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3 IDENTIDADE DAS EMISSORAS: PROGRAMAÇÃO E PRODUTOS

6 O ESTUDO DE CASO

6.1 História da TV Universitária do RN

Em primeiro de dezembro de 1972, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte recebeu a licença para o funcionamento em caráter experimental, pelo prazo de 90 dias, de uma estação de radiodifusão com fins exclusivamente educativos. A autorização assinada pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici foi aprovada em Decreto Nº 71.464 (ANEXO 1), permitindo à Universidade a utilização do Canal 5 a partir da potência de 32 KW ERP. O Rio Grande do Norte não contava com nenhuma emissora de televisão, sendo a TV Universitária a primeira geradora de serviços de sons e imagens e a única pelo período de quinze anos a produzir e transmitir conteúdos locais.

Nesta primeira fase da história da emissora, o conteúdo era exclusivamente voltado para a viabilização do Programa Nacional de Teleducação, o PRONTEL, por meio de um convênio firmado por iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (INPE) conjuntamente o Ministério da Educação - por meio da UFRN, e com o Governo do Estado - por meio da Secretaria de Educação.

Figura 7 – Imagem da época com a estrutura do convênio entre UFRN, INPE e Governo do Estado

especificando as obrigações de cada instituição

Fonte: MOTTA (2003, p.77)

A parceria entre as instituições tinha como uma das missões operacionalizar o Projeto Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares, mais conhecido como “Projeto SACI”, que tem como base da sua criação o objetivo de transmitir via satélite as aulas do INPE produzidas em São José dos Campos, em São Paulo. Cada instituição tinha obrigações específicas, como o INPE na produção e distribuição das teleaulas, e a TVU RN sob responsabilidade da UFRN (por isso seu nome ser “TV Universitária”) retransmitir a produção à diversas escolas do estado nordestino.

Figura 8 – Marca do projeto, em 1972

Fonte: MOTTA (2003, p.74)

O Experimento Educacional do Rio Grande do Norte (EXERN) continha diversas missões, como alcançar 500 escolas públicas de diversas partes do estado – o equivalente a dois terços, escolhidas entre 2.054, e equipá-las com aparelhos de televisão e/ou rádio para a diminuição alarmante do alfabetismo da época, (ANEXO 2- O Estado de S. Paulo). Sobre a escolha do Rio Grande do Norte como lugar para implantação dessa experiência em Teleducação, Paiva (2013, p.282), diz que:

Documentos publicados pelo INPE, como o Manual do Professor, em 1972, explicam com argumentos não suficientes para os motivos dessa escolha, por exemplo: ser um Estado do Nordeste; ter problemas educacionais; possuir zonas geográficas comuns aos outros Estados (litoral, agreste, sertão etc). Não queremos negar esses fatores, eles existem, mas são comuns a todos os demais Estados do Nordeste. No entanto, ao final das explicações, o documento introduz mais um argumento: a existência de uma Representação do INPE em Natal, capital do Estado, o que torna mais plausível tal decisão.

Arnon Andrade (2005, p.134), um dos primeiros diretores da TV Universitária do RN, reforça a importância da relação entre o INPE e a UFRN:

[...] porque já tinha um escritório em Natal, por conta das atividades desenvolvidas com a base de lançamentos de foguetes da Barreira do Inferno; porque a UFRN já era concessionária de um canal de televisão educativa; a Secretaria Estadual de Educação demonstrou interesse e, finalmente, mas não por último, no Rio Grande do Norte, as condições eram tão difíceis que os resultados bem poderiam ser projetados para as regiões mais pobres do país.

O SACI tinha como finalidade suprir carências educacionais da época e é considerado um marco histórico da educação a distância no Brasil, principalmente

por ser um grande feito nos anos 70 uma experiência como esta, em que aulas em localidades distantes, muitas vezes carentes de energia elétrica, dependiam de aparelhos televisores alimentados a cada quinze dias por baterias de “jipes”. “Essa operação demandava uma logística bem articulada sediada em Natal e nas cidades- polo de cada região com o objetivo de garantir a continuidade do projeto no interior do estado” (TVU RN, 2018). As aulas retransmitidas pela TVU RN em sinal aberto, pelo sistema micro-ondas, eram assistidas por alunos e professoras de diversas escolas municipais e estaduais, localizadas na periferia de Natal e no interior do estado, das turmas das quatro primeiras séries do ensino de 1º grau. A ideia do INPE era de que as aulas, a partir de 1976, fossem transmitidas por satélite próprio e implantar o Projeto SACI em todo território nacional.

