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O problema específico do ruído ocupacional

6. PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO DAS FALHAS APONTADAS

6.10. O problema específico do ruído ocupacional

Além das medidas de ordem geral que se aplicam a qualquer agente insalubre, inclusive ao ruído, este agente encontra alguma particularidades que demandam um tratamento específico.

Em especial, o julgamento do RE nº 664.335/SC deu ao ruído características normativas diversas dos demais agentes insalubres, pois expressamente afasta o uso do EPI eficaz como metodologia adequada e eficiente para proteger os trabalhadores.

Esse sem dúvida nenhuma é o tema regulatório mais relevante desse agente no momento, pois ele desfaz toda a lógica de atuação das grande maioria das empresas e gerou uma lacuna ainda não preenchida no sentido de ser construída uma estratégia que proteja trabalhadores, seja possível e razoável para empregadores e garanta uma fiscalização adequada pelo Estado. Voltaremos a ele a seguir.

O outro tema urgente é a falta de critérios unificados para identificação dos limites ocupacionais de exposição a ruído no Brasil. A CLT e o Decreto 3.048/1999 adotam o limite de tolerância de 85 dB(A), mas utilizam critérios diversos para apurar a dose (nível de exposição no caso da NR-15; nível de exposição normalizado no caso da Previdência).

A NR-15 utiliza o nível de limiar de integração 85 dB(A) e o fator de dobra 5. Para a Previdência, a regra não está clara, pois não há menção expressa desses aspectos. Essa indefinição de critérios gera complicações consideráveis para o empregador, dúvidas para os operadores do Direito e dificuldades para os profissionais da área, que são obrigados a calcular o ruído com base em critérios diferentes.

A solução óbvia seria unificar os critérios. Tecnicamente o correto, em termos de prevenção, é a adoção do critério da NHO-1. Mas isso não é possível imediatamente por conta de dois pontos fundamentais. O primeiro é o mencionado julgamento do STF, que gera direito à aposentadoria especial e ao adicional para qualquer trabalhador que exerça atividade em ambiente com nível de exposição acima do limite. O segundo é a capacidade econômica das empresas brasileiras para se adaptarem a um padrão mais rigoroso. De nada adiante adotar critérios muito rigorosos se as empresas não puderem cumprir as normas.

O primeiro passo para superar esse complexo desenho é modificar o entendimento adotado após o julgamento do STF em 2014. Não apenas em relação ao ruído, mas também em relação à tese principal, que peca ao não diferenciar métodos estruturais, coletivos ou individuais de proteger o trabalhador.

Uma revisão pura e simples do julgado não apenas não parece crível, mas não é juridicamente o melhor caminho. Há dois aspectos centrais mencionados no julgado que devem ser endereçados:

1) a hierarquia dos métodos de proteção não é bem construída normativamente. É preciso estabelecer de forma clara como se cumpre a hierarquia, como a mesma deve ser documentada e quais a consequências de utilizar cada um dos métodos; e

2) mesmo que uma empresa adote rigoroso programa de proteção auditiva, os documentos previdenciários (LTCAT e PPP) não fornecem aos órgãos públicos (INSS e Receita) ou aos operadores do Direito informações suficientes.

Ambos os temas foram objeto de propostas específicas nos capítulos antecedentes. Se as medidas forem implementadas, com alteração não apenas de novas regras jurídicas, mas efetivamente de uma nova sistemática de funcionamento das técnica de proteção, é bem possível que a jurisprudência responda positivamente e, ao final, o STF mude seu entendimento pela mudança das próprias premissas fáticas e jurídicas do tema.

Superado esse aspecto central, restaria resolver o problema do limite ocupacional. As normas de SST voltam-se à prevenção. Não há dúvida que o limite ocupacional de 85 dB(A), apurado pela metodologia da Fundacentro prevista na NHO-1 e utilizando limiar de integração de 80 dB(A) e o fator de dobra 3, é mais protetivo que o critério atual da NR-15. É o padrão reconhecido como mais adequado por estudos científicos em todo o mundo.

A NR-9 já prevê o acompanhamento do ruído superior a 80 dB(A), mas utilizando os parâmetros da NR-15. A utilização dos critério mais rígidos para essa finalidade representaria importante avanço da nossa legislação e não geraria qualquer impacto em termos de pagamento de benefícios ou tributos. Entendo que o limite da NR-15, única norma jurídica que estabelece limites ocupacionais, deve ser aplicada à Previdência Social, ainda que o tema mereça mais transparência no Decreto n° 3.048/1999.

