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6.3 Comparação do IRDR com outros instrumentos de tutela coletiva

6.3.4 IRDR X ACP

É oportuna a comparação do IRDR também com algumas das características mais peculiares das ações civis públicas, haja vista que, como destacado anteriormente, não há uma exclusão mútua entre os dois institutos. Ressalte-se que o direito inglês também dispõe de ferramental semelhante para a tutela de direitos coletivos, tanto na sistemática de grupos, quanto na representativa. Por aí se vê que a escolha do legislador brasileiro não é única, nem parece ser equivocada.

Na verdade, ambos os institutos têm perfeitas chances de serem utilizados de forma complementar. Não obstante estejam ambos voltados para a tutela coletiva, seus escopos não são idênticos. Na verdade, como já foi apontado, o IRDR vem para ocupar um espaço que não era alcançado pelas ações civis públicas. Este vácuo, também como ressaltado, pela falta de um instrumento eficaz, foi preenchido pelas demandas repetitivas, que decorrem do fenômeno dos direitos repetitivos ou seriados, causando graves transtornos para os tribunais pátrios, em fenômeno impossível de ser notado.

6.3.4.1 IRDR, ACP e limites territoriais da decisão

No que tange o aspecto territorial, as ações civis públicas eram limitadas pelo disposto no art. 16 da LACP, o qual dispunha que a decisão faria coisa julgada erga omnes, porém com limites na competência territorial do órgão prolator.

Contudo, recentes decisões do STJ, tomadas inclusive no curso do procedimento dos recursos especiais repetitivos (art. 543-C), deitaram por terra esta limitação territorial,

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proclamando que as ações civis públicas valerão para todo o território nacional, independentemente das regras de competência dos tribunais.495

Por outro lado, no projeto do CPC que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, a decisão do IRDR fica circunscrita ao âmbito da competência territorial para o tribunal onde é processado. Com efeito, este é o estabelecido pelo art. 995, onde se afirma que a tese jurídica decidida no incidente será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive nos juizados especiais.

Com isso, percebe-se que, caso seja aprovada a nova codificação processual da maneira como está, a decisão final na ação civil pública terá uma abrangência maior do que o IRDR, propagando-se para todo o território nacional. Noutra mão, o decidido no incidente só será aplicável no estado ou na região de competência do tribunal estadual ou regional federal, respectivamente, o que não impede que se imagine que “o modelo propugnado permitirá a instauração, quiçá simultânea, de trinta e seis IRDR’s.”496

A única possibilidade de se estender o alcance da decisão ocorre no caso das partes requererem preventivamente, por segurança jurídica, a extensão dos efeitos para todo o território nacional para STJ e STF. Se autorizado o requerimento, forem conhecidos os recursos e julgados em seu mérito, a decisão valerá para todo o território nacional, devendo ser aplicada em todos os processos que versem sobre a mesma questão de direito.

Note-se ainda que a extensão automática da decisão do IRDR para todo o território nacional, suplantando os limites de competência do tribunal onde se processou o incidente, ainda envolve questões constitucionais que não podem ser dirimidas no âmbito normativo do Código de Processo Civil, por extrapolá-lo.

Inicialmente, “a prolação de tais tipos de decisão [...] poderia, na prática, vir a produzir efeitos semelhantes aos de uma súmula vinculante [...] exaradas por tribunais de segunda instância, quando ainda pendente de revisão pelas instâncias superiores.”497

Ademais, a constitucionalidade desta medida ampliativa poderia ser questionada do ponto de vista do pacto federativo, vez que significaria impor decisão prolatada pelo judiciário de um estado membro da federação a outro, sem que houvesse a possibilidade de

495 Neste sentido, veja o REsp 1243887/PR, cuja ementa consta da nota nº 217.

496 OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte de Oliveira. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no

Novo CPC e a necessidade de sua restruturação. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,

MI190704,31047-Incidente+de+Resolucao+de+Demandas+Repetitivas+IRDR+no+Novo+CPC+e+a>. Acesso em: 13 jan. 2014.

497 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RODRIGUES, Roberto de AragãoRibeiro. Reflexões sobre o

incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto de novo código de processo civil. Revista de

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apreciação ou reforma pelo poder judiciário desta segunda unidade federativa. O mesmo pode ser dito a respeito de decisões tomadas no âmbito da justiça federal, onde as competências de julgamento dos tribunais regionais se limitam à apreciação e reforma de decisões prolatadas pelos juízes federais “da sua área de jurisdição.”498

6.3.4.2 IRDR, ACP e efeitos da coisa julgada

Outro caractere que merece amplo destaque entre o incidente e as ações civis públicas é o regime previsto para os efeitos decorrentes para a coisa julgada em um instrumento de tutela coletiva e outro.