Figura 9 – Escolas recebiam televisores para recepção do material audiovisual didático

Fonte: O Estado de S. Paulo, 29 de junho de 1973

No primeiro momento chamado de Missão I, o projeto era direcionado à capacitação das professoras já que os anos para a educação brasileira estavam

difíceis: 70,19% das professoras eram leigas com instrução primária; 79,34% das escolas não possuíam energia elétrica; e 91,42% era escolas isoladas, em meio rural (MOTTA, 2003). De acordo com reportagem do Jornal do Brasil, em 1975 (ANEXO 3), a televisão por ser um veículo considerado “atrativo” poderia promover “refinamento técnico da ação docente e ao atendimento da criança na sua própria casa”. Já em outra reportagem de 1973, O Estado de São Paulo chama as professoras da época de “aluno-professor”, colocando-as no “mesmo nível de conhecimento” dos estudantes, mostrando o quanto a pobreza financeira era uma realidade em meio a um projeto oneroso e ambicioso do INPE. De acordo com Andrade (1996, p.117):

O Inpe montou um projeto sofisticado. Treinou uma equipe com profissionais de comunicação social e educação; instalou equipamentos para a produção de programas de rádio, televisão e material impresso; desenvolveu equipamentos de recepção de satélite; testou formas alternativas de energia para alimentar receptores em locais não servidos por energia elétrica; usou fartamente o computador e, como se não bastasse, no bojo do projeto, organizou um mestrado em Tecnologia Educacional por onde passaram profissionais hoje espalhados por todo o país.

Figura 10 – As aulas do SACI com duração diária de 45 minutos eram gravadas em estúdio e

simulavam uma sala escolar.

Figura 11 – Bastidores da gravação de uma das aulas de História do Brasil produzidas pelo

INPE

Fonte: Arquivo INPE, 1972

Naquele tempo não havia no país antena parabólica e o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado brasileiro a adquirir a tecnologia, graças ao projeto SACI e a ideia de que a aplicação da tecnologia espacial poderia suprir os problemas educacionais do Brasil. Nove parabólicas foram disponibilizadas para as escolas e uma para a TVU RN, além da estrutura de estações e repetidoras instaladas em Natal, Mossoró, Caicó e Serra de Santana, consideradas regiões estratégicas. A proposta era que as aulas fossem transmitidas via satélite:

Uma das missões mais importantes do EXERN foi a utilização dos satélites de comunicações ATS-3 e ATS-6 (Application Technology Satellite), da NASA. Sinais de TV e RÁDIO, gerados no INPE em S.J. Campos-SP eram transmitidos para o satélite ATS-6, o qual os retransmitia para o R.G. Norte. Na TV-U em Natal, o sinal era recebido por meio de uma antena parabólica de três metros, mais um receptor, injetando no sistema de transmissão de superfície, sob forma de aula regular. Paralelamente, algumas escolas recebiam diretamente do satélite o mesmo sinal [...] Várias escolas no interior foram contempladas com antenas parabólicas e seus equipamentos associados, de formas a receberem aulas diretamente do satélite ATS-6. Isto em 1973, quando ninguém sabia o que era o uso de tal tecnologia. (MATTOS, 2003, p.80)

A partir de 1976, o Projeto SACI é encerrado e a TVU RN passa a integrar o Sistema de Teleducação do RN (SITERN), mediante convênio entre a UFRN, MEC, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - órgão subordinado ao INPE, e a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC-RN).

“Oficialmente, o motivo alegado pelos que defendiam o fim do projeto SACI era seu alto custo com a produção, transmissão e recepção dos programas” (PEDROZA, 2017, p.140). Com objetivo de dar continuidade ao programa de Teleducação às primeiras séries do ensino básico de escolas localizadas na zona rural e periferias, a TVU/UFRN passa a produzir os conteúdos e a SEEC-RN a alocar os recursos humanos e financeiros. O SITERN surge então a partir da chamada estadualização do Projeto SACI, possibilitando material didático das teleaulas e televisores para as escolas públicas. Conforme trecho do documento de 1997 para implementação do projeto “Jornal da Educação” (ANEXO 4), “Entre 77 e 83, o sistema transmitiu, acompanhou e avaliou programas educativos para as primeiras quatro séries do 1o grau, chegando a beneficiar cerca de 40 mil alunos”.

