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Holismo: marco conceptual em saúde

No documento A Cooperação Internacional Portuguesa no (páginas 49-53)

1.3. A CONSTRUÇÃO DO CENÁRIO DESEJÁVEL EM SAÚDE

1.3.2 Holismo: marco conceptual em saúde

Apesar de já cogitado desde Heráclito na antiguidade Grega (Teixeira, 2001), e trespassado no tempo através do Novo Testamento (Svihus, 1979), a aplicação das palavras “holístico” e “ holismo” à saúde é feita pela primeira vez em 1926, por Jan

Smuts, na sua obra “Holism and Evolution” (Lima, 2008; Teixeira, 2001; Poynton,1987; Svihus,1979; Tavares,1993).

Inspirado pela Teoria da Relatividade de Einstein e partindo de uma séria crítica ao modelo científico que dominou no século XIX, com um conceito de causalidade que considerava estreito e inflexível (Lima,2008), Smuts descreve na sua obra um conceito evolutivo em que “(…) holism underlies the syntetic tendency in the Universe (….)” (Smuts,1926, p. ix) em evoluir por meio da formação de “todos” (wholes), sendo o organismo humano parte deste modelo (Lima,2008; Tavares,1993). De acordo com Smuts, todos as entidades em crescimento, desenvolvimento e evolução, tornam.se em algum ponto, completos na sua natureza, de modo que a sua totalidade se transforma em algo maior do que a mera soma das suas partes (Tavares, 1993; Svihus,1979; Poynton,1987; Kunitz,2002; Stanhope e Lancaster,2011). E então elas movem.se para novos níveis do ser . novos “todos”, através de uma força criativa interior, que ele chama “holismo” (Svihus, 1979).

O “todo”, derivado do grego holos, é deste modo concebido como uma realidade não somativa (Tavares, 1993), uma unidade complexa e dinâmica na qual as partes se relacionam e interagem, de modo que, quando qualquer distúrbio numa das partes afecta o todo, há um esforço cooperativo entre as outras partes de modo a reajustar as suas funções para que uma nova rotina se estabeleça visando manter o equilíbrio no funcionamento do todo. Sendo assim impossível delimitar onde se inicia o todo e onde termina cada parte, todas as partes se representam no todo, do mesmo modo que o todo está em todas as partes (Lima, 2008).

Smuts não via contudo, o princípio mecanicista e holístico como opostos, mas sim como princípios que regem esferas diferentes dos processos da natureza. Segundo ele, o homem tem por base ambos os mundos: alguns processos do corpo físico são regidos por princípios mecanicistas, embora a sua totalidade seja essencialmente holística (Smuts, 1926; Adler, 2009; Alonso,2003).

O impacto desta abordagem no sector da saúde foi largamente explorado na colecção “Greater than the parts: holism in Biomedicine 1920?1950”, editado por Chistopher Lawrence e George Weisz e por Georges Engel, em “The need for a new

medical model:a challenge for biomedicine”. Segundo os autores, na saúde, o holismo

poderá ser aplicado a vários contextos, dependendo do ponto em que nos situamos: pode significar o todo da pessoa, da família, da comunidade ou do planeta (Lawrence e Weisz,1998; Engel,1977). A aplicação de um modelo holístico à saúde implicaria neste contexto, lidar com os problemas nas suas dimensões física, psicologica, social, cultural e espiritual (Freeman,2005) considerando.se a saúde um processo dinâmico e não um estado final. Para além de defender uma abordagem global da pessoa ou de qualquer outro todo, este modelo salienta ainda a necessidade de se considerar a sua autonomia conceitual e afectiva, ou seja, as avaliações, interpretações ou significações que cada pessoa faz sobre o seu estado de saúde, com promoção do seu papel pró.activo relativamente às mudanças que à sua saúde dizem respeito. Ao contrário dos modelos reducionistas, baseados na imposição e autoridade, no modelo holístico a relação profissional de saúde . pessoa é uma parceria epistemológica: as significações de cada um estruturam e são estruturadas pela dialéctica estabelecida entre ambos. A pessoa não é um objecto de mudança ou de cura, mas um agente dessa mudança, resultante da relação de colaboração e parceria que ela estabelece com o profissional (Reis, 2005).

