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Pedido de uniformização da interpretação da lei e a reclamação constitucional ao

Os juizados especiais cíveis foram criados pela Lei nº 9.099/95. Rapidamente, o volume de processos nos juizados especiais estaduais cresceu exponencialmente e hoje representa aproximadamente 30% do total de processos existentes no país, demonstrando o sucesso da iniciativa.

Os processos que ali tramitam são os de menor valor e complexidade e se regem pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Em prestígio ao duplo grau de jurisdição, das sentenças prolatadas pelos juízes dos juizados

363 MELO. Gustavo de Medeiros. O julgamento liminar de improcedência. Uma leitura sistemática da Lei

11.277/2006. Revista de processo, São Paulo, v. 165, p. 103-123, nov. 2008. p. 110.

364 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

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especiais, cabe recurso para o próprio juizado, que será julgado por turma composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do juizado.365

Pelo volume e por sua natureza, as causas propostas nos juizados especiais cíveis tendem a ser repetitivas, sendo frequentes as demandas de massa, reiteradas.366 Ocorre que não existe, na referida lei, qualquer mecanismo que garanta a uniformização ou controle das decisões das turmas recursais. Esta situação é agravada por entendimento já sumulado daquele tribunal superior, que não conhece recursos especiais desafiadores das decisões das turmas recursais, na medida em que este só pode ser aviado por “tribunal”, tal qual preceitua o art. 105, III, da Magna Carta.367 Do mesmo modo, reiterada jurisprudência daquela corte não reconhece às reclamações o caráter de sucedâneo recursal.368

A situação é diferente com os juizados especiais federais, criados pela Lei nº 10.259/01. Muito embora tenham surgido no âmbito federal com algum atraso – ou justamente por causa deste fato –, o legislador tratou de corrigir algumas imperfeições que já haviam sido detectadas na Lei nº 9.099/95. Entre os melhoramentos, houve a constituição de turmas recursais estaduais e até mesmo uma nacional, que podem julgar um “pedido de uniformização de interpretação de lei”, abrindo-se ainda a possibilidade de estendê-lo ao próprio STJ, se as decisões forem colidentes com a daquele tribunal superior. Cumpre destacar que o mencionado pedido de uniformização, que só pode ser manejado em questões de direito material, tem natureza jurídica eminentemente recurso e não de incidente processual. Humberto Dalla Bernardina369 compara o pedido de uniformização aos embargos de divergência previstos no art. 530 do código de processo civil, ressaltando que aquele recurso possibilita a reforma de um julgado previamente proferido por órgão colegiado, respeitando-se, se for o caso, a coisa julgada.

365 Art. 41 da Lei nº 9.099/95 - Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá

recurso para o próprio Juizado.

366 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de processo, São

Paulo, v. 179, p. 139-158, jan. 2010. p. 149.

367 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 203 - Não cabe recurso especial contra decisão proferida

por órgão de segundo grau dos juizados especiais.

368 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. [...] ALEGADA

USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ PARA JULGAR MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PRÓPRIO TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA. RECLAMAÇÃO INCABÍVEL. 1. A reclamação ajuizada perante o Superior Tribunal de Justiça deve ter por escopo a preservação da sua competência ou a garantia da autoridade de suas decisões (artigos 105, I, “f”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e 187 e seguintes, do RISTJ).[...] 8. Outrossim, é certo que a reclamação não constitui sucedâneo do recurso cabível contra a sentença desfavorável à ora reclamante. 9. Agravo regimental desprovido, mantendo-se o indeferimento da inicial da reclamação. (STJ, AgRg na Rcl nº 4.189/PB, Corte Especial, Rel. Min. Luiz Fux, j. 06/10/21010, p. DJE. 8/11/2010)

