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O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), instituído pelo Governo Federal por meio do decreto nº 4.901 de 26 de novembro de 2003, está ainda substituindo o sistema analógico da televisão brasileira. A substituição iniciada como teste em 2007 e que estava prevista para ter sido concluída em 29 de junho de 2016, caminha ainda de forma lenta principalmente devido aos desafios que essa tecnologia impõe. Como para quem recebe, o público telespectador necessita adquirir o aparelho conversor digital para conectar à tela ou as televisões mais modernas com receptor de TV Digital incorporado. “O sinal da TV digital pode chegar até nós por meio de transmissões via satélite, cabos coaxiais, fibra ótica, pela Web ou por ondas que propagam pelo espaço” (DENICOLI,2011, p.23), e “depende da integração de componentes de hardware, middleware e o software” (SCHLITTLER, 2011, p.179).

Hoje, a data final prevista pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para o desligamento total do sinal analógico é 31 de dezembro de 2023, de acordo com o Relatório ad hoc 2 de 2017 da Ouvidoria da Anatel, divulgado em março de 2018, e apresenta também que:

Até o final do ano que se inicia (2018), 1.346 cidades terão acesso ao sinal exclusivamente digital de televisão e, até setembro de 2019, todas as cidades brasileiras estarão aptas para a cobertura do celular com 4G em 700 MHz, usufruindo dos benefícios inovadores da tecnologia. (ANATEL, 2017, p.9)

Em Natal e região, por exemplo, a data foi modificada algumas vezes e o “apagão analógico” passou para o dia 30 de maio de 2018, conjuntamente com as capitais Aracaju, Belém, João Pessoa, Manaus e Teresina. A previsão do MCTIC é de que no final de 2018, 62,4% das cidades brasileiras estarão recebendo apenas o sinal digital. A instituição espera que:

A migração da TV analógica para a TV digital com melhoria da qualidade, ampliação da oferta de canais, potencial interatividade do usuário e a possibilidade de utilização de telefonia e internet móvel na Faixa de 700 MHz poderão produzir impactos significativos no âmbito informacional, cultural, social e econômico, especialmente para a população de rendas mais baixas (classes C, D e E). (ANATEL, 2017, p.51)

Contudo, essa televisão digital imaginada com potenciais de “produzir impactos significativos” ainda é um sonho. Para a população brasileira, a tecnologia digital é apresentada principalmente como uma melhoria na imagem e no som do material transmitido e recebido devida a possibilidade de compressão dos dados (ocupa menor espaço no canal de transmissão) e correção de erros (sem falhas na imagem), além da interatividade, como propaga a Entidade Administradora da Digitalização de Canais TV e RTV (EAD Seja Digital), uma organização sem fins lucrativos e não-governamental que é responsável pela operacionalização da migração dos sinais no país. Segundo a ONG (Imagem 3), os benefícios da TV digital no país são resumidamente: imagem mais nítida; som de melhor qualidade; adeus a ruídos e interferências; possibilidade de mobilidade e interatividade; e gratuita.

Figura 1 – Demonstrativo dos principais benefícios da TV digital do site da ONG Seja Digital

Fonte: http://www.sejadigital.com.br/porque

Até o momento, o telespectador brasileiro desconhece a interatividade tão propagada como o futuro da tecnologia digital nos televisores. Para entender um dos possíveis motivos, é preciso conhecer mais do início dessa história, quando o Brasil adotou o Sistema Japonês de TV Digital (Integrated Services Digital Broadcasting - ISDB), desenvolvido oficialmente a partir de 1994, porém pensado desde 1970.

O ISDB pode ser empregado para a transmissão de dados e sua recepção em aparelhos portáteis, permite o acesso aos canais de WEB TV e também de Websites, pode ser visionado também por computadores, permite a atualização dos serviços por download e é apto a sistemas multimídia para fins educacionais. (DENICOLI, 2011, p.52)

O governo brasileiro decidiu não adotar os padrões europeu (Digital Video Broadcast – DVB) ou americano (Advanced Television Systems Committee – ATSC). A partir de um acordo com o Japão, em 2006, o Brasil escolheu o sistema ISDB-T, que a partir de 2 de dezembro de 2007, seria denominado SBTVD. O sistema permite aplicações como a internet e governo eletrônico (T-Gov); a compressão de áudio em MPEG-4, AAC 2.0 e 5.1 canais; a compressão de vídeo de MPEG-4 H.264 até LDTV (320 x 240, 4:3), dentre outras especificações (SCHLITTLER, 2011). Com relação à imagem e ao som, a TV Digital propaga esses elementos em qualidades elevadas como em transmissão surround 5.1 e High Definition TV (HDTV) se a emissora de televisão assim fizer, caso contrário, imagem e som poderão continuar sendo transmitidos e recebidos em resolução e captação iguais às da TV analógica, por exemplo, áudio em mono e imagem em resolução standard. Porém, a TV Digital possibilita diversos “recursos adicionais de áudio como escolher idiomas em um filme, destacar instrumentos em um concerto, várias locuções em jogos de futebol, entre outros” (SCHLITTLER, 2011, p.25). Não apenas

