• Nenhum resultado encontrado

2. INSTRUMENTOS REGULATÓRIOS DA INSALUBRIDADE

2.3. Eliminação e neutralização dos agentes insalubres

2.3.1. A hierarquia dos métodos de proteção

As técnicas e estudos de SST concentram-se em dois objetivos principais. O primeiro é identificar os riscos no ambiente do trabalho, por meio de estudos científicos e epidemiológicos. Desde os estudos embrionários de Ramazzini (2016), datados do início do século XVIII, acadêmicos e profissionais de áreas relacionadas à medicina e higiene do trabalho buscam identificar causas de adoecimento relacionadas ao trabalho.

42 A afirmação decorre da análise de todo material bibliográfico consultado. A tema costuma ser apresentado

explicando o que é uma atividade insalubre e sua consequência: a concessão do adicional de insalubridade ou da aposentadoria especial. A mesma lógica é aplicada pelos juízes, que analisam os documentos para identificar a presença de um agente insalubre e, em caso positivo, concedem os benefícios pecuniários.

O segundo objetivo é aperfeiçoar técnicas e estratégias para garantir a proteção dos trabalhadores diante dos riscos identificados. A eliminação ou neutralização dos agentes insalubres fazem parte desse estudos essenciais da Higiene Ocupacional.

Como já exposto anteriormente, a Constituição Federal estabelece como um direito social a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio das normas de saúde, higiene e segurança. O inciso XXII do art. 7o é uma norma de natureza essencialmente principiológica, pois não prescreve qualquer conduta. Apenas orienta o legislador e o interprete na elaboração das normas que regem os temas de SST.

O texto constitucional fala em redução, um reconhecimento tácito que nem sempre é possível a eliminação total dos riscos. O objetivo é proteger o trabalhador, reduzindo a exposição com a finalidade de prevenir qualquer dano à sua saúde, ainda que isso nem sempre seja possível.

Já em âmbito legal, o art. 190 da CLT transfere para regulamentação infralegal a disciplina dos “meios de proteção”, seguindo a mesma diretriz adotada para identificação dos agentes nocivos43.

O art. 191 da CLT prevê as formas como se dá a eliminação e a neutralização, sem explicitar o escopo de cada uma das soluções. O dispositivo não estabelece qualquer critério ou ordem de preferência. Prevê como hipóteses de descaracterização da insalubridade tanto de eliminação como de neutralização: I - a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; ou II - a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.

O art. 191 também não dá nenhuma diretriz sobre como o empregador deve operar ou selecionar as medidas de proteção. Essa incerteza leva o interprete a ficar sem referência legal sobre a forma adequada de gerir o risco (SAAD, 2018, p. 407) e, na prática, permitiu que as empresas brasileiras equiparassem as soluções e focassem as estratégias, especialmente no fornecimento de EPI, técnica de implementação mais fácil e menos custosa no curto prazo.

Sob o ponto de vista previdenciário, a Lei n° 8.213/1991 não traz nenhuma regra direta sobre a proteção do trabalhador em face dos agentes nocivos insalubres. Estabelece

43 O art. 200 da CLT reforça o papel central do Poder Executivo na disciplina dos temas de SST. A norma prevê

expressamente que o Ministério do Trabalho deve complementar as disposições legais, indicando nos incisos itens sensíveis, mas não exaustivos: proteção em obras, demolições e reparos (inciso I); gestão de combustíveis (inciso II); trabalhos subterrâneos (inciso III); proteção contra incêndio (inciso IV); proteção do trabalho à céu aberto (inciso V); I - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho (inciso VI); higiene nos locais de trabalho (inciso VII); e sinalização de perigos (inciso VIII).

apenas que a efetiva exposição do trabalhador deverá ser comprovada por laudo técnico elaborado por médico ou engenheiro do trabalho (§ 1º do art. 58) e que desse documento deverão constar informações sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo (§ 2º do art. 58). É surpreendente que até a presente data a Lei de Benefícios não tenha qualquer previsão expressa sobre a ausência de direito ao benefício em caso de uso de EPI ou medidas de proteção coletiva (EPC) eficazes, tema constante nos debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a aposentadoria especial.

Analisando os dispositivos legais que regem a matéria – trabalhistas e previdenciários - verifica-se a ausência de alguns conceitos básicos. Em primeiro lugar, não há clareza sobre o que seria eliminar ou neutralizar o agentes insalubre. Em segundo lugar, não há qualquer referência legal sobre a hierarquia das técnicas de proteção, princípio fundamental da Higiene Ocupacional44. Por fim, não há clareza sobre as consequências jurídicas de usar determinada técnica que elimine ou apenas neutralize o agente.

A OIT reconhece a hierarquia como como importante estratégia de gestão de riscos ocupacionais. A Organização estabelece quatro formas principais de reduzir a exposição, em ordem decrescente quanto à efetividade: a) eliminação do agente no ambiente; b) eliminação da exposição do trabalhador ao risco; c) isolamento do risco; e d) proteção do trabalhador (COSTA, p. 63).

