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Vedação do trabalho insalubre da gestante e lactante

2. INSTRUMENTOS REGULATÓRIOS DA INSALUBRIDADE

2.2. Vedação do trabalho insalubre da gestante e lactante

Outra restrição do trabalho insalubre refere-se às gestante e lactantes. O tema foi objeto de três alterações legislativas sucessivas na CLT, tentando resolver o problema gerado pelas decisões judiciais que vinham ampliando o número de atividades inacessíveis para essas trabalhadoras. Como veremos, as alterações foram mal sucedidas e o tema está sem solução jurídica adequada após o julgamento da ADI n° 5938 pelo STF em maio de 2019.

A Lei n° 13.287/2016 alterou a CLT, incluindo o art. 394-A, exigindo o afastamento da gestante e da lactante do local de trabalho insalubre: “a empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre.”

O dispositivo não estabelecia solução para a hipótese de ausência de vaga para a gestante em atividades salubres, como no caso dos hospitais e outros ambientes com agentes não controláveis por equipamentos de proteção individual (EPI), pelo menos sob o ponto de vista jurídico. Também não foi avaliada a questão específica do ruído após a decisão do STF, que potencialmente tornou qualquer trabalho em ambiente com ruído acima de 85 dB(A) insalubre, independentemente da redução promovida pelo uso dos EPI40.

A Lei n° 13.467/2017 mudou o art. 394-A, permitindo o trabalho em condições insalubres em grau médio ou mínimo, desde que não houvesse recomendação médica em sentido contrário.

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;

insalubres (AIRR 0001134-86.2015.506.0182, 3ª Turma, Rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 02/06/2017).

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

O tema foi objeto de crítica durante a tramitação no Congresso Nacional, especialmente no Senado Federal e, por conta disso, houve um compromisso do então Presidente da República de vetar esse e outros pontos do projeto de lei41. A crítica voltou-se ao fato do texto admitir a possibilidade do trabalho da gestante em condições insalubres, sendo necessária manifestação médica da própria trabalhadora em sentido contrário para impedir o trabalho. O receio de sofrer represálias em caso de negativa inibiria as gestantes e lactantes de buscar o afastamento.

Sob o ponto de vista regulatório, outro ponto relevante é a transferência da responsabilidade, em caso de afastamento, para a Previdência Social, que teria que arcar com o salário maternidade em caso de impossibilidade de adaptação da gestante ou lactante, transferindo o custo do trabalho insalubre para a sociedade. No mesmo sentido, a regra repetiu a redação de 2016 quanto à manutenção do pagamento do adicional mesmo após o afastamento da atividade nociva.

O texto aprovado pelo Congresso Nacional foi integralmente mantido, mas o Presidente encaminhou uma medida provisória (MP n° 808/2017) alterando novamente a redação do art. 394-A. Excluiu-se o direito ao adicional em caso de afastamento da atividade insalubre e inverteu-se a lógica para o afastamento por recomendação médica: a regra passou a ser a vedação. A flexibilização, com admissão do trabalho em condições insalubres em grau médio ou mínimo, dependia de expressa autorização do médico de confiança da própria trabalhadora.

Sem acordo político para confirmar a alteração promovida pela MP, a mesma perdeu vigência em 23 de abril de 2018 e o texto original da Lei n° 13.467/2017 voltou a viger.

Na sequência, em 24 de abril de 2018, foi ajuizada a ADI n° 5938-DF. O pedido principal era a declaração de inconstitucionalidade do trecho “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento” dos incisos II e III do art. 394-A. Dessa forma, o dispositivo passaria a ter a redação que impede, em qualquer caso, o trabalho com exposição a agentes insalubres em grau médio e mínimo:

41 A “carta” foi utilizada como instrumento de convencimento político para aprovação do texto da reforma no

Senado. Disponível em <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/06/28/em-carta-aos-senadores- temer-garante-veto-a-pontos-polemicos-da-reforma>. Acesso em 9 de janeiro de 2020.

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:

(...)

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, durante a gestação; e

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, durante a lactação.

O Ministro Relator Alexandre de Moraes concedeu a medida cautelar, suspendendo a eficácia dos dispositivos supra mencionados. Na sua visão, posteriormente confirmada pelo Plenário do STF por 10 votos a favor e 1 contrário, tanto a maternidade como a infância, inclusive do nascituro, são protegidas constitucionalmente, e essa proteção não pode ser flexibilizada de nenhuma forma. Outros precedentes do STF garantem a proteção integral da mulher e da criança, razão pela qual vedar apenas o trabalho insalubre em grau máximo iria de encontro à visão da Corte sobre a ausência de limites dessa proteção.

Com a declaração de inconstitucionalidade, está totalmente vedado o trabalho em condições insalubres, independentemente de qualquer comprovação de que eventual contato implique em prejuízos a saúde da mulher ou do nascituro. Há uma presunção legal absoluta de que qualquer atividade insalubre, assim reconhecida pelas normas trabalhistas, dá direito ao afastamento. A gestante e lactante receberá o salário e o valor do adicional, mesmo afastada das atividades com exposição a agentes nocivos. Outrossim, em caso de impossibilidade de adaptação na empresa, os custos integrais com o salario e o adicional serão arcados pela Previdência Social.

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