Nas ações civis públicas, como destacado anteriormente, a coisa julgada sempre é favorável aos substituídos. Assim, a decisão da ação civil pública valerá erga omnes e ultra partes se for julgada procedente. A partir do momento em que se torna imutável a coisa julgada coletiva, ela estende os seus efeitos in utilibus para o indivíduo, significando que este poderá valer-se da coisa julgada coletiva para proceder à liquidação e à execução do título executivo coletivo. “Trata-se do denominado transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para o plano individual.”499

Por outro lado, como já foi salientado, a coisa julgada coletiva tem efeitos secundum eventus litis, ou seja, deve ser analisada a fundamentação do julgado para se saber se realmente há a formação da coisa julgada, em caso de improcedência do pedido. Se a improcedência se deu pela ausência ou insuficiência das provas coligidas aos autos, haverá sempre a possibilidade de que seja intentada nova ação civil pública com o mesmo objeto, obviamente, se for baseada em novo conjunto probatório.

Já no caso do IRDR, tal sistemática foi de todo abandonada, vez que não há a adoção da coisa julgada in utilibus ou secundum eventus litis, sempre garantindo o benefício a aqueles que estão sendo substituídos no incidente pelos entes legitimados. Na verdade, o que ocorre é que a solução do incidente é “diversa, e consideravelmente mais contundente, na medida em

498 BRASIL. Constituição (1988). Art. 108, II, parte final – Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

[...] II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”. Grifo nosso.

499 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2009. v. IV. p.

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que a decisão proferida neste procedimento quanto à questão jurídica central comum às ações isomórficas produzirá eficácia pro et contra.”500

Como se vê, há clara opção do legislador em mudar o paradigma, pelo menos para este tipo de contenda, o que se deve, por certo, pelo objetivo fundamental que é perseguido pelo código projetado, qual seja, dotar o sistema de lógica e coerência, abrindo espaço para os precedentes e impedindo que o jurisdicionado tenha a sensação de insegurança jurídica por meio de decisões contraditórias exaradas pelo Poder Judiciário.

6.3.4.3 IRDR, ACP e tutela processual coletiva mutuamente complementar

Por último, há que se fazer uma comparação entre os modelos de tutela que são empreendidos pelo IRDR e pelas ações civis públicas.

Verifica-se, neste ponto, que o incidente utiliza a técnica de tutela processual coletiva por grupo, uma vez que são reunidos vários processos para julgamento conjunto. Normalmente, para a facilidade, um processo do grupo é selecionado e o resultado de seu julgamento é aplicado também aos casos restantes. Neste sentido, o IRDR é acompanhado no direito comparado por outras ferramentas, como visto, tal qual as group litigation orders e o Musterverfahren.

Ao contrário, as ações civis públicas têm como fundamento a representação, já que determinado ente é legitimado a buscar o provimento jurisdicional como representante da coletividade. A demanda é ajuizada e conduzida pelo representante e a sua decisão atinge, em maior ou menor escala, os representados. Esse modelo é nitidamente inspirado nas class actions.

Assim, aprovado o novo CPC, o ordenamento pátrio disporá de mais um instrumento para a tutela processual coletiva, agora oriundo de uma sistemática cada vez mais presente no direito brasileiro: a tutela por grupo.

Todavia, antes de se pretender algum tipo de comparação sobre qual deles é o melhor ou mais efetivo, melhor é que seja ressaltado o seu caráter complementar.

As ações civis públicas são o expoente nacional do modelo representativo. Como destacado anteriormente, estas se prestam muito bem à tutela dos direitos e interesses ditos

500 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RODRIGUES, Roberto de AragãoRibeiro. Reflexões sobre o

incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto de novo código de processo civil. Revista de

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difusos e coletivos stricto sensu. Também são bastante úteis no que toca os direitos e interesses individuais homogêneos, quando estes são de valor individual ínfimo.

Todavia, quando a questão alcança direitos individuais homogêneos que são de expressão monetária individual mais significativa, já não se prestam muito bem as ações coletivas do sistema representativo para a sua defesa, por várias razões.

Esta deficiência tem como resultado, tal qual examinado anteriormente, o aparecimento do fenômeno dos direitos repetitivos, que redunda nas demandas seriadas, multitudinárias, que entopem o Poder Judiciário. Até hoje, a falta de uma ferramenta efetiva para o enfrentamento das demandas repetitivas tem impedido que seja entregue adequadamente a prestação jurisdicional.

Neste cenário, agora, com a entronização do IRDR, um instrumento processual de tutela coletiva por grupo, ataca-se justamente esta grave deformação do sistema e eis que as demandas repetitivas serão julgadas todas de uma só vez. Evitam-se, dessa forma, juízos e interpretações dissonantes e controversos, pacificando-se numa única oportunidade, antes mesmo de que se percorra todo o iter recursal, determinado entendimento do tribunal a respeito de uma dada matéria de direito.