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Impactos do Novo Federalismo: ausência de um modelo metropolitano.

3 FEDERALISMO E REGIÕES METROPOLITANAS: O DILEMA DA COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

3.3 Impactos do Novo Federalismo: ausência de um modelo metropolitano.

O processo de redemocratização vem fortalecer novos atores sociais – em especial os governos locais e os movimentos sociais urbanos – cujos interesses não eram contemplados nas agendas das entidades metropolitanas, o que culminou com o fortalecimento dos municípios e abriu espaço para um novo acordo político institucional entre os vários atores do cenário metropolitano. Neste momento se dá a de uma retórica municipalista exacerbada, onde a questão metropolitana, identificada com o regime autoritário, é relegada a um segundo plano (SOUZA; AZEVEDO & GUIA; ABRUCIO, 1990, 2000, 2001). A palavra de ordem agora é a municipalização e a construção de um novo pacto federativo, institucionalizando-se mecanismos de descentralização e democratização da gestão pública e, principalmente, de aumento da autonomia financeira de estados e municípios, o que foi alcançado com a promulgação da Constituição Federal em 1988.

Desta forma, a questão metropolitana não era considerada prioritária, recebendo um tratamento genérico na Magna Carta de 1988. A função de estabelecer Regiões Metropolitanas coube às Constituições estaduais, ficando a mercê das variáveis internas de cada estado, o que poderia ou não trazer benefícios dada a flexibilidade de modelos institucionais propiciada por tal atribuição. Assim, teoricamente, o texto de 1988 permite o surgimento de formatos institucionais mais condizentes com as diferentes realidades regionais, ao atribuir às Assembléias Legislativas a responsabilidade pelo tratamento da questão metropolitana (AZEVEDO & GUIA, 2000).

A Constituição paulista estabeleceu fatores a serem considerados para a instituição de novas Regiões Metropolitanas, tais como o tamanho da população, a intensidade de fluxos migratórios, grau de conurbação, potencialidade das atividades econômicas e fatores de polarização da futura Região Metropolitana, bem como definiu funções de interesse comum dos municípios pertencentes às Regiões Metropolitanas. Deve ser destacado que apenas os estados do Ceará e São Paulo enfatizam a importância estratégica da participação estadual, ao mencionar de forma clara a necessidade da gestão metropolitana levar em conta “ação conjunta entre estado e os municípios”. Entretanto, os novos arranjos institucionais para as Regiões Metropolitanas não foram acompanhados do necessário aporte de recursos financeiros (AGHÓN, 1996). Da

mesma forma, mesmo nos estados onde se previa mecanismos de financiamento metropolitano não ocorreu a regulamentação esperada pela maioria dos pequenos e médios municípios metropolitanos (AZEVEDO & GUIA, 2000).

Na Constituição, com a atribuição aos governos estaduais da criação das Regiões Metropolitanas e aglomerações, o Governo Federal se eximiu do papel de coordenador de políticas integradas nestas áreas (ABRUCIO & SOARES, 2001). Na verdade, foram os constituintes de 1988 que deixaram de fora este importante ator, pelos motivos expostos no capítulo anterior. Os governos estaduais, por outro lado, não se interessaram em coordenar a integração nessas áreas. Caracterizou-se neste momento, segundo Abrucio e Soares (2001), um modelo no qual a transferência desta competência aos estados foi:

[...] resultado, na verdade, de um jogo no qual ninguém queria comprometer-se com mecanismos integradores e coordenadores das relações intergovernamentais. Antes preferiram garantir posições de poder a compartilhar funções ou construir uma dinâmica norteada pela parceria (ABRUCIO & SOARES, 2001, p. 105).

Da mesma forma Sérgio Azevedo e Virgínia Guia:

[...] os governos estaduais e os municípios metropolitanos, embora reconheçam formalmente a importância da questão institucional metropolitana tendem a ver esta questão como um jogo de soma zero, em que a maior governança implicaria a diminuição do poder para estados e municípios (AZEVEDO & GUIA, 2000, p. 530).

Para Fernando Abrucio e Márcia Soares há, pelo menos, três conseqüências perversas deste novo modelo consagrado com a Constituição de 1988. A primeira relaciona-se com as capacidades dos municípios metropolitanos, pois existem enormes desigualdades administrativas e financeiras entre eles. Em segundo lugar, a gestão coordenada de municípios sobre problemas urbano-metropolitanos é extremamente

difícil em um contexto de municipalismo autárquico. A defesa de uma descentralização com poucos mecanismos de coordenação tem criado obstáculos à ação metropolitana. A guerra fiscal é exemplo disto. Este processo resulta, primeiro, da autonomia tributária adquirida, fundamental numa Federação democrática, mas que não foi acompanhada por um processo de coordenação e harmonização do sistema de impostos; segundo o avanço da internacionalização da economia levou prefeitos e líderes locais a um verdadeiro leilão junto às empresas. A pior conseqüência, segundo os autores, verifica-se no plano das relações horizontais entre os municípios. A guerra fiscal corrói a possibilidade de relacionamento cooperativo entre as cidades, uma vez que elas se vêem como adversárias, senão inimigas, na busca por investimentos que aumentariam a arrecadação e diminuiriam o desemprego em cada localidade.