Figura 12 – Cidades e número de escolas alcançadas pelo programa

Fonte: Arquivo TVU RN

No ano de 1978, o INPE deixa de fazer parte do projeto devido principalmente ao investimento do Governo Federal na Televisão Educativa no Rio de Janeiro. Sete anos após iniciado, segundo Andrade (1996, 2005), a experiência do INPE foi interrompida antes do término dos objetivos planejados principalmente por pressões do Governo Federal. Sobre o fim do projeto, Paiva (2003, p.291), analisa da seguinte maneira:

Contribuíram para esse fracasso a forma acrítica de empregar a tecnologia nos processos educativos, a supervalorização da racionalidade técnica, em detrimento da realidade social local, o desconhecimento dessa realidade, a imposição autoritária de uma programação, sem levar em consideração o sistema social a que se propunha atuar. O grupo criador do Experimento não viu nada disso. O interesse estava voltado para a modernização do sistema escolar, promovendo o uso da tecnologia educacional e dos meios de comunicação, particularmente a televisão, canalizando seu potencial para reforçar o ideário institucional e capitalista, vigentes.

Com a mudança de responsabilidades, a TVU passa a não mais funcionar na sede do INPE, e é instalada no centro de Natal, em um prédio na avenida Rio Branco, que hoje funciona um dos campi do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). Nesta fase, a mudança não aconteceu apenas fisicamente, como também com relação ao conteúdo produzido pela emissora e o funcionamento interno, iniciando a produção dos próprios programas com uma equipe de funcionários da casa.

Figura 13 – Com a saída do INPE, a TV Universitária passou a funcionar em prédio próprio

Fonte: Arquivo da TVU RN, 1976

Programas como o de auditório “Viajando o Sertão” e o “Memória Viva” marcaram os anos 80 por levar produções que iriam muito além dos conteúdos didáticos, ampliando assim a promoção do jornalismo e da cultura local. Conteúdos sobre educação também foram além das salas de aula, como o “Informativo SITERN” que posteriormente passou a se chamar “Jornal da Educação”. Na área jornalística, a emissora produziu o telejornal RN Notícias no período de 1978 a 1986,

tendo matérias veiculadas na TV Cultura, Rede Globo e TVE do RJ. Ficava assim, a cargo da emissora, a produção e veiculação dos programas voltados a uma programação educativa com prioridades para a zona rural do estado.

Figura 14 – Gravação do programa Viajando o Sertão

Fonte: Arquivo TVU RN

Com a saída do INPE do convênio, o SITERN passa a contar com os recursos advindos da UFRN e da Secretaria de Educação e Cultura do Estado. Em um documento de 1989 (ANEXO 5), encaminhado pelo então diretor da TVU RN e também coordenador geral do SITERN, Carlos Augusto Lyra Martins, ao secretário de Educação e Cultura do RN, Luis Eduardo Carneiro, as dificuldades financeiras do projeto ficam evidentes, em que é exposto “o atraso na liberação de recursos [...], ocasionando sérios transtornos às atividades do SITERN, acrescidos das dificuldades por que passa a UFRN”. No documento é solicitado à SEEC-RN a quantia de dez mil cruzados novos para despesas de caráter emergencial. Ao longo da coleta de dados, obtivemos acesso a outros documentos de caráter parecido, como um projeto denominado “Apoio às ações educativas da periferia urbana/zona rural” direcionado a solicitação de recursos financeiros e apoio técnico à uma agência financiadora para a continuidade dos programas educativos do SITERN. Sobre essa fase:

O Sitern resistiu bravamente às adversidades. As prioridades mudaram e o MEC, que manteve durante alguns anos a liberação de recursos para o Sitern, resolveu concentrar seus investimentos na TVE do Rio de Janeiro,

que viria a ser a cabeça da rede de televisões educativas brasileiras. A Seec, salvo os salários de parte da equipe, também deixou de investir no sistema. O Sitern e o Saci tinham como proposta melhorar a qualidade da educação básica, e isso não era eleitoralmente muito visível, ao menos a curto prazo. Finalmente a UFRN, entre 1983 e 1991, deixou a TV de tal modo sem recursos que seu sinal, antes cobrindo quase todo o estado, hoje chega apenas a quatro ou cinco dezenas de municípios em torno de Natal. Essa falta de interesse pela televisão educativa aconteceu exatamente no período em que as TVs comerciais surgiram, cada qual ligada a um grupo político. (ANDRADE, 1996, p.118 – 119)

Nos documentos da época, pode-se perceber o quanto nesses anos inicias houveram avanços na preparação dos profissionais da área, tanto na parte da produção quanto na da difusão, mas a diminuição dos recursos pesava nas decisões e no avanço técnico da emissora. Em 1994, o sinal da TVU RN alcançava apenas a capital Natal e outros trinta municípios - de 152 naquele ano. Atualmente, a emissora não disponibiliza quais as áreas de abrangência do sinal, contudo, sabe-se o quanto dinheiro e gestão tem relação direta com esse melhoramento técnico e ao não sucateamento.