No âmbito regulamentar, o Decreto n° 3.048/1999 não traz qualquer informação adicional. A ausência de regras previdenciárias claras – legais e infralegais - foi um dos principais motivos da judicialização do tema sobre a eficácia dos EPI para descaracterizar o tempo especial, objeto do julgamento do RE 664.335/SC pelo STF em 2014, como será visto adiante.

Já as normas regulamentadoras, que são o instrumento escolhido pela CLT para delimitar os temas relacionados à SST, trazem regramento bastante detalhado dos métodos de proteção, especialmente na NR-9, responsável por disciplinar o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).

44 É consenso entre os higienistas que os métodos de proteção devem seguir uma hierarquia, que parte da

eliminação completa do agente nocivo, com a sua substituição por outro que não agrida a saúde humana e termina com a utilização dos equipamentos de proteção individual. A hierarquia parte do pressuposto básico que o ideal é eliminar a fonte do risco. Se inviável, afastar a fonte dos trabalhadores. E apenas como último recurso impedir o contato do agente com o trabalhador por métodos do proteção individuais.

A NR-9 não trata de insalubridade, tema cuja disciplina compete à NR-15, mas traz importantes conceitos no que se refere à eliminação e neutralização dos agentes insalubres. A norma prevê, de forma expressa, a hierarquia dos métodos de proteção45.

Quanto às hipóteses em que devem ser adotadas medidas de eliminação ou neutralização, o item 9.3.5.1. da NR-9 estabelece que a empresa deverá adotar medidas suficientes para eliminação, minimização ou controle dos riscos ambientais, toda vez que forem identificadas uma ou mais das seguintes situações: a) identificação de risco potencial à saúde na fase de antecipação, que se dá antes do início das atividades (item 9.3.2); b) constatação de um risco evidente à saúde, na fase de reconhecimento, que se dá após o início das atividades, com a efetiva identificação dos riscos (item 9.3.3); c) quando a avaliação dos agentes insalubres identificar que superam os limites de tolerância previstos na NR-15 ou, na ausência dos valores limites na norma, forem superados os limites de exposição ocupacional adotados pela ACGIH; ou d) quando ocorrer um dano efetivo ao trabalhador, identificado pelo controle médico, relacionado ao trabalho.

A NR-9 utiliza os termos eliminação, minimização ou controle, enquanto a CLT e NR-15 utilizam os termos eliminação e neutralização. Eliminação é de fácil compreensão, com o mesmo significado da NR-15. Já minimização e controle não tem paralelo na NR-15.

Como a NR-9 não promove o enquadramento ou não enquadramento do agente insalubre, tendo um escopo mais amplo de ações preventivas, entendo que “controle” refere- se às medidas efetivas de redução da exposição para níveis não agressivos, isto é, a neutralização, e “minimização” seria o controle não efetivo, isto é, incapaz de reduzir a exposição do agente a níveis não agressivos, ainda que promova uma redução da concentração.

O item 9.3.5.2 estabelece a hierarquia dentre os métodos de proteção coletivos: a) medidas que eliminam ou reduzam a utilização ou a formação de agentes prejudiciais à saúde; b) medidas que previnam a liberação ou disseminação desses agentes no ambiente de trabalho; e c) medidas que reduzam os níveis ou a concentração desses agentes no ambiente de trabalho.

As medida coletivas são aquelas que controlam os agentes na fonte ou na trajetória entre a fonte e o trabalhador. São medidas mais eficientes e mais dispendiosas quando não

45 9.3.5.2 O estudo, desenvolvimento e implantação de medidas de proteção coletiva deverá obedecer à seguinte

hierarquia:

a) medidas que eliminam ou reduzam a utilização ou a formação de agentes prejudiciais à saúde; b) medidas que previnam a liberação ou disseminação desses agentes no ambiente de trabalho; c) medidas que reduzam os níveis ou a concentração desses agentes no ambiente de trabalho.

previstas nos projetos originais de estruturação do ambiente produtivo (OLIVEIRA, 2009, p. 43).

Aplicando-se a regra para o ruído, temos que o dispositivo determina que a empresa, em primeiro lugar, promova medidas que eliminem a fonte de ruído. É o caso, por exemplo, da substituição completa de uma máquina que produza ruído em níveis agressivos por outra que não produza. Se a máquina não puder ser trocada, utiliza-se a medida do item “b”, o controle da liberação no ambiente. Seria o caso, por exemplo, de isolar a máquina ruidosa em um ambiente da empresa onde os trabalhadores permaneçam por pouco tempo, reduzindo o contato com o agente. Por fim, inviável essas alternativas, poderia o empregador adotar um filtro antirruído para a máquina.