369 BERNARDINA, Humberto Dalla. Direito Processual Civil Contemporâneo 1. Teoria Geral do Processo. 4.

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A Lei nº 12.153/09, responsável pela criação dos juizados especiais da Fazenda Pública no Distrito Federal e nos estados, ainda tentou reproduzir um esquema semelhante ao proposto pela Lei nº 10.259/01, referindo-se a um “Sistema dos Juizados Especiais”, que não estaria limitado, em tese, ao âmbito fazendário, mas também açambarcaria os demais juizados estaduais e do Distrito Federal.370

Esta norma também prevê um “pedido de uniformização de interpretação de lei”, cabível nos casos em que turmas recursais prolatem decisões divergentes sobre questões de direito material. Se estas estiverem no mesmo estado da federação, o recurso será julgado pela reunião das turmas recursais divergentes. No entanto, se forem de estados diferentes, o pedido de uniformização deve ser julgado pelo próprio STJ. Apesar da letra da lei ser clara, esta solução parece não ter prosperado, preferindo o tribunal superior servir-se da reclamação constitucional, mesmo que em caráter provisório – como ver-se-á logo a seguir.

Assim, outras iniciativas legislativas tentam remediar a solução. No âmbito da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº PL 4.723/04, tentou incluir um “Pedido de Uniformização de Jurisprudência” na Lei nº 9.099/95. Todavia, depois de ter recebido um substitutivo do Senado Federal371, o projeto aguarda parecer do relator designado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJC daquela casa legislativa, o deputado Arnaldo Farias de Sá desde 17/08/11372, o que é um indicativo de que possivelmente a proposta não vicejará.

Noutra mão, o PL 5.741/13, foi recentemente apresentado à câmara pelo próprio STJ em 11/06/13. Tramitando em regime de prioridade, aguarda desde 17/07/13 o parecer da CCJC, com relatoria atribuída ao deputado Paes Landim. Este segundo projeto pretende alterar os arts. 18, 19, 20 e 21 da Lei nº 12.153/09, acrescentando-lhe, ainda, o art. 20-A, tendo como objetivo regulamentar o processamento do “pedido de uniformização de interpretação de lei”, em questão de direito material, criando ainda as turmas nacional e estaduais de uniformização dos juizados especiais dos estados e do Distrito Federal, tudo com

370 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. 13. ed.

São Paulo: Saraiva, 2012. p. 193.

371 Trata-se do PLC nº 16/2007. Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.

asp?p_cod_mate=80250> Acesso em: 22 jul. 2013.

372 BRASIL. Câmara do Deputados. PL 4723/2004. Tramitação. Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=274425> Acesso em: 23 jul. 2013.

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nítido espírito de harmonizar o sistema estadual com as regras dos juizados especiais federais. Com isso, parece que se edificará em definitivo a ponte entre os Juizados Especiais e o STJ.373

Enquanto o problema do vácuo legislativo não é resolvido, permitia-se, até pouco tempo, que se gestassem no âmbito dos juizados especiais cíveis, perturbadoras decisões que, em várias oportunidades, não só discrepavam do entendimento de outras turmas recursais, como iam de encontro à jurisprudência dominante e muitas vezes sumulada do próprio STJ.

O problema chegou ao STF que, em 26 de agosto de 2009, no acórdão nº 571.572 QO- ED/BA, cuja relatoria coube à ministra Ellen Gracie, estabeleceu solução provisória, ditando que a reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, é cabível, excepcionalmente, “para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estatuais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional.”374

Em acatamento ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a resolução nº 12/2009 foi editada pelo STJ, dispondo sobre o uso da reclamação constitucional como meio de dirimir divergências entre acórdãos de turmas recursais e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais repetitivos.

