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História objetiva na identificação da transformação digital

5.2 ANÁLISE DOS DADOS

5.2.2 Consciência histórica e capacidades dinâmicas no evento da transformação

5.2.2.1 História objetiva na identificação da transformação digital

Para orientar a reflexão sobre a história objetiva na atividade de identificação da transformação digital, retomam-se as proposições de Suddaby et al. (2019) referentes à história objetiva:

➢ Proposição 1: “O raciocínio histórico objetivo aprimora a capacidade gerencial para identificar oportunidades criadas por mudanças latentes na tecnologia” (p. 7).

➢ Proposição 1A: “O raciocínio histórico diacrônico aprimora a capacidade gerencial para perceber laços oportunos criados pelas mudanças latentes na tecnologia” (p. 7).

➢ Proposição 1B: “O raciocínio histórico sincrônico aprimora a capacidade gerencial para captar as oportunidades criadas pela difusão da tecnologia entre produtos e mercados” (p. 9).

Conforme discutido anteriormente, a identificação da transformação digital envolveu uma série de ações organizacionais de monitoramento das tendências de mercado, participação de eventos sobre tecnologia, identificação das necessidades dos clientes e constante questionamento do modelo de negócio. Estas ações de nível organizacional estão fundamentadas em atividades de nível individual, mais especificamente, nas capacidades gerenciais cognitivas de percepção e atenção

(HELFAT; PETERAF, 2014), bem como, de interpretação de informações (ADNER; HELFAT, 2003; AMBROSNI; BOWMAN, 2009).

A partir da análise das narrativas, verificou-se que a identificação da transformação digital envolveu habilidades cognitivas dos gestores de compreensão e antecipação de mudanças tecnológicas, conforme é discutido por Suddaby et al. (2019). Isso porque, a partir da análise de dados históricos objetivos como os apresentados em eventos e relatórios do mercado de tecnologia, bem como, os provenientes de experiências e eventos passados, os gestores previram que a mudança tecnológica provocada pelo avanço das tecnologias digitais se tornaria uma tendência de mercado que afetaria não apenas a Alfa, mas também muitos de seus principais clientes. Essa constatação reflete a habilidade cognitiva dos gestores de pensar de forma contextualizada, enxergando as possíveis implicações e potencialidades de novas tecnologias (SUDDABY et al., 2019).

Cabe ressaltar que no período 4, a empresa já possuía uma trajetória histórica de quase trinta anos permeada, como foi discutido, por mudanças ambientais nos âmbitos político-econômico, tecnológico e de mercado que exigiram contínua renovação estratégica da organização. Como foi discutido por Barney (1995), conforme a organização evolui, ela retém recursos e capacidades que são únicos, como reflexo da sua trajetória particular ao longo da história. Desse modo, a história organizacional da Alfa ao longo do tempo se configurou em um recurso simbólico valioso, raro e difícil de imitar, usado estrategicamente pela empresa (BARNEY, 1995).

Verificou-se que, na atividade de identificação da transformação digital, as experiências e eventos passados da história organizacional foram mobilizados pelos gestores no presente para prever que as tecnologias digitais se tornariam uma tendência, assim como ocorreu com outras mudanças tecnológicas em outros períodos da história. Assim, ao construir sentido para o passado da organização (WADHWANI et al., 2018), os gestores assumiram uma perspectiva de história como uma linha do tempo (passado, presente, futuro), o que pode indicar uma percepção de história como um fenômeno objetivo (SUDDABY, et al., 2019).

Suddaby et al. (2019) discutiram que na atividade de identificação de oportunidades, os gestores utilizam uma estrutura de memória mais longa, por meio de um raciocínio histórico diacrônico; e segundo uma estrutura de memória mais difusa, por meio de um raciocínio histórico sincrônico.

A análise de dados mostrou que os gestores da Alfa, ao monitorar as tendências de mercado, realizaram uma atividade cognitiva de compreensão das mudanças tecnológicas ao longo do tempo, o que os possibilitou identificar a transformação digital como uma possível ameaça à sobrevivência da organização. Tal modo de cognição pode ser visto como um raciocínio diacrônico. Posteriormente, ao compreender que a difusão das tecnologias digitais em diversos mercados poderia ser convertida em oportunidades de negócios, a partir da oferta de soluções digitais, os gestores demonstraram empregar um raciocínio sincrônico (SUDDABY et al., 2019).

Assim, a partir da análise dos dados narrados sobre a identificação da transformação digital, percebeu-se que os atores envolvidos na atividade adotaram uma abordagem de história objetiva. A análise de dados históricos objetivos oriundos das diversas experiências anteriores com mudanças econômicas, tecnológicas e mercadológicas pode ser visto como um elemento de sustentação da habilidade dos gestores para identificar pontos de inflexão de mercado em direção à transformação digital (TEECE, 2007; WILDEN; DEVINEEY; DOWLING, 2016).

Ao refletirem sobre dados históricos objetivos e compreenderem que a transformação digital se tornaria uma tendência tecnológica nas organizações, os gestores da Alfa demonstraram possuir habilidades cognitivas de interpretação da história objetiva, conforme discutido por Suddaby et al. (2019). O quadro 15 apresenta uma síntese dos microfundamentos históricos observados.

QUADRO 15 – SÍNTESE DOS MICROFUNDAMENTOS HISTÓRICOS DAS CAPACIDADES DINÂMICAS NO EVENTO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL (SENSING)

Microfundamento Sensing Identificação da transformação

digital

Abordagem de história Objetiva

Competência histórica

Empírica Habilidade para usar dados micro-históricos objetivos para: - Prever que a mudança tecnológica provocada pelo avanço das tecnologias digitais se tornaria uma tendência de mercado

- Compreender as mudanças tecnológicas ao longo do tempo e identificar a transformação digital como uma possível ameaça

- Compreender que a difusão das tecnologias digitais em diversos mercados poderia ser convertida em oportunidades de negócios Habilidade para usar dados

micro-históricos objetivos para: - Mapear a evolução histórica dos mercados & tecnologias - Rastrear o fio invisível da gramática da tecnologia

Competência

organizacional Memória organizacional

Orientação temporal Passado

Portanto, a proposição 1, 1A e 1B foram observadas. Ao realizar uma atividade de reflexão em torno de dados históricos objetivos oriundos das experiências e eventos passados, bem como, dados apresentados em eventos e relatórios do mercado de tecnologia, os gestores adotaram um raciocínio histórico objetivo. A análise de dados evidenciou que esse pensamento de história objetiva pode ter sustentado a capacidade gerencial para identificar a mudança provocada pelo avanço das tecnologias digitais. A compreensão das mudanças tecnológicas ao longo do tempo e da difusão das tecnologias digitais nos mercados evidenciou que os raciocínios históricos sincrônico e diacrônico podem ter aprimorado a capacidade dos gestores envolvidos na atividade de identificação da transformação digital (SUDDABY et al., 2019).