de reformas. Rio de

Janeiro: Editora FGV, 2013. p. 28/29

77 Dumping é a prática comercial de venda de produtos por preços muito abaixo do preço praticado pelo

mercado. Trata-se de uma prática comercial desleal que é facilitada quando os meios de produção de um país para determinado produto(s) é muito inferior ao normal. Isso pode ocorrer quando a mão de obra for

trabalhistas, alta taxa de juros no Brasil, câmbio valorizado, dentre outras, que já imbuem o preço dos produtos internacionais.

Como já apontado no capítulo anterior, qualquer concessão de benefício sobre o ICMS, deveria passar pelo CONFAZ. Entretanto, a prática em relação aos portos se tornou tão gritante que foi necessário uma intervenção do Senado Federal. A prática ficou tão usual que a guerra dos portos é considerada o ponto mais evidente dos conflitos fiscais. As concessões não se restringiam aos Estados litorâneos, também foram utilizadas em portos secos.

A guerra dos portos iniciou juntamente com a própria guerra fiscal como um todo. As suas causas não diferem das demais justificativas para tão acirrada competição. Entretanto, o exagero na concessão de incentivos para os produtos importados teve seu ápice em 2011 e 2012, pois segundo noticiado na imprensa os prejuízos da perda direta de arrecadação supostamente ultrapassaria a ordem de 1 bilhão de reais.

São muitos os efeitos que este corriqueiro problema trouxe à Federação brasileira como um todo. As consequências são drásticas, não só para o Estado que perdeu diretamente a receita pelo desvio da rota dos produtos, como para todo o país. Primeiramente, como já dito o ICMS não é recolhido onde deveria por força da atração dos incentivos e há diminuição na receita.

Em segundo, há o impacto direto na indústria nacional. Desde meados de 2010, a produção brasileira sofreu grave declínio. Uma das razões para isso é a inundação do comércio local com produtos importados que superam o preço dos bens locais e transferem as linhas de produção para território estrangeiro.

A situação se intensificou a tal ponto que ficou mais barato produzir fora e apenas remeter os bens para o Brasil e, como resultado, há expressiva redução de empregos e renda para a população. Com a fuga da produção em território nacional há a redução da renda, sobra mão obra, cresce o desemprego, além de haver redução na arrecadação.

extremamente barata e/ou quando houver baixíssima tributação sobre a produção, como é o caso de alguns países do bloco do Mercosul. Entretanto, os impostos de importação não são medidas antidumping, que “são instrumentos de defesa comercial, que compreendem o conjunto de atos e medidas, adotadas pelo Estado brasileiro para resguardar os interesses de seus exportadores, proteger o mercado interno do avanço predatório de agentes econômicos estrangeiros, bem como para evitar prejuízos ou recompor danos experimentados por agentes econômicos nacionais, participantes do comércio exterior brasileiro, mormente no que tange à produção e à indústria doméstica.” FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2ª ed., 2009, p. 419.

Por fim, destaca-se também que mesmo havendo atração da importação no território daquele determinado Estado que concedeu a redução da alíquota do ICMS para a entrada do produto estrangeiro, tal bem não ficará e será consumido naquela região. O mercado sempre será mais forte, o que faz com que a mercadoria seja transportada já no Brasil para as zonas de consumo, sobrecarregando a malha viária e elevando os custos do transporte nacional.

É uma guerra em que todos perdem, somente sendo vantajoso para as grandes corporações que obtém mais lucros. Em contrapartida, os Estados perdem, a Federação perde e a população perde.

Em 24 de abril de 2012, o Senado aprovou a resolução nº 13, com base na atribuição do artigo 155, §2ª, IV da CF, onde foi estipulada alíquota fixa de 4% para operações interestaduais: “resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;”.

A resolução nº 13 fixou alíquota de 4% (quatro por cento) nas operações interestaduais que tenha como objeto produtos vindos do exterior. A exceção à regra é o §1º, do Art. 1º da resolução:

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro:

I - não tenham sido submetidos a processo de industrialização;

II - ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento). Do mesmo modo, não se aplica a alíquota única em caso de entrada de produto importado que não tenha similar em território nacional. A resolução entrou em vigor em 01 de janeiro de 2013 e colocou fim à guerra dos portos. Alguns entusiastas afirmaram que este era o primeiro passo da tão almejada reforma tributária.