em recursos de áudio, mas a ideia é que o telespectador possa interagir com recursos de vídeo ao ler sinopses, participar de enquetes, realizar compras, enviar mensagem, assistir ao conteúdo depois da transmissão oficial, dentre outras possibilidades. A TV Digital ganha assim elementos que a diferenciam da simples TV Analógica, permitindo um aparelho que vai além de uma tela na sala de casa. Hoje o telespectador pode ter acesso ao guia de programação, com os horários e sinopses dos produtos, tem a possibilidade de gravação e de programar o aparelho para mudar de canal ao iniciar o programa que deseja. No entanto, a tecnologia por si só não é soberana, pois como bem reforça Schlittler (2011), “ao utilizarmos dispositivos digitais, o que define a mídia é a postura do usuário e não o dispositivo propriamente dito”. Além disso, há uma grande desigualdade social no país que não pode ser ignorada quando tratamos de melhorias na mídia mais acessada pelos brasileiros, o que dificulta e muito o desenvolvimento e o acesso aos recursos digitais.

Sobre esse acesso à tevê Digital é importante destacar que da união nipo- brasileira, surgiu também o desenvolvimento de um middleware opensource, que é um “software intermediário que trabalha com o hardware da TV e explora a interactividade, com diversos aplicativos” (DENICOLI, 2011, p.52), conhecido como Ginga. O software intermediário e livre para aplicativo de TV digital, proporcionando interatividade, foi elaborado pela Anatel conjuntamente com o Laboratório Telemídia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) e pelo Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAViD) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

A partir do Ginga, alguns televisores e conversores digitais desde 2010 começam a ser vendidos com o recurso DTVi, permitindo uma possível interatividade. “A decodificação dos dados através de um Middleware instalado no receptor ou conversor de TV Digital permite a interatividade do telespectador ao acessar serviços interativos” (SCHLITTLER, 2011, p.24). Gindre (2016) critica a maneira como o governo brasileiro inviabilizou o Ginga, pois nem mesmo os beneficiários do programa social Bolsa família, recebem os conversores com um modem 3G ou 4G para acesso à internet, o que dificulta baixar novos aplicativos e novos conteúdos. O restante da população, que está incluída em outros programas sociais, receberá o conversor sem o Ginga, garantindo apenas a melhor qualidade na imagem e no som do televisor. Um outro fator que determinou a “morte” do middleware brasileiro foi “a recusa dos radiodifusores em adotar a interatividade na

TV aberta” (GINDRE, 2016), principalmente devido a um possível aumento dos custos e desinteresse do telespectador pela programação. Além desses dois pontos, as empresas que fabricam televisores também não estimularam a adoção de um software com código aberto e brasileiro, pois o que tudo indica, segundo o jornalista Gindre (2016), a interatividade é uma nova fonte de recursos para esses fabricantes.

A situação atual continua praticamente a mesma, poucos foram os avanços dessa tecnologia brasileira. Algumas emissoras utilizam o Ginga de maneira simplória e limitada, pois, afinal, de quem é a responsabilidade em desenvolver, arcar com os custos e utilizar? De quem é o interesse para que essa tecnologia se desenvolva e seja abarcada pelo público?

Em contrapartida, o Brasil viu um crescimento exponencial do número de linhas de celulares nos últimos anos, chegando a cerca de 200 milhões de aparelhos no ano 2010, o que equivale, grosso modo, a uma linha por habitante. Uma vez que as tecnologias de rede dos celulares têm evoluído, ao passo que os preços de acesso às redes de dados têm decaído (embora sejam bastante altos), é possível conceber que esta seja uma forma de canal de retorno não só pela viabilidade tecnológica e econômica que pode estabelecer-se, mas também pelos aspectos culturais do telefone, que é uma mídia de comunicação bidirecional por natureza e, assim, poderá ser assimilado mais facilmente pelo usuário (SCHLITTLER, 2011, p.24)

Um dos principais fatores para que a televisão continue sendo ainda uma comunicação unidirecional - na maioria das vezes, é o fato dela ser uma experiência compartilhada, coletiva, e não individual como as telas mobile, que como o próprio termo já apresenta é a liberdade de usar, interagir em qualquer lugar e a qualquer momento. Por isso, as possibilidades oferecidas e buscadas pelas emissoras de televisão na era da cultura da convergência estão ainda atreladas a uma interatividade a partir dos dispositivos móveis e a internet, o que justifica este estudo de caso. “A Web já transformou a televisão” (CASTELLS, 2015, p.112).

O desenvolvimento das mídias digitais e das tecnologias dos dispositivos móveis no país foram exponencialmente mais rápidas do que o da TV Digital, o que faz com que os telespectadores sejam mais usuários e ainda vejam o televisor como uma tela inacessível do ponto de vista da usabilidade e interação, aqui compreendidos como processos complexos e que precisam ser construídos e estimulados pelas emissoras, criando um canal de retorno em via dupla.