Pela NR-9 (item 9.3.5.4), quando essas medidas não forem tecnicamente possíveis ou suficientes, cabem duas alternativas de controle da exposição, também hierarquizadas. Em primeiro lugar, a empresa deve promover medidas de caráter administrativo ou reorganização do trabalho. Isto é, sem promover qualquer intervenção no meio ambiente do trabalho, deve reduzir o contato do trabalhador com a fonte do agente agressivo.

Nota-se que a redução da jornada, medida apregoada por críticos do modelo da monetização do risco46 como a única solução realmente protetiva na ausência de medidas coletivas, está prevista na NR-9. Hoje já seria possível substituir o adicional pela jornada reduzida, pelo menos para os agentes em que o tempo de exposição é relevante para caracterizar a insalubridade. Para o ruído, como já exposto, a jornada é decisiva para caracterização da nocividade, pois o tempo de exposição é fator essencial. Reduzindo o tempo de exposição gera-se o efeito automático de reduzir ou eliminar a insalubridade. A redução de jornada para fins de prevenção, contudo, é pouco usada47.

Se todas essas medidas individuais e coletivas não forem suficientes, cabe à empresa utilizar os equipamentos de proteção individual (EPI). No caso do ruído, seria o plugue ou o

46 A expressão é utilizada para criticar o pagamento de adicionais e da aposentadoria especial como forma de

atuação do Estado na disciplina da insalubridade. As técnicas de prevenção seriam a estratégia contraposta, baseada em proteger o trabalhador, e não compensá-lo por estar exposto a um risco ou dano efetivo à sua saúde. Importante destacar que não são posições necessariamente antagônicas. Nossas normas regulatórias, inclusive, apresentam ambas abordagens. Mas realmente há uma preponderância, nos debates jurídicos, dos instrumentos pecuniários. A segurança e saúde do trabalhado, fim das normas sobre o tema, acaba tendo espaço diminuto em ações judiciais e estudos doutrinários. O pagamento do adicional de insalubridade e a concessão da aposentadoria especial dominam o debate jurídico nacional.

47 Ao contrário, o mais comum é o exercício de horas extras em ambientes insalubres, o que é um verdadeiro

protetor tipo concha, que impedem que o agente nocivo ruído no ambiente afete o sistema auditivo e prejudique a saúde do trabalhador48.

As medidas individuais ou relativas ao trabalhador são normalmente as mais simples e menos custosas, razão pela qual são identificadas como medidas mínimas ou medidas de controle necessário e suficiente (OLIVEIRA, 2009, p. 44).

O item 9.3.5.4 estabelece que a utilização de um método de hierarquia inferior deve ser aceito: a) na inviabilidade técnica da adoção de medidas de proteção coletiva; b) na insuficiência da medida adotada; c) durante o período de estudo, planejamento ou implantação; ou d) em caráter complementar ou emergencial.

Esse complexo regramento da NR-9 não é replicado na NR-15. A NR-15 traz um tratamento muito menos detalhado e não aborda a questão da hierarquia das técnicas de proteção, repetindo a fórmula genérica da CLT:

15.4 A eliminação ou neutralização da insalubridade determinará a cessação do pagamento do adicional respectivo.

15.4.1 A eliminação ou neutralização da insalubridade deverá ocorrer:

a) com a adoção de medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;

b) com a utilização de equipamento de proteção individual.

15.4.1.1 Cabe à autoridade regional competente em matéria de segurança e saúde do trabalhador, comprovada a insalubridade por laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, devidamente habilitado, fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização.

15.4.1.2 A eliminação ou neutralização da insalubridade ficará caracterizada através de avaliação pericial por órgão competente, que comprove a inexistência de risco à saúde do trabalhador.

A NR-15 não estabelece qualquer orientação quanto à hierarquia dos métodos de proteção, enquanto a NR-9 estabelece de forma muito clara que a escolha do método de proteção (medidas coletivas, medidas administrativas ou equipamentos de proteção individual) não é uma decisão discricionária do empregador. O mesmo deve, necessariamente, buscar a solução coletiva antes de partir para o uso dos EPI, solução mais simples e econômica mas com menor eficiência em termos de proteção.

48 A discussão sobre a suposta ineficácia do protetor individual para o agente ruído foi cristalizada pelo STF no

julgamento do RE 665.334/SC. Isso porque, ao afastar a possibilidade de afastamento do direito à aposentadoria especial no caso do uso do EPI para ruído, com base em uma suposta ineficácia incontroversa reconhecida pela Corte, acabou por cravar em um precedente jurisprudencial que não há forma adequada de proteger um trabalhador do agente ruído só com EPI. O tema será objeto de análise específica nos capítulos 2.3.5 e 5.8, mas já antecipamos que tecnicamente a conclusão não é correta. O EPI para ruído é comprovadamente técnica eficaz, desde que observados uma série de requisitos.

Portanto, em que pese expressamente prevista na NR-9, não há qualquer disciplina do tema da hierarquia dos métodos de proteção no que se refere à caracterização da insalubridade, seja para fins trabalhistas, seja para fins previdenciários.

Documentos relacionados