No entanto, devido ao formidável volume de reclamações no STJ, que chegou à marca de 2.300 em 2011, foi dada uma interpretação restritiva aos termos da sobredita resolução, como proposto em dezembro de 2011 pela ministra Nancy Andrighi, no julgamento das Reclamações nº 3.812/ES e 6.721/MT. Com isso, circunscreveu-se a reclamação apenas a questões de direito material, mesmo assim nas hipóteses de expressa violação a súmula da jurisprudência do próprio STJ ou a decisão oriunda de recursos especiais repetitivos, como se dá no recurso de uniformização de jurisprudência dos juizados federais. Além disso, ficou

373 RODRIGUES. Enrique Feldens. A uniformização da interpretação da lei federal no âmbito das decisões dos

juizados especiais estaduais e federais em matéria cível. A função do STJ à luz da lei e da jurisprudência.

Revista de processo, São Paulo, v. 201, p. 301-307, nov. 2011. p. 302.

374 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR. [...] 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional. (STF nº 571.572 QO-ED/BA, Rel. Min. Ellen Gracie)

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estabelecido que devam ser juntados os acórdãos que originaram as súmulas como forma de demonstração da similitude fática entre os julgados recorrido e paradigma.375

Assim, esquemática e temporariamente, pode-se dizer que, no âmbito do STJ, a pacificação da jurisprudência relativa aos juizados especiais pode ser feita por meio da interposição do “pedido de uniformização da interpretação de lei”, quando se trata dos juizados especiais federais, ou da “reclamação constitucional”, no caso dos demais juizados especiais.

Quanto ao procedimento, enquanto o pedido de uniformização é interposto em dez dias do conhecimento da decisão recorrida, mesmo prazo do recurso inominado da Lei nº 9.099/95, a resolução nº 12/2008 do STJ concede quinze dias da ciência da decisão impugnada para o oferecimento da reclamação.

O traço coletivizante de ambos os recursos perante o STJ reside na possibilidade de o relator do “pedido de uniformização de interpretação de lei” ou da “reclamação constitucional” poder determinar, ex officio ou a pedido da parte interessada, uma medida liminar suspendendo todos os processos que guardam controvérsia idêntica, caso constate que há plausibilidade do direito invocado e o periculum in mora. A suspensão vigerá até que haja deliberação final do tribunal superior.

Como a ordem de suspensão, o relator oficiará aos tribunais para que prestem informações pertinentes sobre o acórdão recorrido. Após, a manifestação do Parquet será recebida no prazo de cinco dias e a de outros interessados no deslinde da causa será recebida em até trinta dias.

Findos tais prazos, o pedido de uniformização ou a reclamação serão julgados na seção com preferência sobre os demais feitos, exceto os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança e também dos recursos especiais repetitivos.

O julgamento da reclamação é irrecorrível, e dele será proferido acórdão que conterá súmula dispondo sobre a questão controvertida, cuja cópia será remetida a todos os tribunais estaduais e também ao presidente da turma recursal reclamada. Futuras Reclamações poderão não ser nem recebidas, de plano, se versarem sobre a decisão já prolatada.

No caso do pedido de uniformização, contudo, o procedimento é diferente. Como a estrutura dos juizados especiais federais é mais sofisticada e está prevista em lei a existência

375 ROLO, Luiz Carlos Vils. STJ modifica regras para utilização da reclamação na impugnação de

acórdãos de turmas recursais estaduais. Disponível em <http://pereseferreira.com.br/?page_id=14>. Consulta em: 16 jun. 2013.

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de turmas de uniformização, posteriores pedidos idênticos de uniformização também ficarão retidos nos tribunais de origem, aguardando a deliberação final do STJ. Neste caso, após o julgamento, os pedidos de uniformização que estavam retidos serão apreciados pelas turmas recursais, que poderão se retratar ou declará-los prejudicados quando a tese ventilada não tiver sido acolhida pelo STJ, em procedimento que se assemelha ao juízo de retratação que é concedido no caso dos recursos repetitivos.

No caso dos juizados especiais federais, o mesmo procedimento será seguido no julgamento dos recursos extraordinários, inclusive no que diz respeito à possibilidade de suspensão de todos os recursos que versem sobre controvérsias idênticas, conforme o art. 15 da Lei nº 10.259/01.