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3.1 Estados Unidos – class actions

3.1.1 Histórico

As origens do instituto remontam ao séc. XVII, quando os tribunais ingleses de equidade (Courts of Chancery) admitiram o Bill of Peace. 80 Atribui-se ao juiz Joseph Story, da Suprema Corte Norte-americana, a realização dos primeiros estudos acerca do tratamento

76 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. As ações coletivas em uma

perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 33.

77 VIANA, Flávia Batista. Algumas considerações sobre as class actions norte-americanas (pequenos

contrapontos com as ações coletivas brasileiras). Revista de Processo, São Paulo, v. 159, p. 93-111, mai.2008. p. 95.

78 No original em inglês, “[…] group litigation was a sort of judicial vacuum cleaner, collecting into a litigative

dust bag identical bits of lawsuit and thereby tidying up the courts' caseload.” Vide YEAZELL, Stephen. From group litigation to class action part ii: interest, class, and representation, University of California Los Angeles

Law Review, California, v. 27, p. 1067-1121, 1979-1980. p. 1100.

79 Sobre o assunto, Antonio Gidi ensina que a “função deterrence da responsabilidade civil, extremamente

evoluída e bem explorada pelo direito privado americano, é um aspecto negligenciado tanto em nossa cultura, como em nossa doutrina jurídica e nossa política legislativa. Ainda não aprendemos que não é possível ao Estado controlar a conduta de cada cidadão e é mais efetivo incentivar o cumprimento voluntário do direito, através do exemplo e de incentivos e punições. No Brasil, os elementos inibitório e dissuasor do direito são identificados apenas no direito penal, ainda que, como sabemos, sejam bem pouco efetivos na prática, em face da certeza da impunidade. É ilustrativo que as expressões “deterrência” e “deterrente” não sejam sequer utilizadas no discurso jurídico brasileiro”. Acrescenta ainda que “entre as técnicas de direito substancial mais efetivas nos Estados Unidos, estão os minimal damages, os double damages, os treble damages e, principalmente, os punitive

damages.” Vide GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. As ações

coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 37.

80 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4 ed.

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das demandas coletivas, a partir do caso West v. Randall, de 1820. Em 1829, no processo Beatty v. Kurtz, a suprema corte estadunidense permitiu que um grupo de luteranos demandasse uma única pessoa, tendo o judge Story afirmado que toda a coletividade já havia escolhido quem deveria ir a juízo em nome dos demais, não sendo possível questionar a existência de um interesse comum.81

No ano de 1842, a Suprema Corte editou a Equity Rule nº 48, considerada a primeira norma escrita relacionada com as class actions, permitindo a um ou alguns membros de um grupo muito numeroso a sua representação em juízo, devendo ser proferida decisão judicial que alcance os direitos e pretensões de todos os ausentes.82 A Equity Rule nº 48 foi revogada pela Rule nº 38 em 1912, suprimindo-se a parte final e desvinculando os membros da classe que não figurassem como partes no feito.

Em 1938, foram editadas as Federal Rules of Civil Procedure, o primeiro código de processo civil federal norte-americano, onde se fez constar a Rule nº 23, que regulamentava as class actions, ampliando-as para todos os direitos, não apenas para os julgamentos de equidade. A mencionada norma previa três categorias de ações coletivas, baseando-se numa proposta do jurista saxão J. W. Moore: as puras, as híbridas e as espúrias. Como esta distinção das class actions por categoria revelou-se complexa e problemática, a Rule nº 23 foi alterada em 1966, abandonando-se a referida classificação e enfatizando o pressuposto da representação adequada, com o julgamento extensível a todos os membros da classe, independente do resultado ser-lhes benéfico ou não.

O regramento da Rule nº 23 prossegue mantido desde então, salvo pequenas modificações pontuais ocorridas em 1987, 1998, 2003, 2005, 2007 e 2009, que alteram algumas regras procedimentais de recursos, nomeação do advogado e a fixação de seus honorários, o que será discutido nas linhas seguintes.

Dentre as recentes mudanças, merece destaque o class action fairness act of 2005, editado com o intuito de coibir abusos no emprego das ações de classe, ao instituir algumas limitações quanto aos honorários advocatícios recebidos em alguns acordos, exigindo a

81 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução no direito comparado e

nacional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 63-64.

82 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. As ações coletivas em uma

perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Anexo II. p. 501: “Where the parties on either side are very numerous, and cannot, without manifest inconvenience and oppressive delays, in the suit, be all brought before it, the court in its discretion may dispense with making all of them parties, and may proceed in the suit, having sufficient parties before it to represent all the adverse interests of the plaintiffs and the defendants in the suit properly before it. But in such cases the decree shall be without prejudice to the rights and claims of all the absent parties.

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notificação das autoridades quando houver proposta de composição. O dito ato também promove a proteção contra perdas e contra a discriminação dos membros da classe.83

Merece destaque o fato de que, por ser uma lei federal, a Rule nº 23 só se aplica no âmbito da justiça federal, já que os estados-membros da federação estadunidense detêm competência para legislar sobre processo civil. Não obstante, a regra 23 é mantida em sua integralidade pela maioria. Quando isto não acontece, há uma aproximação com a lei federal através das construções jurisprudenciais.84

A Rule nº 23 possui oito alíneas que disciplinam o seu funcionamento. A alínea (a) estabelece os requisitos de admissibilidade da class action. A alínea (b) fixa as espécies daquelas ações coletivas. Já a alínea (c) dispõe sobre as diligências pertinentes, como notificações, efeitos da coisa julgada e a criação de subclasses. A alínea (d) regula os poderes do juiz na condução da ação de classe. A alínea (e) rege os procedimentos para transação e extinção das demandas de classe. A alínea (f) regula os recursos, enquanto a alínea (g) regulamenta os requisitos para a nomeação do class counsel – empresa de advogados que patrocinará a causa coletiva.85 Por último, a alínea (h) trata de honorários advocatícios.86