• Nenhum resultado encontrado

3.3 Alemanha – Musterverfahren

3.3.2 KapMuG

A “gota d’água” veio a ocorrer com o caso Deutsche Telekom AG, que é a maior demanda judicial de investidores na história da Alemanha até agora.189 A Deutsche Telekom (DT) é a maior empresa de capital aberto daquele país, com aproximadamente três milhões de acionistas. Entre 2001 e 2003, cerca de 14000 investidores, representados por mais de 750 advogados, ajuizaram algo em torno de 2200 demandas contra a DT, alegando que os prospectos de ofertas de ações ao mercado de 1999 e 2000 continham informações errôneas, resultando uma sobrevalorização inadequada do valor da empresa em aproximadamente dois bilhões de euros.

As ações, ao todo, representavam um valor econômico de mais de 150 bilhões de euros e, por questões de foro processual, foram todas reunidas na 7ª vara comercial do tribunal estadual (Landgericht) de Frankfurt, para julgamento pelo seu único magistrado, o juiz Meinrad Wösthoff.

Depois de quase três anos sem que fosse realizada uma única audiência, e tendo o juiz da causa afirmado que somente em 15 anos seriam julgados todos os casos, apenas em primeiro grau de jurisdição190, algumas partes interpuseram um recurso constitucional para o Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), com a alegação de negativa de prestação jurisdicional. Embora o recurso não tenha sido provido, houve a recomendação para que o tribunal estadual acelerasse os procedimentos, sugerindo expressamente a possibilidade de se utilizarem outros procedimentos como os casos-modelo. Atualmente, o caso aguarda o julgamento da apelação, interposta perante o Tribunal Federal (Bundesgerichtshof) em

188 ROSA, Renato Xavier da Silveira. Incidente de resolução de demandas repetitivas: Artigos 895 a 906 do

Projeto de Código de Processo Civil, PLS nº 166/2010. Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na Disciplina “Temas Centrais do Processo Civil”. Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo. São Paulo. Julho, 2010. P. 16. Disponível em <http://www.renatorosa.com/incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas>. Acesso em: 14 dez. 2013.

189 A O histórico do caso DT está abaixo relatado, com poucos acréscimos de outras obras consultadas, em

BAETGE, Dietmar. Class actions, group litigation & other forms of collective litigation. p. 12. Disponível em <http://globalclassactions.stanford.edu/sites/default/files/documents/Germany_National_Report.pdf>. Acesso em: 01 maio 2013.

190 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países

55

meados de janeiro de 2013, não se esperando decisão antes do final deste ano, segundo a opinião do advogado das partes perante aquela corte superior.191

Devido à grande repercussão do caso, o legislador alemão editou, em 16 de Agosto de 2005, a Lei de Introdução do Procedimento-Modelo para Investidores em Mercado de Capitais (gesetz zur Einführung von Kapitalanleger-Musterverfarhen), abreviadamente conhecida como KapMuG, nos moldes do procedimento modelo previsto nas VwGO e SGG, e que entrou em vigência no ordenamento alemão.

A KapMuG tem, como dito anteriormente, na tradição do direito tedesco, um espectro de aplicação restrito, pois foi editada para regular especificamente a proteção aos investidores no mercado de capitais. Neste sentido, Grace afirma que “[...] ao contrário de outros modelos de ações coletivas, a perspectiva alemã é especificamente concebida para uso em litigância no mercado de capitais e não se aplicaa outras áreas do direito material alemão.”192 Todavia,

possui o traço diferenciador de permitir que sejam volvidas postulações indenizatórias, algo que, como visto anteriormente, não era permitido em sede de tutela coletiva na Alemanha.

Trata-se, ainda, de uma lei temporária, inicialmente prevista para viger somente até 2010. Todavia, foi renovada uma primeira vez em 2010, por mais dois anos, até outubro de 2012. Nesta data foi novamente prorrogada pelo legislador alemão até 2020, com algumas modificações, propostas para ajustar e otimizar o procedimento. Pretende o legislador alemão, ao final do prazo, avaliar os efeitos da lei, para saber se vale a pena torná-la definitiva ou ampliá-la para a tutela coletiva de outros direitos ou, ainda, mesmo de forma genérica.

3.3.3 Aspectos procedimentais

Pela sistemática do Musterverfahren, tal qual prevista na KapMuG, “A cognição judicial, nos incidentes, é cindida: neles seriam apreciadas somente questões comuns a todos os casos similares, deixando para um procedimento complementar a decisão de cada caso

191 Update on Telekom case: Plaintiffs’ appeal brief filed, sustainable private law .net, 23 fev. 2013. Disponível

em <http://sustainableprivatelaw.net/2013/02/23/update-on-telekom-case-plaintiffs-appeal-brief/>. Acesso em: 29 abr. 2013.

192 No original, em inglês, “[…] unlike other class action models, the German approach is specifically designed

for use in securities litigation and does not apply to other areas of substantive German law.”. Vide GRACE,

Stefano M. Strengthening Investor Confidence in Europe: U.S.-Style Securities Class Actions and the Acquis Communautaire. Journal of Transnational Law & Policy, p. 281-304. apud VIAFORE, Daniele. As semelhanças e as diferenças entre o procedimento-modelo musterverfahren incidente de resolução de demandas repetitivas no PL 8.046/2010. Revista de Processo, vol. 257, Ed. Revista dos Tribunais, mar. 2013. p. 263.

56

concreto.”193 Desta forma, no Musterverfahren são decididos os pontos litigiosos

(streitpunkte), que podem inclusive ser elementos fáticos ou questões preliminares (vorfragen), acatados pelo magistrado já na petição de ingresso, fazendo que a decisão seja replicada para vários litígios individuais.194

O Musterverfahren é dividido em três fases. Na primeira fase, o procedimento-padrão tem a sua instauração admitida perante o órgão julgador de primeira instância e é submetido ao tribunal de apelação (Oberlandesgericht) para julgamento. Na segunda fase, este tribunal processa o requerimento, prolatando uma decisão final sobre o procedimento-padrão. Finalmente, na terceira fase, há o julgamento das causas individuais, nas instâncias ordinárias, com obrigatória aplicação do que foi decidido no procedimento-padrão.195