A terceira e última conseqüência do modelo federativo atual é que os níveis superiores de governo estão muito pouco presentes como parceiros, indutores ou coordenadores da ação nas áreas metropolitanas. A União tem realizado investimentos em Regiões Metropolitanas, principalmente em transporte (metrô, aeroportos e Anel Viário) e habitação, sem, contudo, apresentar um modelo estruturado de financiamento e apoio às Regiões Metropolitanas. Problemas de segurança pública, pobreza urbana, saneamento básico e habitação, entre outros são questões cuja resolução depende da atuação conjunta da União com outros níveis de governo e o fato é que o Governo Federal pouco ou nada tem feito neste sentido. Os estados são mais atuantes tendo em vista sua competência constitucional, porém falta ainda um planejamento metropolitano mais efetivo no incentivo à cooperação intergovernamental, conforme será analisado adiante.

A partir de meados dos anos 90 começa a tomar forma uma nova e complexa realidade institucional metropolitana que busca superar a perspectiva “neolocalista” pós-1988, sem retornar, contudo, a modelos centralizados, autoritários e padronizados como os da época do regime militar. Essa nova fase combina diferentes formas de associações compulsórias – reguladas pelos três níveis de governo – com diversas modalidades voluntárias de associação. A maior novidade é o envolvimento da sociedade organizada – associações organizações não-governamentais (ONG´s) e da iniciativa privada (AZEVEDO & GUIA, 2000).

A iniciativa privada aparece principalmente como concessionária ou permissionária de diferentes serviços públicos de âmbito metropolitano. Outros atores são as agências de financiamento e fomento internacionais, atuando em parceria com os

três níveis de governo em projetos de impacto metropolitano e em áreas consideradas sensíveis (meio-ambiente, saneamento, transporte de massa, etc.). Do ponto de vista da União o reinício de atividades de regulamentação e de financiamento que, mesmo não se enquadrando em áreas metropolitanas, envolvem governos e agências de diversos níveis. Este é o caso da Política Nacional de Recursos Hídricos, envolvendo bacias hidrográficas que abrangem mais de um estado e dezenas de municípios. No próximo capítulo será ressaltada a importância dos Consórcios de Bacias Hidrográficas na formação de algumas das Regiões Metropolitanas.

Diogo Lordello de Mello (1996, p. 20) afirma que há dois modelos institucionais básicos para a gestão supramunicipal, notadamente nas Regiões Metropolitanas: as estruturais formais institucionais e as informais. Podemos entender a classificação nesses dois modelos respectivamente como soluções compulsórias e soluções voluntárias. O diferencial está nos mecanismos jurídico-institucionais para assegurar o comprometimento das esferas de governo envolvidas. A vantagem da primeira forma é a garantia de comprometimento dos atores e o claro estabelecimento das regras do jogo, mas com o risco da rigidez da fórmula limitar a solução dos problemas e não dar conta das heterogeneidades locais. A segunda forma tem a vantagem de os próprios entes envolvidos estabeleceram as regras do jogo, numa acomodação dos interesses de acordo com sua especificidade. Porém há a desvantagem do risco de descontinuidade devido à dependência da vontade da governante do momento, de forma que se a próxima liderança não valorizar a questão da solução conjunta, o arranjo metropolitano fica vulnerável e incompleto.

Em estudo sobre o processo de institucionalização das Regiões Metropolitanas em experiências internacionais, Alan Norton, citado por Mello (1996), conclui que “não se conhecem exemplos êxitos de associações exclusivamente voluntárias. Está bastante clara, em todos os exemplos estudados, a necessidade de um arcabouço legal, da definição de competências e da obrigatoriedade de desempenho das funções” (NORTON, apud MELLO, 1996, p. 42).

Finalmente, Mello (1996) aponta que é imprescindível a formação de redes de cooperação com o envolvimento de diferentes níveis de governo e de mecanismos de solução de conflitos acerca das funções e competências metropolitanas, alertando enfaticamente que:

“Nenhum esquema metropolitano funcionará satisfatoriamente sem forte e constante apoio do Governo Central ou do Governo Estadual e se não contar com arbitragem rápida para resolver questões de competência funcional” (MELLO, 1996: 45).

A criação de uma entidade encarregada de administrar estas áreas geralmente enfrenta resistências de diversas esferas de governo, em especial do poder local, imbuído da visão do municipalismo autárquico, temerário da perda de poder frente a outras instâncias governamentais e da perda de funções dentro do seu território. Os maiores obstáculos à institucionalização da cooperação inter e intragovernamental para a gestão das áreas metropolitanas são, portanto, de ordem política.