Em 1995, uma nova mudança marca a história da emissora, que passa a fazer parte do Núcleo de Tecnologia Educacional (NUTE), um órgão suplementar da UFRN subordinado à Pró-Reitoria de Extensão. Além da TVU RN, o órgão contava com o Laboratório de Radiodifusão (LABCOM) do Departamento de Comunicação Social e com a Oficina de Tecnologia Educacional (OTE). Uma das finalidades do NUTE era “manter a TV Universitária no ar”.

Figura 15 – Sede da TVU RN no ano de 1995. Detalhe para a placa com o nome do Núcleo de

Tecnologia Educacional

A estrutura administrativa era parecida com a atual: Jornalismo, Programação e Operação. Dentre as competências a de “supervisionar as atividades de programação da emissora aos níveis local e em rede, cuidando para que a mesma seja preponderantemente educativa, cultural e informativa”. A emissora então passa a funcionar na própria Universidade, bem próxima à Reitoria, em prédio próprio. A mudança aproximou a emissora à uma nova realidade, apesar dos profissionais fazerem parte da folha de pagamento da UFRN, havia um distanciamento institucional. A emissora passa a ser uma escola para os estudantes universitários, o que é realidade até hoje, em que muitos profissionais tiveram e tem suas primeiras experiências, em diversos setores, dando a oportunidade de atuar em outros veículos de comunicação. “E são raros os profissionais de nossa TV que não tenham percorrido esse labirinto de aprendizagem formados pelos estúdios e bastidores do Canal 5” (Pedroza, 2017, p.150).

Figura 16 – Reitor Geraldo dos Santos Queiroz inaugura a sede da TVU RN em 1995

Fonte: Arquivo TVU

A programação da época era mista com a grade das cabeças de rede: TV Cultura de São Paulo e a TVE Brasil e as inserções dos programas produzidos pela TVU RN para a comunidade local. A Rede Pública de Televisão (RPTV) foi criada em 1999 unindo 20 emissoras de TV e 938 retransmissoras. Dentre os programas

locais, três são produzidos até hoje pela TVU e exibidos nos mesmos dias da semana daquela época: TVU Esporte (segunda-feira), TVU Notícias (segunda a sexta-feira) e o Grandes Temas (segunda-feira).

Figura 17– Panfleto entregue nos anos 90 pelo setor de marketing da TVU, com as sinopses e

horários dos programas

Fonte: Arquivo da TVU – Sem data

A partir de 28 de setembro de 1999, a TVU RN passa a integrar, por meio da Resolução nº009/99 do CONSUNI (Conselho Universitário), a Superintendência de Comunicação da UFRN (COMUNICA), responsável por propor e implementar a política de comunicação interna e externa, contando também com a Agência de Comunicação – Agecom (criada em 1999) e a Rádio Universitária (inaugurada em

22 de março de 2001). A emissora passa a transmitir apenas a TV Cultura e, a partir de 2010, a ser afiliada da TV Brasil12.

No ano de 2007 é inaugurado um transmissor de 10kw e, em maio de 2015, torna-se a primeira emissora Universitária do Brasil a operar um canal digital. Neste período de migração digital, a emissora diminuiu consideravelmente a produção e exibição dos produtos. A programação só foi retomada aos poucos a partir de 2016 com a troca dos responsáveis pela direção. Mesmo sendo mais uma vez pioneira na história da televisão do RN e do Brasil, esse avanço tecnológico ocorrido em 15 de maio de 2015 é permeado de falhas, pois a emissora ainda não transmite som e imagem em qualidade digital (HDTV), não transmite aos dispositivos móveis com sistema de recepção do sinal, em diversas regiões o sinal não chega havendo quedas devido a potência dos transmissores que oscila.

Devido a essas falhas, bolsistas da emissora iniciaram em 1º de junho de 2018 a paralisação das atividades com o principal objetivo de implementar o sinal digital em sua capacidade máxima, além dos pedidos de melhorias técnicas e estruturais. O movimento “Respeitem a TVU” foi deflagrado após o último dia do desligamento do sinal analógico, 30 de maio de 2018, que ocorreu na capital Natal e em mais 26 cidades. O programa TVU Notícias ficou fora dor ar por algumas semanas porque praticamente é produzido pelos bolsistas de jornalismo. A paralisação teve repercussão na imprensa local e nas redes sociais, mas após alguns acordos com a Superintendência de Comunicação e a Reitoria, os bolsistas retomaram as atividades.

A atual audiência da emissora é desconhecida, assim como a cobertura do sinal. O último levantamento desse tipo foi realizado em 2001 e, de acordo com informativo da Comunica aos funcionários, uma empresa foi contratada para realização da pesquisa de audiência na TVU e na FMU.