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História retórica na apreensão da transformação digital

5.2 ANÁLISE DOS DADOS

5.2.2 Consciência histórica e capacidades dinâmicas no evento da transformação

5.2.2.2 História retórica na apreensão da transformação digital

Para orientar a reflexão sobre a história retórica na atividade de apreensão da transformação digital, retomam-se as proposições de Suddaby et al. (2019) a repeito da histórica retórica:

➢ Proposição 2: “A história retórica aprimora as habilidades dos gestores para apreender oportunidades por meio do uso de histórias do passado para mobilizar os recursos necessários para motivar a mudança” (p. 10).

Proposição 2A: “A história retórica facilita a habilidade da organização para se adaptar por meio da estruturação da percepção de mudança como continuidade” (p. 11).

➢ Proposição 2B: “A história retórica facilita a habilidade da organização para se adaptar por meio da estruturação da percepção de continuidade como mudança” (p. 13).

➢ Proposição 2C: “A história retórica facilita a habilidade da organização para se adaptar por meio da gestão do esquecimento coletivo” (p. 14).

A apreensão da transformação digital envolveu um conjunto de ações organizacionais, em sua maioria, de decisões relacionadas à acomodação da mudança. Dentre estas ações estão a decisão de primeiro implementar a transformação digital na própria empresa e depois nos clientes; decisões relacionadas à aquisição de empresas; estudo da cultura de empresas inovadoras; decisões relacionadas à mudança de cultura; apresentação de cases de sucesso; e

decisão de dividir as ofertas em soluções digitais, mais voltadas para a inovação e soluções mais tradicionais, porém, digitalizadas.

A análise das narrativas relevou que o processo de mudanças organizacionais decorrente da transformação digital exigiu dos gestores uma atividade de convencimento dos funcionários sobre a necessidade de tais mudanças (TEECE, 2007). Dentre as mudanças narradas, destacou-se a da transformação da cultura da empresa. Observou-se que, para gerar a mudança em direção a uma cultura mais inovadora, a organização se apoiou em dois níveis de história: o organizacional e o de mercado. Uma das práticas de apreensão da transformação digital observadas foi a de disseminar os “casos de sucesso” de inovação da própria companhia como forma de gerar aprovação e engajamento dos funcionários. Uma outra prática, realizada principalmente pelo fundador e CEO global da companhia, a partir do seu lugar e voz, foi a de fundamentar seu argumento na história de inovação de outras companhias bem sucedidas. A partir disso, as diversas lideranças disseminaram essas histórias ao longo da empresa como “casos de sucesso”. Esse uso da história como narrativa para persuadir uma audiência indica que os gestores assumiram uma abordagem de história como retórica para realizar a atividade de apreensão de oportunidade (SUDDABY et al., 2019).

Conforme Suddaby et al. (2019) propuseram, três são as estratégias de história retórica para superação da resistência à mudança para apreensão das oportunidades. No caso da Alfa foi possível verificar a existência de duas delas. A primeira envolve a habilidade dos gestores para estruturar a mudança de forma com que seja percebida como continuidade. Verificou-se que uma das ações realizadas pelos gestores da Alfa foi a de convencer os opositores à mudança, isto é, aqueles funcionários que resistiam à nova cultura e valores da transformação digital, de que a mudança representava, na verdade, uma continuidade dos valores e crenças que a companhia já praticava e que estava alinhada com a identidade organizacional.

A segunda estratégia discutida por Suddaby et al. (2019) envolve a reinterpretação do passado para facilitar o convencimento de possíveis opositores sobre a necessidade da mudança. No caso da Alfa foi possível identificar a prática de conferências onde funcionários mais antigos, que também podem ser vistos como promotores da mudança, reconstroem juntos a história organizacional por meio de relatos de suas experiências. Verificou-se que estes funcionários habilmente impõem significados ao passado da organização ao passo que

disseminam os valores e a cultura organizacional por meio da história narrativa. Tal atividade destaca não apenas o uso de história como mecanismo de superação de resistência à mudança, mas também a natureza social e cognitiva da história (SUDDABY et al., 2019).

A terceira estratégia proposta por Suddaby et al. (2019) refere-se ao uso de história retórica para reparar as contradições entre promotores e opositores da mudança, muitas vezes por meio de uma atividade de esquecimento organizacional deliberado (CORAIOLA; DERRY, 2019). Entretanto a realidade se mostrou diferente no caso da Alfa, pois, não se constatou esforço organizacional em promover o esquecimento de determinados eventos da sua história. Em vez disso, observou-se que os gestores reinterpretam retoricamente o passado buscando relembrar não apenas os acertos da empresa, mas também seus erros, como forma de lembrar como eles foram superados.

Desse modo, a partir da análise dos dados narrados sobre a atividade de apreensão da transformação digital, percebeu-se que os gestores, em determinados momentos, adotaram uma abordagem de história retórica. Ao usarem a história como narrativa para promover às mudanças organizacionais necessárias para a apreensão da oportunidade, os gestores da Alfa demonstraram habilidades cognitivas para construir intepretações retóricas do passado, conforme discutido por Suddaby et al. (2019). O quadro 16 apresenta uma síntese dos microfundamentos históricos observados.

QUADRO 16 – SÍNTESE DOS MICROFUNDAMENTOS HISTÓRICOS DAS CAPACIDADES DINÂMICAS NO EVENTO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL (SEIZING)

Microfundamento Seizing Apreensão da

transformação digital Abordagem de história Interpretativa

Competência histórica

Retórica Habilidade para usar a história narrativa para:

- Convencer funcionários sobre a necessidade da mudança para uma cultura de inovação

- Estruturar a mudança de forma com que fosse

percebida como continuidade - Reinterpretar o passado para facilitar o convencimento de possíveis opositores sobre a necessidade da mudança. - Reinterpretar o passado para lembrar como os erros foram superados.

Habilidade para usar história narrativa para: - Mobilizar

comprometimento de stakeholders internos e externos com um passado compartilhado e a

identificação com uma comunidade menmônica comum

Competência organizacional História retórica

Orientação temporal Presente

Portanto, as proposições 2, 2A e 2B foram também constatadas. Ao disseminar narrativas em formas de “casos de sucesso” de inovação como mecanismo para promover a aprovação e engajamento dos funcionários em torno do desenvolvimento de uma cultura inovadora, os gestores assumiram uma visão de história retórica. Evidencia-se que essa abordagem de pensamento histórico pode ter sustentado as habilidades gerenciais para apreensão da transformação digital. Além disso, ao ser usada para convencer funcionários de que a mudança de cultura representava uma extensão dos valores organizacionais existentes, a história retórica mostrou ser capaz de facilitar a estruturação da percepção de mudança como continuidade.

Por fim, a reconstrução da história organizacional por meio de relatos de experiências passadas, em que são destacados valores e características organizacionais, evidencia que a história retórica pode facilitar a adaptação à mudança a partir da construção de uma percepção de continuidade como mudança (SUDDABY et al., 2019). Todavia, a proposição 2C não foi observada, pois, não houveram evidências sobre a relação entre a história retória e a gestão do esquecimento coletivo. Com efeito, a análise das narrativas produzidas pelos atores organizacionais revelou que a Alfa busca lembrar não apenas os eventos passados positivos, mas também os negativos, em vez de estimular o esquecimento coletivo.

5.2.2.3 História imaginativa na reconfiguração de recursos para a