Smuts acreditava que estaria a acontecer na sua época uma verdadeira revolução no que respeitava à visão do homem em relação à natureza, embora considerasse que os efeitos dessa revolução apenas se fariam sentir mais tarde, tal como se viria a constatar (Lima, 2008).

A visão fragmentadora e mecanicista, cuja racionalidade (Tavares,1993) defendia a ideia da existência de uma causa única e necessária para a ocorrência da doença ter.se.á cristalizado nos anos imediatamente a seguir à primeira guerra mundial, como resultado do seu falhanço na explicação do controlo da pandemia de influenza em 1918, dos surtos de polio, meningite e encefalite. A somar a estes factos, as profundas mudanças provocadas na ordem social pela revolução industrial (Kunitz, 2002) e o aparecimento das doenças crónicas, tornavam cada vez mais claro que a saúde não é um fenómeno independente com fronteiras claras (Pourbohloul e Kieny, 2011).

Paralelamente uma série de contributos da ciência começavam a fundamentar esta necessidade de uma nova abordagem do fenómeno saúde . doença: a medicina psicossomática de Freud; a medicina comportamental de Schwartz e Weiss (Straub,

2005); a psicologia da saúde de Matarazzo (Ogden, 2004); às quais era ainda necessário juntar os contributos já dados por Adler (1935) com a psicologia individual; Maslow (1943) com a teoria da motivação humana; Erikson (1971) com a teoria do desenvolvimento; Rogers (1974) com a terapia centrada no cliente e Von Bertalanffy (1977) com a teoria geral dos sistemas (McLaren,1998), todos eles alertando para o facto de que tudo afecta a saúde, e que portanto, para a manter e melhorar é necessário compreender e honrar o todo, em cada uma das suas partes e na sinergia criada pelo sua totalidade (Freeman, 2005).

O holismo é assim uma aspiração, uma direcção, plena de oportunidades retóricas, mas que não é fácil de alcançar, pois requer um grau especial de atenção, percepção, habilidade e humanidade. E embora seja, nas palavras de Fulder (2005,p.775) “(…) a view that is all too easily forgotten” , como preconiza a OMS (2008) no seu relatório mundial de 2008 “ (…) Os cidadãos do mundo (…) não estão apenas à procura de competência técnica: também querem que os prestadores de cuidados de saúde sejam compreensivos, respeitadores (…). Querem cuidados de saúde organizados em torno das suas necessidades (…) sensíveis à situação particular da vida (…). Não querem ser (…) meros alvos de programas de controlo de doenças (…)”(OMS, 2008, p.18).

Esta “(…)desfasagem importante entre a nova visão do mundo que emerge do estudo(…) e os valores que ainda predominam(…) fundamentados, em grande parte, no determinismo mecanicista, no positivismo e no niilismo. (…)” (UNESCO,1986), prejudicial para o Homem, fez com que já em 1986, na Declaração de Veneza, ao discutirem o futuro da ciência e do mundo, os seus participantes reconhecessem “(…) a urgência de uma procura verdadeiramente transdisciplinar em intercâmbio dinâmico entre as ciência ‘exactas’,as ciências ‘humanas’, a arte e a tradição(…)” para o “(…) aparecimento de uma nova visão da humanidade(…)” capaz de nos “(…) aproximar mais do real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios da nossa época.” (UNESCO, 1986).

No contexto deste novo século, em que, como afirma Freeman (2005, p.154) “People are complex, and live in a complex communities in a complex world. All aspects of this world have an impact on the health of the people in it”, e portanto é necessário adoptar uma abordagem que seja capaz de analisar e integrar a totalidade deste fenómeno, de conhecer e compreender as “Causes of the causes”, “(…)focusing on the upsteam causes of ill health” (Chan ,2008,s.p.), para que assim possamos

melhorar a nossa capacidade de prever e controlar os resultados em saúde (Pourbohloul e Kieny, 2011),num mundo que exige cada vez mais ser cuidado com humanitude (Simões, Rodrigues e Salgueiro,2008) e na sua essência: a humanidade.

No documento A Cooperação Internacional Portuguesa no (páginas 49-53)