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3.1 Estados Unidos – class actions

3.1.2 Requisitos de admissibilidade

A admissibilidade da class action envolve a análise de cinco requisitos. O primeiro deles, como parece óbvio, é a identificação de uma classe, o que deve ser entendido num contexto amplo, sem necessariamente haver uma relação jurídica base entre os mesmos, nem se indicar precisamente quem são as pessoas que a integram. Trata-se de requisito implícito

83 BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action norte

americana. Boletim científico da escola superior do Ministério Público da União, Brasília, nº 16, p. 111-140, jul/set. 2005. p.133.

84 ROQUE, Andre Vasconcelos. Legislações estaduais sobre as class actions norte-americanas: um estudo

panorâmico. Revista eletrônica de direito processual, Rio de Janeiro, ano 5, vol. VIII, p. 38-79, jul./dez. 2011, p. 76. Disponível em < http://www.redp.com.br>, Acesso em: 24/08/2013 às 11h25min.

85 RJ Gaudet & Associates LLC. What´s ‘lead counsel’ or ‘class counsel’? Disponível em

<http://www.rjgaudet.com/faqs/what-is-%E2%80%9Clead-counsel%E2%80%9D-or-%E2%80%9Cclass- counsel%E2%80%9D>. Acesso em: 26 ago. 2013.

86 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Federal Rules of Civil Procedure nº 23 - Rule 23. Class Actions (a)

PREREQUISITES. […] (b) TYPES OF CLASS ACTIONS. […] (c) CERTIFICATION ORDER; NOTICE TO CLASS MEMBERS; JUDGMENT; ISSUES CLASSES; SUBCLASSES. […] (d) CONDUCTING THE ACTION. […] (e) SETTLEMENT, VOLUNTARY DISMISSAL, OR COMPROMISE. […] (f) APPEALS. […] (g) CLASS COUNSEL. […] (h) ATTORNEY’S FEES AND NONTAXABLE COSTS. […]

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ou decorrente 87, cuja definição é importante para os atos de comunicação aos membros, por via de regra pessoais e individuais.

Em segundo lugar, há a exigência da numerosity, ou seja, a classe deve ser tão numerosa que a reunião de seus membros deve ser praticamente impossível. Mais uma vez, o requisito não é rígido, bastando ser demonstrada a impraticabilidade do litisconsórcio – joinder impractibility. Para tanto, são analisadas as circunstâncias do caso concreto, como o âmbito geográfico da classe, o valor das pretensões individuais, a dificuldade na identificação dos membros do grupo, a hipossuficiência dos individuais.88 Dessarte, sendo possível que todas as partes sejam reunidas em um polo, por qualquer meio processual, a class action não será cabível.

Outro requisito descrito na lei é a commonality, que impede o processamento da ação se não houver uma ou mais questões de direito ou de fato que sejam comuns à classe. Como aconteceu nos demais requisitos, não houve uma definição rígida por parte do legislador. O entendimento vigente nas cortes americanas é que não se busca aqui uma espécie de identidade absoluta, porém é requerida, nos pontos relevantes, a predominância das questões comuns e a primazia dos aspectos coletivos sobre os individuais.89

Também se apresenta como requisito a tipicality, que significa que as pretensões ou defesas deduzidas pelo representante em juízo devem ser típicas da classe. O raciocínio a ser desenvolvido aqui é que, sendo um membro da classe com interesse pessoal e direto, empreenderá mais bem direcionados esforços para lograr o êxito na atuação judicial. Se não houver a tipicidade exigida, poderá existir a inadmissibilidade da ação ou a subdivisão da classe. Com isso, não é incomum que associações, sindicatos ou organizações não governamentais possam ajuizar class actions.90

A derradeira exigência para o ajuizamento da ação de classe, talvez a mais importante e a mais comentada, é a adequacy of representation, ou representatividade adequada. De

87 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução no direito comparado e

nacional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 73.

88 VIANA, Flávia Batista. Algumas considerações sobre as class actions norte-americanas (pequenos

contrapontos com as ações coletivas brasileiras). Revista de Processo, São Paulo, v. 159, p. 93-111, mai.2008. p. 95.

89 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 75.