Quanto aos parâmetros da NR-15 e da aposentadoria especial, eventual adoção do critério mais rígido sem qualquer alteração na sistemática dos benefícios pecuniários seria problemática e imprevisível. Seria necessário um levantamento efetivo dos impactos nos diversos setores produtivos, especialmente no setor industrial. Também seria necessário observar um período razoável de transição.

Uma solução intermediária é elevar o nível de ruído para fins de caracterização da insalubridade e do tempo especial. Os europeus utilizam como limite ocupacional mínimo de 87 dB(A). Essa elevação pontual do limite de tolerância reduziria o impacto da adoção de critérios mais rígidos para sua aferição, com a redução do fator de dobra e adoção de um limiar inferior. Mesmo assim seria necessário avaliar o impacto real da mudança.

Ainda que mantido o atual critério da NR-15, aplicando-o também para a aposentadoria especial, permaneceria a coexistência de dois parâmetros normativos para o ruído ocupacional, uma para fins de adicional e aposentadoria, outro para fins de prevenção. Ainda que com objetivos bem diversos (prevenção x pagamento de benefícios), os profissionais teriam que realizar dois levantamentos, com critérios diferenciados.

Entendo que é necessário unificar o critério, seja ele qual for, descartando-se a terceira hipótese, pelo menos como solução definitiva. A mudança deve incluir também a adoção de uma única metodologia e procedimento técnico para orientar as empresas. Uma opção é tornar

a metodologia da NHO-1 da Fundacentro obrigatória para qualquer levantamento técnico. Mudanças sobre a metodologia de medição deveriam ser feitas no próprio documento.

Mas as mudança estruturais não devem se limitar à mudanças normativas. Estas devem ser conjugadas com outros instrumentos regulatórios, voltados ao estímulo das mudanças nos próprios ambientes de trabalho.

A melhor forma de eliminar o ruído é eliminando sua fonte. Diferentemente de outros agentes ambientais, é tecnicamente fácil afastar os trabalhadores do contato com o ruído, ainda que economicamente a solução não seja tão simples.

Para superar as dificuldades econômicas, uma alternativa já experimentada é estimular a produção de máquinas, equipamentos e métodos de produção mais silenciosos. A NIOSH, por exemplo, mantém um programa chamado “buy quiet”149 que orienta as empresas a procurar equipamentos mais silenciosos.

Além de fornecer informações, a identificação expressa no maquinário do nível de ruído poderia auxiliar bastante na compra de equipamentos mais silenciosos. O Inmetro tem iniciativa nesse sentido em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para eletrodomésticos, como aspiradores de pó, secadores de cabelo e liquidificadores. Parceria semelhante poderia ser feita entre a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e o Inmetro.

Outra solução estrutural importante seria estabelecer linhas de crédito oficiais subsidiadas para aquisição de máquinas, elaboração de projetos de engenharia e aquisição de equipamentos para enclausuramento e isolamento de ruído. A medida facilitaria avanços nas empresas de médio e grande porte e é fundamental para as micro e pequenas empresas. Sem estímulos econômicos adequados não será possível transformar os ambientes de trabalho brasileiros.

Por fim, relevante ressaltar que há situações em que não é possível eliminar o ruído. O exemplo óbvio é o trabalho em pátios de aeroportos. Nesse caso, não há como não adotar o EPI como o instrumento de proteção do trabalhador. Uma conjugação entre proteção adequada por EPI e adequação da jornada de trabalho para os níveis de tolerância seria a melhor estratégia.

A eliminação ou neutralização do ruído, inclusive com a adequação da jornada de trabalho, tornaria a existência do adicional de insalubridade e da aposentadoria especial medidas residuais, só destinadas a situações em que o empregador não adota medidas

149 Detalhes do programa disponíveis em: <https://www.cdc.gov/niosh/topics/buyquiet/default.html>. Acesso em

adequadas de proteção. Nesse caso, adotando o modelo regulatório tit-for-tat, o regulador poderia utilizar de todo seu arsenal para forçar a empresa a adequar seus procedimentos, incluindo tributação extrafiscal, penalidades administrativas e ações regressivas.

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