90 ZAVASCKI, Liane Tabarelli. Influência do sistema das class actions norte-americanas na Ação Civil Pública

e Ação Popular Brasileira: semelhanças e distinções para a tutela ambiental. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 3, n. 3, 01/09/2012. p. Disponível em <http://www.processoscoletivos.net/doutrina/36-volume-3-numero-3- trimestre-01-07-2012-a-30-09-2012/1004-influencia-do-sistema-das-class-actions-norte-americanas-na-acao- civil-publica-e-acao-popular-brasileira-semelhancas-e-distincoes-para-a-tutela-ambiental>. Acesso em: 02 ago. 2013.

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acordo com a Rule 23 (a)(4), só se admite a class action se as partes representativas protegem os interesses da classe de forma “justa e adequada”.

Os tribunais norte-americanos exercem um rígido controle sobre este requisito durante todo o trâmite do feito, pois têm a compreensão de que a representação adequada protege os interesses dos ausentes. A atenção para com os absent class members, ou seja, os membros que não exercitarem o seu direito de exclusão (right to opt-out), é bastante relevante, pois estes também estarão vinculados aos efeitos da decisão (binding effect), já que naquele país não se admite, como acontece por aqui, a formação da coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus.91 Como explica Watanabe, “[o] critério do opt-out consiste em permitir que cada indivíduo, membro da classe, requeira a sua exclusão da demanda coletiva, não ficando assim sujeito à coisa julgada.”92

Saliente-se, a propósito, que aqueles que exercem o right to opt-out também não podem ser beneficiados pelos resultados favoráveis obtidos com a damage class action.93 Por isso, nega-se-lhes a invocação do collateral estoppel, que é “a possibilidade de o demandante fazer valer e impor o respeito às questões comuns e ao resultado do processo a todos os membros da classe, ainda que não tenham participado da relação processual que se desenvolveu.”94

Na visão dos juízes americanos, a fair representation concede aos ausentes uma participação, ainda que figurada, no processo judicial e no resultado final da lide coletiva, garantindo-lhes, ao menos, um figurative day in the court95, o que minimiza os riscos de uma defesa deficitária ou de um acordo espúrio entre os representantes ou advogados da classe com a parte adversa.96

Resulta daí que o exame do requisito legal da representação adequada não se prende ao simples consenso dos membros da classe na escolha do representante, muito menos às questões da sua capacidade processual. Prepondera na análise um conjunto de outros fatores,

91 BUENO, Cassio Scarpinella. As class actions norte-americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para

uma reflexão conjunta. Revista de Processo, São Paulo, v. 82, p. 92-151, abr./jun.1996. p. 98.

92 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países

de civil law e common law. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 303.

93 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. As ações coletivas em uma

perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 300.

94 SANTOS, Ronaldo Lima dos. “Defendant class actions”. O grupo como legitimado passivo no direito norte-

americano e no Brasil. Boletim científico da escola superior do Ministério Público da União, Brasília, nº 10, p. 139-154, jan/mar. 2004. p. 144.

95 BUENO, Cassio Scarpinella. op. cit., p. 103.

96 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução no direito comparado e

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como o comprometimento com a causa, a disponibilidade e condição financeira para a condução com vigor e motivação do feito, a credibilidade, conhecimento do litígio. Por outro lado, também é avaliada a adequação do advogado que atuará na defesa dos interesses da classe, conferindo-se a experiência que tem com ações coletivas, sua área de atuação, qualificação e especialização, enfim, a real capacidade de conduzir apropriadamente o litígio coletivo.

Curiosamente, a adequação da representação pode ser perquirida até mesmo depois de finda a class action, justamente por conta da sua correlação com os efeitos da coisa julgada, como acontece com uma ação posteriormente proposta por membro ausente da classe. Nesta hipótese, como explica Arruda Alvim, deve ser averiguado, em preliminar, se no processo individual há coisa julgada. “E isto se resolverá à luz da indagação, em relação ao primeiro processo (o da class action), consistente em saber, se, nesse primeiro, houve efetivo e pleno esforço na defesa deste, agora, litigante individual”97, completa o autor.

Como se vê, o papel do julgador nas class actions é preponderante, pois ele é dotado de poderes extraordinários neste tipo de demanda coletiva, sendo certo que doutrina e prática entendem que ele deve ter um papel bem ativo na condução e fiscalização. Esta situação conflita com a tradição liberal do common law, na qual o juiz normalmente desempenha o papel de um “mero espectador passivo da contenda.”98